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sexta-feira, março 30, 2007

Um texto de Vânia Moreira Diniz (*)


Estendendo as mãos

Não sei por que revolvi meu interior e encontrei muita coisa a cultivar. Lembrei-me, então das inumeráveis vezes em que prometi voltar para dentro de mim, podar ervas daninhas e hidratar as flores e frutos que estavam prestes a ficar maduros e completos.

Hoje, recordando essa ocasião vi que por falta de tempo ou displicência não tenho feito esse exercício de reflexão a que me proponho agora. Muita coisa aconteceu, e enquanto me concentro num momento de introspecção, procuro entender o mistério da vida que sempre me fascinou.

Culpamos aos dirigentes do país, à nossas autoridades, às outras pessoas, à família, parentes e amigos, mas esquecemos que antes de tudo devemos olhar para nós mesmos. E é isso que faço nesse momento, è exatamente isso, que repentinamente pensei quando senti novamente e de forma intensa o que podemos fazer pelos nossos semelhantes e por nós mesmos.

Nesse momento da minha vida que considero o apogeu, quero estender minhas mãos para todos, e procurar o gesto de amor e carinho que esqueci ontem, que não fui capaz de transmitir hoje em muitas oportunidades cruciantes.

Contemplo toda a natureza em volta de mim, cada objeto, o amigo computador, companheiro fiel de todas as horas, onde deposito as alucinações de meu cérebro, paixão de meu coração, loucuras de meu ser integral, experiências de minha alma, sabendo que ele tudo entenderá e absorverá, sem um minuto de crítica.

Volto à realidade, mas procuro certa escuridão para que possa refletir com mais liberdade, calma e privacidade. Isso dentro da própria solidão que existe na vida do escritor e nas horas em que produz. E me vejo totalmente entregue a reflexões, fantasias idéias e no recolhimento desse instante, percorro caminhos desconhecidos e me comprazo em mais uma vez verificar como são infinitos nossos pensamentos que voam em silêncio.

Recolher-nos em certas horas é a única maneira de podermos exercer a liberdade de pensar, aliás, a única liberdade que realmente temos. Neles ninguém penetra se não quisermos. Por isso fico ali, durante alguns minutos e vôo numa distância infinita, retenho algumas idéias rápidas e retorno ao meu mundo, certo que o planeta é magnificamente expressivo e fecho os olhos ainda uma vez.

Quando os reabro sinto que minhas perspectivas são ilimitadas e ao mesmo tempo etéreas, porém encontro-me num espaço de esperanças, luz e felicidade. Estendendo as mãos encontro o verdadeiro sentido de uma existência, plena em todos os sentidos, estendendo as mãos, posso encontrar desvendado o mistério do desabrochar interior, da realização sonhada e finalmente enxergar verdadeiramente com os olhos da alma que refletem meu olhar exterior.

(*) Vânia Moreira Diniz - poeta, ficionista, articulista, cronista, humanista e um tanto enorme de outras coisa lindas, é das mais expressivas divulgadoras de coisas da literatura brasileira na Internet, tal como Leila Miccolis . Ao publicar o texto acima, pretendo homeagear a grande artista e divulgadora, mostrando seu talento aos meus leitores amigos deste blog.

Visitem Vânia em http://www.vaniadiniz.pro.br/ e deliciem-se com a variedade de textos e a riqueza da percepção dessa carioca-brasiliense (Brasileiríssima, pois!)

Luiz de Aquino

quinta-feira, março 29, 2007

Carta ao LH



Carta ao LH


Há pessoas que têm uma memória incrível para datas; invejo-as pela exatidão de tais lembranças, pois demonstram, também, um rigor de informações sobre fatos passados que, infelizmente, não consigo reter muito bem. Mas não perco algumas marcas no tempo, e o faço, na quase totalidade das vezes, por mera associação de idéias.

No dia 29 de março de 1996, bem cedo, saí de casa, nas proximidades da Serrinha, rumo ao Setor Aeroporto. Minha filha já se internara para dar à luz meu primeiro (e, até agora, único) neto; há sete anos, uma netinha foi frustrada num acidente de percurso no quinto mês de feto. Era o dia do Luiz Henrique.

No percurso, ouvia o noticiário: o Cepaigo (penitenciária que hoje tem outro nome, em Aparecida de Goiânia, município vizinho), o já então famigerado Pareja liderava uma grande rebelião, mantendo reféns de alto luxo: desembargadores, juízes e o diretor do presídio. Assim, passei o dia na ocupação de avô-novo e na concentração ante os fatos. A diferença fundamental, eu já a sabia: LH, meu neto, é marca para a vida toda; já o Pareja e seu motim, perigoso e rejeitável, cairiam no limbo das notícias velhas.

Nestes onze anos, muita coisa aconteceu. Mudaram-se os dirigentes dos presídios; mudaram-se os governantes, em Goiás e no Brasil; mudaram-se as posturas das pessoas e a gente sempre renova esperanças. É verdade que, nestes onze anos, dezenas ou mesmo centenas de rebeliões aconteceram nas cadeias do Brasil, e até mesmo rebeliões “em cadeia”, quero dizer, em série. Felizmente, em Goiás tais motins foram poucos, e rapidamente solucionados (Goiás andou melhor que a média nacional, neste quesito).

Nestes onze anos, LH cresceu; e seu tio Lucas, o meu filho temporão, nascido apenas oito meses antes, cresceu também; são como galhos num mesmo pomar; não da mesma árvore, mas frutos próximos, literalmente familiares. Frutos para a minha (a nossa, melhor dizendo) alegria e, também, preocupação ambígua (de um lado, o empenho que nós, pais educadores, temos para fazer o melhor; de outro, o receio pelo futuro do Planeta e da Sociedade).

Aquele 29 de março ficou, para mim, como o óbvio que a todo dia se repete: num mesmo instante em que meia-dúzia de malucos detonava as torres gêmeas na tal “capital do mundo”, alguém (ou muitos “alguéns”) era feliz. Os onze anos da batalha do Pareja certamente são lembrados por pessoas que lhe eram próximas e, provavelmente, por suas vítimas traumatizadas com o desenrolar dos fatos e, depois, aliviadas com o desfecho. O dia, para os meus, foi quase feliz, não fosse nossa preocupação de sempre na busca utópica do convívio harmônico.

São assim os dias e a vida: contraditórios e completos. Este 29 de março de 2007 é, para o meu neto, um dia muito feliz, mas ele sabe que não podemos apenas ser felizes: a Terra, nossa casa, pede socorro, está febril, superaquecida, desfazendo-se das geleiras polares e dos picos alvianil dos Andes, dos Alpes, do Himalaia... Há o desmatamento desenfreado, o plantio doentio de dinheiro de nomes novos: soja, cana...

Por isso, LH, o meu neto, precisa saber, e saber muito bem, com riqueza de detalhes e profundidade nas informações, que muito há a ser feito, e nenhum de nós, os tais de seres pensantes, pode se omitir (é que o inimigo, inteligente e mal intencionado, não se omite: age, e age para o mal).

No beijo de parabéns, LH, o Vô lhe deseja um futuro feliz. Mas, ao mesmo tempo, muito responsável. Faça isso, por favor! Você tem as ferramentas.

terça-feira, março 27, 2007

Entrevista a Wilmar Silva



Entrevista:

Luiz de Aquino Alves Neto,

por Wilmar Silva.



Wilmar Silva - Sendo um rebelde por natureza, como foi o menino Luiz de Aquino Alves Neto, em Caldas Novas, GO?

Luiz de Aquino Alves Neto - Não era rebelde, ainda; nem traquinas (puxa, que palavra distante, no tempo...). Era inquieto, sim. Muito curioso, perguntava demais, aguardava respostas e, tal como ainda hoje, se não me satisfaziam, eu sonhava.

WS - E a moradia de passagem ao Rio de Janeiro, o que ainda guarda da maravilha de São Sebastião?

LA - Ah, tudo! Imagino que a minha Caldas Novas, naquele começo de 1956, era restrita a pouco mais de um mil habitantes, na dita zona urbana. Urbana? Não tínhamos nada de urbano além do alinhamento das casas e da fiação de energia elétrica, que nos chegava a horas certas. O Rio de Janeiro começou a me chegar no campo de aviação de Caldas Novas, pelo avião militar em que viajei, de carona, até São Paulo. De lá, e no dia seguinte, segui pela Viação Cometa, sempre escoltado por duas tias, até o Rio. A Via Dutra só tinha uma pista, mas era asfaltada; Na Central do Brasil, o trem elétrico até Marechal Hermes... Tudo era novo! Novas eram, também, a emoção de estar na Capital da República (a cidade dos livros de História e da revista O Cruzeiro) e a sensação de vazio ante a primeira grande perda: naquele 10 de março, ao sair de casa, eu perdia as presenças de meus pais e irmãos. Mas, depois, vieram a escola primária onde me preparei para o Admissão, o grupo de escoteiros e, o mais importante, o Colégio Pedro II: começava a minha adolescência.

WS - Como foi a estréia de O Cerco e Outros Casos, morando em definitivo na Goiânia de Goiás?

LA - O Cerco (1978) foi uma decorrência. Ele começou a ser concebido, penso eu, nos bancos do ginásio, nas aulas de redação da professora Maria Helena Silveira, do Colégio Pedro II. Em 1967, publiquei, no jornal O Anápolis, meu primeiro artigo. Ingênuo e assustado, aquele primeiro texto, saudando a cidade (morei em Anápolis por pouco mais de um ano) em seu aniversário de emancipação política. De volta a Goiânia, passei a colaborar com os jornais Folha de Goiás, O Popular e Cinco de Março. Artigos, crônicas, contos... A poesia, eu a produzia como vazão das emoções e experimentos de textos, sem coragem de expô-la, receoso de um julgamento crítico severo. Mas O Cerco demorou a sair, porque não era fácil publicar um livro: havia os custos (quase proibitivos) e a censura (ah, a censura era implicada com a forma poética: lembrava letra de música e aqueles censores (gente que lê, mas não entende) agiam por impulso, exibindo autoridade, mas experimentando um medo maior que o nosso). Em suma, O Cerco teve excelente aceitação, na época: esgotei os dois mil exemplares em menos de seis meses. Tal como hoje, não havia distribuição e o livro ficou praticamente restrito à região de Goiânia.

WS - A propósito, Luiz de Aquino, que diferenças entre Goiás do interior e Goiânia de Goiás?

LA - Imensas! Dizem que Goiânia é a caixa de ressonância de Goiás (interior); isso, em parte, é verdadeiro (aliás, nem todas as verdades são inteiras; só as sagradas). Mas Goiás do interior ainda se identifica pelo ambiente e comportamento humano das décadas passadas, e Goiânia reflete o intenso fluxo migratório gerado por sua fundação, primeiro; por Brasília, depois (e mais intensamente) e, hoje, pelos negócios de magnitude resultantes da expressiva produção do campo. Costumo dizer que Goiânia não é propriamente de goianos, mas de brasileiros vários.

WS - Mais que o nome, "Goiás", qual a importância da cultura de Goiás frente ao Brasil?

LA - Goiás é um nome bonito e misterioso. Como Sergipe, ou Acre, ou ainda Paraíba... Mas Goiás me sugere muitas dúvidas: a palavra é singular ou plural? É que encontramos as formas "o índio goiá", e por isso Goiás seria plural; e temos também registro de "os índios goiazes", o que nos sugere que o singular era goiaz. Houve um tempo em que se grafava o nome "Goyaz". Fica, então, a questão para ser (ainda) estudada, discutida, defendida, exposta e... não se chegar a lugar algum. Mas a nossa importância cultural frente ao país é igual à do Rio Grande do Sul, a da Bahia e de Pernambuco ou ainda Rio de Janeiro: tudo é muito importante. Entendemos, e isso não é novidade (nem favor), que Minas Gerais reúne em si uma das maiores riquezas culturais do país: Minas se simboliza pela literatura diversificada e rica de autores; Minas se simboliza pelo caipira lento e esperto, inteligente; Minas é o trem de ferro em movimento, a estação quase que estática, a fala mansa e abreviada de sílabas, de comida cheirosa e inesquecível; nós, os de Goiás, somos uma grande herança mineira, sem prejuízo de outras influências culturais. Quase que sem querer, temos como símbolos fortes o pequi, a guariroba e o cerrado, embora o pequi e a guariroba existam onde houver cerrado, e o cerrado se espalhe por todo o Centro-Oeste, significativa parte do Sudeste e do Nordeste. Mas é a Goiás que se referem o cerrado e o pequi. O Brasil enxerga Goiás nas músicas fáceis e de comercialização rápida das duplas sertanejas (que são uma invenção paulista, creio eu), porque as grandes gravadoras resolveram nos rotular assim; mas aqui se exerce toda a gama dos gêneros musicais, e com riquíssima intensidade, desde a MPB até a Música Contemporânea, passando pelo rock, pelas modinhas e até pelo riperrope (os do riperrope não gostam que eu escreva assim, mas tenho dificuldade em grafar ortografia estrangeira). Nossa literatura é rica de contistas e poetas; as atividades cênicas, seja em palcos ou no audiovisual, estão em notória expansão e as artes plásticas de Goiás têm também nomes de projeção internacional. Em suma, somos apenas 4 a 5% do Brasil, tanto em território quando em economia e população, mas nossa importância é igual a de qualquer Estado ou Região.

WS - Por que "Goiano só traz pepino", a exemplo de uma fala em seu livro Nossa gente, nossa história?

LA - A gíria está em desuso. Por "pepino" entenda-se "problema". Era a expressão preferida de um colega bancário (já falecido), carioca, gerente de negócios na agência do Banco do Estado de Goiás no Rio de Janeiro. Naturalmente, goianos em viagem ao Rio enviavam dinheiro a seu próprio favor, a ser sacado na única agência do banco na Cidade Maravilhosa; e o Botelho, esse colega, tinha prazer em pronunciar a frase, que se tornou uma referência constante: "Goiano só traz pepino".

WS – Deu no Jornal revela um humanista sensível ao mundo político. Como foi a experiência do escritor enquanto jornalista?

LA - Moço! Você agora tocou um ponto incômodo (rindo): não consigo assimilar a palavra "enquanto" no sentido que você a usa, aqui. Sou tão jornalista quanto escritor, mas a palavra "enquanto" atribui-me uma transição por essa atividade, da qual me orgulho tanto quanto da de professor, que exerci por pouco tempo, mas que vem a ser a minha formação acadêmica. Mas o importante é falarmos de Deu no jornal, não é? Vamos lá: o livro reúne dezessete entrevistas que realizei com personalidades goianas que, lá por 1993 e 94, andavam fora da mídia. Eram artistas, políticos, intelectuais e vultos populares. Listamos mais de quarenta nomes, eu e meu editor no Diário da Manhã, na época, o jornalista Jairo Rodrigues, mas só realizamos essas, porque a série foi bruscamente interrompida, por mudanças estruturais na empresa. Inspirei-me em Fernando Sabino e Pedro Bloch, dois entrevistadores geniais que, em lugar de publicar textos pasteurizados ou entrevistas pingue-pongue (perguntas e respostas), escreviam crônicas de excelente leitura. Eu quis fazer o mesmo, e fiz; e o fiz com a consciência de que, ao repeti-los, imprimiria o meu estilo, ou seja, não cometeria uma cópia ou plágio. Senti-me feliz em produzir aquela série, que, depois, reproduzi em livro. A propósito, recebi do poeta e jornalista Lau Siqueira um texto analítico desse livro, dando-o como de excelente técnica jornalística. Atribuo a isso a junção dos ofícios de escritor (especialmente de poeta) e de repórter para chegar ao ponto alcançado.

Mas vale registrar: o alvo que eu gostaria de ter atingido ignorou solenemente o meu livro: os cursos de jornalismo ou os interessados em História e Política de Goiás. Coisas que só se explicam pelo ciúme e pela rejeição do que nos é próximo, porque tenho consciência de que o material é bem escrito e interessante para se conhecer a realidade de Goiânia e, por extensão, de Goiás.

WA - Meus Poemas do Século XX apresenta uma antologia de Luiz de Aquino, contendo todos os poemas dos livros de poesia publicados entre 1983 e 1996. Falando por linguagem, em que língua Luiz de Aquino Alves Neto escreve?

LA - Sim, é uma coletânea, concebida para suprir a falta dos meus livros de poemas já esgotados. Gostei de tê-la feito, tanto quanto o que se refere a Deu no jornal. Mas você me pergunta em que língua escrevo? Ah... Escrevo em Língua Portuguesa, versão brasileira, segmento goianês. Ou, pelo menos, imagino que seja isso. Trato mesmo é de uma linguagem coloquial na versão escrita; ou de pitadas literárias no texto jornalístico; ou de praticidade jornalística na ficção da prosa em crônica ou conto (ainda não me atrevi a produzir romance), mas tenho consciência de que aplico uma linguagem íntima e sensual na poesia de amor. Com o tempo, isto é, a idade e a memória caminhando de mãos dadas, despi-me do rigor moral que me impedia de falar abertamente das sensações de pele e paixão na intimidade do ato sexual e das fantasias passionais.

WS - A exemplo do verso "Trouxe as mãos de plantar um pinho", que poesia há em Sarau (Edição do Autor: Goiânia, 2003), pensando na estréia do poeta com Sinais da Madrugada, 1983?

LA - Ah... Isso não vale! Você me pede para ser crítico de mim? Prefiro recorrer a Herondes Cezar, que me presenteou com um texto crítico, uma analogia dos meus livros Sinais da Madrugada e Razões da Semente e que usei como prefácio de Meus poemas do Século XX (a coletânea a que você se referiu, linha acima). Herondes escreveu: "O leitor do primeiro livro de Luiz de Aquino, Sinais da Madrugada (1983), que não acompanhou a evolução da obra do poeta certamente se surpreenderá com Razões da Semente (1996) (...). Treze anos depois e quatro trabalhos publicados no entremeio, houve grandes transformações", etc. Ele chega a afirmar que a minha sensibilidade, em 1996, era outra, e não a de 1983. Sarau, porém, só foi concebido depois (publiquei-o em 2003) e divide-se em três partes, como se fossem três livros, ou seja, três momentos distintos, entre si: "Passagens" traz efemeridades biográficas; "À mulher e seu feitiço" se faz de expressões de admiração e devoção, prazeres e dores; e, por fim, "Canto de véspera", um (quase) desabafo intimista, o afloramento de sensações, boas ou doridas, que mostram um poeta humano (há quem imagine que somos sonhadores fugazes, alheios ao quotidiano).

WS - Andando no Brasil para divulgar sua poesia, como foi participar do projeto Terças Poéticas nos jardins internos do Palácio das Artes em Belo Horizonte, Minas Gerais?

LA - Uma surpresa e tanto! Eu freqüentava, esporadicamente, Belo Horizonte, desde 1998. Centrava minha atenção numa relação de amizade das mais belas e saudáveis com Dênia Diniz de Freitas, bibliotecária e professora, coração grande e fértil. Mas não tinha contato com os escritores daí, e, confesso, ainda há em mim uma timidez goianíssima, um defeito crônico de estar oculto (Bernardo Élis referia-se sempre a esta timidez goiana). Mas em função das minhas ocorrências na Internet, como escriba, a jornalista e excelente poeta Ariadne Lima (anote: essa moça promete!) entrevistou-me para uma matéria veiculada na PQN, a revista de Robson Abreu. Por ela, tive contato com você e o poeta José Aloise Bahia. Vocês abriram-me a oportunidade de participar do Terças Poéticas. E isso, para minha maior alegria, ao lado do poeta Bruno Cattoni, carioca com os pés em Minas. Ora, sou goiano de nascimento, mas tenho fortes raízes em Minas (minha mãe é de Conquista, no Triângulo Mineiro; e um bisavô paterno, deslocou-se de seu berço, Bom Despacho, para a atual Pirenópolis, no Século XIX). Minas é o epicentro da boa literatura brasileira, que tem raízes espalhadas por todo o rincão pátrio; mas é de Minas que vêm o ouro e as letras de lei. Portanto, senti-me rico, feliz, agraciado... Foi um excelente momento para conhecer poetas das alterosas e estabelecer laços que, para maior alegria, já rendem novos frutos: vem aí Paranahyba... Ah, depois falamos nisso!

WS - As uvas, teus mamilos tenros (Edição do Autor: Goiânia, 2005), apresenta um autor na elegia do amor, o que pensa sobre a ecologia entre a árvore e o corpo?

LA - Ah, a árvore e o corpo! Isso me lembra um conto de Aidenor Aires, poeta e contista de Goiás, nascido em terras da Bahia: "A árvore do energúmeno". Mas não diria que há uma ecologia entre a árvore e o corpo, e sim uma simbiose, além da inevitável analogia: pernas que são caules; pés que são raízes (ainda que veículos) e braços galhos, mãos ramos e dedos folhas... Pode-se, bem, ir além, e ter a seiva vegetal por sangue, etc. Antes, eu escrevi um livro chamado Razões da Semente (já citado) que era para se chamar Motivos do Sêmen. Os pruridos de moralidade, os cuidados com a hipotética rejeição levaram-me à simbologia vegetal. Porque ainda há quem se choque quando se fala em esperma, mas todos ficam à vontade com a flor. Ora: a flor é o sexo das plantas; e o sexo, a flor da gente...

WS - Que miséria realmente incomoda a pessoa Luiz de Aquino Alves Neto a ponto de pensar que mesmo a poesia é um manjar para ninguém?

LA - Será que penso assim? Penso, sim; às vezes. Ou restringindo parte da sociedade; ou ainda fazendo chantagem emocional ante a força dos incautos, os que não sabem que poesia é essência de vida racional e sensível (aliás, só é humana a racionalidade que se une ao sensível; ou isso, ou o bicho sapiens se torna formiga, que é racional sem ser sensível). A miséria dos sentimentos incomoda-me, demais! A insensibilidade ante as angústias, a omissão ante as ânsias, o egoísmo ante o social; e, lamentavelmente, essa tem sido a tônica dominante entre os que detém o poder de política e economia. Triste! Essa miséria reflete a pobreza de espírito; e a pobreza é um mal galopante, se o "pobre" não se conscientizar de que é pobre em algo. Compete aos desprovidos da sorte a luta pela melhoria material; ao ignorante, a busca da luz do saber. Não agir nesse sentido é negar-se como criatura humana. Essa miséria me maltrata, sim!

WS - Pensando na origem dos deuses de Hesíodo, é possível ao poeta uma convergência rumo ao Olimpo?

LA - Ah, eu também me perguntaria... Onde é o nosso Olimpo? Aquele, o de Hesíodo, perdeu-se como Pasárgada, ou Nínive, ou a Atlântida. Evocamos deuses e ninfas, falamos em musas... E estas, que eram apenas nove, hoje se multiplicam tanto que mesmo um só poeta costuma beber da fonte de dezenas de modernas deusas, carnais e olorosas, capazes de não só despertar a luxúria, mas a lira,a pena, o teclado dos vates hodiernos. Há esta sempre busca do verso perfeito, que, há alguns lustros, revestiam-se de uma forma de rigor, com métrica e tonicidade pré-estabelecidas em regras de estatuto. Hoje, voltamos à liberdade da essência de poesia. E poesia, penso eu, não é apenas um amontoado de palavras ordenadas e ornadas, com harmonia e beletrismo: poesia é, antes, a alma das artes. E aí, concluo que o nosso Olimpo, ainda que seja o mesmo, há de ter outro nome, igualmente escrito com inicial maiúscula: Poesia.

WS - Se pudesse salvar a humanidade dos pecados capitais, o que Luiz de Aquino faria, por exemplo, com o Brasil que assassina, impiedosamente, a árvore dos índios?

LA - Não diria que é o Brasil que assassina a árvores dos índios: a Humanidade assassinou as árvores dos bárbaros de Europa e Ásia (lembra Átila, o rei dos Hunos? Diziam que onde seu cavalo pisasse a grama não mais crescia). Os brancos colonos norte-americanos assassinaram, também, as árvores e rios dos índios; os espanhóis fizeram o mesmo... Enfim, colonizador é colonizador, e colonizador não rima com grandeza humanística, mas, sim, com conquista e dor. É a bandeira do ouro, da prata e das pedras a servir de mortalha aos povos incautos, os que permitem a invasão colonialista.

Mas sou brasileiro. E poeta, e jornalista, e educador e estudioso (ainda que, ultimamente, muito relapso) da Geografia. O que fazer com o Brasil? A primeira medida seria de cunho econômico, reorganizando a relação do homem (não falo do macho da espécie, mas do bicho sapiens) com o ambiente. Isso implicaria conter os fazendeiros do sul em seus pagos de origem, pois são eles os gafanhotos bípedes que destruíram o cerrado brasileiro e, agora, não se constrangem ao destruir a Amazônia. A Natureza está aí para ser usada, mas é do próprio conceito econômico, no conceito original (etimológico) da palavra, que não se explora sem se conter, sem preservar para o futuro. Mas é importantíssimo, também, preservamos a dignidade nacional: manter afastados os especuladores internacionais, ainda que por aqui aportem disfarçados de religiosos. Boa parte desses “missionários” de fala enrolada, católicos ou protestantes, não vêm ao Brasil para doutrinar as almas, mas para exercer a biopirataria e a pesquisa clandestina sobre nossos recursos minerais. Corrigir o Brasil antiecológico implica reorganizar os orçamentos públicos, erradicar a roubalheira e investir pesadamente em Educação e Cultura; o resto é conseqüência.

WS - O que pensa sobre a experiência de escrever em língua portuguesa no Brasil sem leituras?

LA - Pois é! Mais de 180 milhões de brasileiros, e ainda tiramos mil exemplares de livros... Nos anos de 1970 e 80, eu tirava sempre dois mil exemplares, e um dos meus livros, Menina dos Olhos, teve tiragem de três mil; hoje, os poetas tiram cem ou duzentos exemplares para testar o mercado e sempre se decepcionam; os livreiros fecharam questão contra nós: não se publica mais livro de poesia, a não ser de uns dez ou doze "eleitos" em todo o país! E, o que é pior: não aceitam distribuir os livros "independentes", publicados pelos poetas às suas próprias custas. A política de lista de livros para o vestibular estragou o ensino de literatura pela prática nas escolas de base e no ensino médio: antes, os alunos eram estimulados a ler pelo prazer de conhecer uma história ou compreender um poema; hoje, ninguém lê nada, e quando o faz é por obrigação. As listas de vestibular conduzem o estudante a ler, em um ano, doze livros que ele jamais viu antes; se passar, ele nunca mais quer ver um livro; se não passar, aí é que não lerá mais mesmo! Se isso não bastasse, o estudante de 10 anos de idade, esse que chega ao que antes chamávamos de ginasial, é obrigado a carregar nas costas uma mochila que pesa entre cinco e dez quilos de... livro! São livros que ele não abre em sala de aula, ou abre com enfado. Como se vê, a escola de base, no Brasil, está ensinando o estudante a odiar livros. Em suma: não é o texto que não agrada; é o objeto livro que repudia o aluno (entenda aí, por sujeito, tanto "objeto livro" quanto "aluno").

WS - E o espaço cibernético, Luiz, é uma terra de ninguém para ninguém ou um planeta de mesmo idioma?

LA - A Internet está para a transição do milênio como a prensa de Gutenberg para a virada do Século XV. Alguns escritores conservadores já me acusaram de modismo, por usar a Net. Respondo-lhes que, se vivessem no tempo de Gutenberg, continuariam a escrever com penas, em papiros. Existe muito lixo na Net, sim; e há uma nova geração, mais abusada e ignorante que os que já têm 30 anos (ou 61, como eu), a exercer uma escrita burra, omitindo vogais e inventando uma fonética totalmente sem nexo, em que a letra W, por exemplo, vale pelo som "ou"; assim, escrevem "flw" e querem que entendamos "falou". O terrível é que há professores de Língua e Literatura que defendem isso aí. Mas a rede internacional de computadores é mais um veículo de comunicação. A Internet estreita a relação geográfica, a baixo custo e de modo instantâneo. Nos anos de 1960 e 70, o telefone, que era o grande veículo de conversação à distância em tempo real, ainda operava linhas físicas de longa distância, mas já havia a transmissão por microondas; naquele tempo, um interurbano de Belo Horizonte para o Rio, por exemplo, tinha de ser agendado com a telefonista, que intermediava o contato.

WS - Adélia Prado em Minas Gerais, Cora Coralina em Goiás: poetas ou poetisas, Luiz de Aquino?

LA - Ambos. Os filólogos conservadores entendem que a forma correta do feminino é "poetisa", mas não só a atividade feminista, mas a liberdade poética e a adaptação à cadência fizeram com que Cecília Meireles se dissesse "poeta". Não vou contestá-la. As atividades feministas gostaram também de transformar a palavra "poeta" em "comum de dois". Acho que soa bem, não radicalizo. Radicalizo, sim, em me opor a "presidenta". No mais, e voltando ao termo, já há quem chame uma mulher que faz versos de "poetisa" com o sentido pejorativo. Não vejo sentido nisso.

WS - Que álibi expandiu Goiás em Tocantins?

LA - Não há um álibi, mas uma injustiça histórica cometida pela divisão territorial desde os tempos do Império. A parte norte, que hoje é Tocantins, teve a sua ocupação anterior à da parte sul, que se restringe a Goiás tal como o temos, hoje. As expedições do Padre Vieira chegaram ao antigo território goiano pelo norte (vale do Rio Tocantins); e as bandeiras do Anhangüera, pelo sul. Assim, historicamente somos diferentes, nunca houve aquela propalada união que nos dava num mesmo mapa. Mas a história, por uns tempos, se escreveu assim, dando Tocantins como o grande norte goiano. Por isso, é de justiça não só reconhecermos a necessidade da divisão (e olhe que lutei contra, hem; era apenas uma ação de defesa territorial). Os tocantinenses, agora, têm de volta seu território e exercem a plenitude de sua história; somos tão irmãos de Tocantins quanto de Minas (mais especialmente, do Triângulo Mineiro, que já foi Goiás); mas não há diferenças entre Goiás e o Triângulo.

WS - Quais os vinte melhores poetas vivos do Brasil?

LA - Olha, não conseguirei responder. E por uma razão básica: não conheço poetas brasileiros o bastante para selecionar vinte. Veja só, siô: somos 27 unidades federativas, todas com uma gama farta de bons poetas. Não tenho relações, por exemplo, no Nordeste, senão na Paraíba, e todos sabemos que o Nordeste é de poesia riquíssima. Do Norte, conheço apenas três ou quatro; do Sul, alguns poucos (mas conheço mais do que, por exemplo, do Rio de Janeiro e até mesmo de Belo Horizonte; dos Estados de Mato Grosso, conheço não mais que três...). Este país é um continente; eu teria dificuldades para enumerar os vinte de minha preferência em Goiânia, imagina no Brasil!

WS - Qual a melhor poeta brasileira de todos os tempos?

LA - Não gosto de "o mais" ou "o melhor". Gosto de muitas poet(is)as nacionais e, das contemporâneas, Hilda Hilst, Lya Luft, Ieda Schmaltz, Martha Medeiros, Marilda Confortim, Lílian Maial, Adélia Prado (apesar do pouco caso com que trata os que moram a Oeste de Minas, risos)... Veja: de Goiás, citei apenas a pernambucana Ieda porque já faleceu; se for citar as mulheres poetas de minha terra, as vivas, seria injusto por omissão.

WS - Por que Luiz de Aquino escreve poesia?

LA - Por prazer. Pelo desafio da síntese. Pela procura da forma mais bonita. Por acreditar que, num verso, pomos a nossa essência e nossos hormônios (como, de resto, pomos nossas crenças e nosso sangue nas demais formas da escrita). E por acreditar que a poesia é a forma dos que diferem dos comuns pelas características da poesia, ou seja: o poeta enxerga a alma das artes e das coisas; os "racionais" não conseguem escrever nada senão relatórios e atas. Por falar em atas: acredita que exista poeta incapaz de redigir uma ata? Eu conheço uma...

WS - Poesia é palavra, Luiz de Aquino?

LA - É, também. A poesia, como digo, é a alma das artes. Muitos poemas que se mostram ruins ao serem lidos tornam-se razoáveis, e até bons poemas, quando lidos com a capacidade interpretativa de bons atores, e algumas vezes até mesmo de locutores (ser locutor também implica arte, com uma admirável proximidade com os atores e cantores). E não é raro encontrarmos boa poesia diluída ou evidenciada em textos de prosa.

WS - Quem é Luiz de Aquino Alves Neto?

LA - Apenas este sujeito que, ao lhe responder, definiu-se.

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Luiz de Aquino Alves Neto (Caldas Novas-GO, 15/09/45). Professor, jornalista, escritor de poemas, contos, crônicas e, ainda, autor de alguns milhares de ofícios comerciais e memorandos, dezendas de relatórios de balanços em banco, matérias jornalísticas de vários temas. Preguiçoso o bastante para ainda não ter escrito um romance (diz que temas não lhe faltam; o que falta é a ocasião de publicar). Gostou de tudo o que já fez a título de trabalho, mas não resiste a um convite para viagens (o que o contém mais em Goiânia, a crise financeira crônica, interminável). Casou-se algumas vezes, tem quatro filhos e um neto. Tem amigos, vários, de várias graduações. Escreve crônicas para o Diário da Manhã, de Goiânia, e para várias páginas da Internet. Tem um prazer enorme em conversar sem compromissos, mas com conteúdo; e de relacionar-se, pessoalmente ou pelos recursos da Internet, com escribas e leitores, nacionais ou não. Escreve o blogue Pena & Poesia.

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©luiz edmundo alves

O poeta Wilmar Silva é o curador do projeto de leitura, vivência e memória de poesia Terças Poéticas — uma realização da Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, pela parceria entre o Suplemento Literário e a Fundação Clóvis Salgado, com apoios culturais da Rádio Inconfidência e da Rede Minas de Televisão. Sempre às terças-feiras, às 18h30m, nos jardins internos do Palácio das Artes, em Belo Horizonte, com entrada franca.

Em 2006 ele realizou uma série de entrevistas com poetas — a maioria deles, que se apresentou no Terças Poéticas —, registradas pela Germina, em partes:



Wilmar Silva (Rio Paranaíba-MG, 30/04/1965). Poeta, ator e performer. Vive em Belo Horizonte desde 1986. Publicou Lágrimas & orgasmos (1986, 2ª edição, 2002), Águas selvagens (1990), Dissonâncias (1993), Moinho de flechas (prêmio Jorge de Lima de poesia da União Brasileira de Escritores, 1994), Cilada (5ª edição, adaptado para o teatro por Geraldo Octaviano), Solo de colibri (prêmio Blocos de poesia), Çeiva (1997), Pardal de rapina (indicado por Alécio Cunha/jornal Hoje em dia, Belo Horizonte-MG, como um dos três melhores livros de poesia publicados em 1999), Anu (2001), Arranjo de pássaros e flores (finalista prêmio Cidade de Belo Horizonte e prêmio Academia Mineira de Letras, como um dos melhores livros de poesia publicados em 2002), Cachaprego (prêmio jornal O Capital de Teresina, como melhor livro de poesia publicado em 2004). Participa da Antologia da nova poesia brasileira (Org. Olga Savary), A poesia mineira no século XX (Org. Assis Brasil), Fenda — 16 poetas vivos (Org. Anelito de Oliveira). Organizou a antologia O achamento de Portugal (2005). Tem poemas publicados no Suplemento Literário de Minas Gerais, Revista Dimensão (Brasil), Revista Apeadeiro (Portugal), poemas traduzidos e publicados nas revistas Jalons (França) Sìlarvs (Itália). Curador do projeto "Terças Poéticas".

quinta-feira, março 22, 2007

Vida, poesia e... Vida!



Vida, poesia e... Vida!



Minha amiga querida, a professora Conceição Matos, carioca goianizada, intimou-me para um encontro com seus alunos da Escola Municipal Pedro Ciríaco de Oliveira. Seria no 14 de Março, natalício de Castro Alves, dia consagrado à Poesia Nacional; sabiamente, adiaram o encontro para 21 de Março, começo de Primavera no Hemisfério Norte, que a Unesco elegeu Dia da Poesia Internacional.

A escola, na Vila Concórdia, surgiu da teimosia de um cidadão analfabeto, mas consciente, e seu nome batiza o educandário. População adventícia e humilde, à época da ocupação, invadiu para fixar-se; e Pedro Ciríaco (conta a diretora, Marineze Santana) escolheu um terreno triangular, bico de quadra, onde construiu em pau a pique o colégio que, em 1986, o prefeito Daniel Antônio construiu com pré-moldados, “em caráter provisório”. E o provisório perdura.

Mas o descaso que, sucessivamente, os prefeitos destes 21 anos oferecem à Vila Concórdia não esmorece a alegria dos estudantes. Ziraldo me disse, há dois anos: “Nessa idade, atualmente, não há como serem feios”, qualificando a adolescência contemporânea (contrária às que antecedem os jovens atuais). Aqueles meninos têm olhar seguro e sorriso franco; não reivindicam melhorias para a escola porque não conhecem outras, mais adequadas (a propósito: o que fizeram dos eventos esportivos e culturais que facilitavam aos estudantes conhecerem outros estabelecimentos? Esse isolamento é lixo autoritário).

Falei de poesia como o mais fino ornato da fala e tempero da vida; falei de amor, e a platéia (detesto “galera”; parece menosprezo) queria ouvir de erotismo, e atendi para mostrar que a flor dos bichos é o sexo, tal como o sexo das plantas é a flor; e que não há pecado no sexo se houver respeito das duas partes.

Ouvi dos alunos falas e poemas; falei ditos de Bandeira, Pessoa e Vinícius. A professora Lindalva chamou Jacson (sem K; gostei! Afinal, o som nacional não precisa de letras exóticas como K, W e Y), de onze anos, poeta; ele declamou para eu ouvir e fiquei encantando com sua técnica de cadência e de som; presenteei-o com um exemplar do meu “Sarau” e ele, falastrão como qualquer bom poeta, contou aos amigos. Vai daí, sofri um assédio de pedidos, a começar de Luís Felipe; recomendei-lhe discrição e levei-o até o carro, para presenteá-lo; mas a ação foi percebida e, em pouco, mais de vinte nos cercavam. Distribuí uns poucos livros e prometi voltar, caso me chamem.

Noite-madrugada, 22, primeiros minutos, chega imeio do poeta Ademir Bacca, de Bento Gonçalves (RS). Ele é o organizador do congresso brasileiro de poesia e editor do Garatuja (jornal literário); recebe muitos pedidos de doação de livros, de bibliotecas em formação. Mas uma carta, recebida justo nesse 21 de março, emocionou-o:

“Meu nome é Edilaine da Rosa Silva, tenho 11 anos e estudo no Colégio Julia Wanderley. Adoro ler, porém na minha escola há poucos livros. Estou participando do projeto "Descubra um Escritor", da professora Marly. Adoraria receber um livro seu, pois até agora, todos os escritores para quem escrevi, nenhum me mandou livros. Quero te divulgar aqui na escola, mas para isso preciso de revistas, fotos, jornais, livros, etc. Vou ficar aqui ansiosa para receber sua resposta. Beijos, Edilaine”.

Ademir arremata: “Numa época em que tanto se batalha pela formação de novos leitores, espero que vocês se sensibilizem e mandem seus livros para esta leitora em potencial”.

O endereço dela: EDILAINE DA ROSA SILVA. Rua José Cândido Filho, 186. JABOTI – PR. CEP 84930-000.

Assino ao lado de Ademir Bacca.

segunda-feira, março 19, 2007

Faces da violência


Faces da violência


Toda comunicação implica dois canais: o emissor e o receptor. É como o sabor, que não está só no alimento, mas, também, na boca que o come. Assim, um ato de crueldade noticiado pela imprensa ganha expansão porque o consumidor da notícia o recebe ao seu modo (podem duvidar, mas há os que as sentem como vítimas, mas há também quem se ponha no lugar do algoz). Quero dizer que um bandido, ao ouvir que a criança de seis anos foi morta etc., põe-se no lugar dos assaltantes que conduziam o carro, e nunca no papel de pai, mãe ou irmão.

É fácil defender a redução da maioridade penal: “nossas crianças não cometem crimes”. Mas, dizia vovó, dor de barriga não é mal só dos outros. Existe o erro judiciário, e existe também o envolvimento bobo de jovens com o lado torto da sociedade: jovem adora transgredir. Vi um vídeo de um velho policial carioca, deputado por muito tempo (felizmente, perdeu a última) dizendo que “a polícia tem que matar seqüestrador”.

Importante executivo, em outra unidade federativa, viu-se enredado em problemas graves de dinheiro. Foi preso, condenado e cumpre pena. Só que o sistema e as carências penitenciárias deixaram-no por uns anos na promiscuidade de uma cela superlotada, com autores de crimes hediondos. O diretor do presídio, após incontáveis apelos da família, finalmente admitiu-o em serviços administrativos e obteve, com o juiz penal, o benefício de uma cela isolada, com o mínimo de decência. Ele não cometeu delito grave, nada que não se repare com o pagamento em pecúnia e o exercício legítimo das ditas penas alternativas, mas alguns fatores pessoais, que não cabe detalhar, agravaram sua pena. Agora, para alívio de filhos e netos (ele tem mais de 60 anos), sofre menos.

Dia desses, viu-se: uma mulher levou maconha dentro de chuchus para o marido preso. Coisas assim induzem as autoridades a aumentar o rigor, isso é óbvio. Mas... e as famílias, hem? É que há presos e presos.

A prisão não tolhe nem oprime apenas o preso: as famílias dos detentos sofrem ainda mais. Abusos como a tentativa de passar objetos e coisas proibidas, como as drogas, telefones e armas, impõem mais rigor, sempre. Daí a necessidade de empenho no sentido de humanizar as cadeias, sem, contudo, afrouxar na vigilância. Agora, imagine-se a família de um inocente preso, passando por todos os rigores que se impõem aos criminosos violentos. A dor de esposas e pais, irmãos e filhos, a humilhação das revistas detalhadas... São, sim, coisas dolorosas! O ideal seria o trânsito mais rápido dos processos, evitando constrangimentos irreparáveis aos inocentes (inclua-se, aqui, os familiares).

A não ser detentos com regalias incomuns, como o ex-juiz Nicolau, que desfruta de prisão domiciliar, e o inexplicavelmente favorecido Fernandinho Beira-Mar, a promiscuidade, a falta de higiene e a agressão à dignidade humana são uma constante. Estes dois custam muito caro; e eles têm recursos para ressarcir o Tesouro Nacional.

Sabe-se que, nesse universo de horror, Goiás caminha na frente: o secretário de Justiça, Edemundo Dias, quando dirigia a Agência Prisional, promoveu até concurso de poesia entre detentos. Ele caminha no rumo da dignidade, sem, contudo, dar refresco a criminosos. E desde o famigerado Pareja, Goiás não registra motins nos presídios.

Enquanto não acontece a queda vertiginosa da criminalidade, a luta é por prisões que possibilitem um mínimo de dignidade. O sonho é simples: chegar-se, um dia, à realidade de menos cadeias, e cadeias menos lotadas.

Quanto às famílias... Ah, não vejo uma luz, ainda!

quarta-feira, março 14, 2007

A Poesia esquecida


A Poesia esquecida

Pois é... Nada de novo! Ou melhor: Nada, outra vez! Serei mais claro: mais um ano e o Dia Nacional da Poesia (14/03) passou em brancas nuvens, em Goiás. A vocação agropastoril da nossa sociedade, reforçada agora pelos forasteiros que aqui afluem, na esteira das especulações do agronegócio, não é pretexto: o Rio Grande do Sul é, também, um estado agropastoril, mas o exercício poético, por lá, é tão ativo quanto por aqui o são as duplas de cantores sertanejos. O que não dizer, então, do agreste nordestino? E dos sertões de Pernambuco e Paraíba e suas cercanias?

Dia Nacional da Poesia! Tem nada não, é só para festejar o aniversário de Antônio de Castro Alves, nascido há exatamente 160 anos. Não fosse ele, o processo de abolição dos escravos teria outra vertente. Mas os afro-descendentes nacionais preferem referenciar Zumbi, o dos Palmares. Não pretendo, de modo algum, negar os méritos do grande líder dos quilombos, mas omitir Castro Alves é cuspir no prato...

O povo cubano tem como seu maior herói José Martí, guerreiro e poeta. Ou seja, as reverências a Che Guevara não significam se precisava importar um herói, não. Por isso mesmo, inúmeros logradouros e bens públicos de Cuba levam nome do poeta José Martí, desde escolas até o aeroporto, além de incontáveis estátuas. Em Goiás, desconheço poeta, ou qualquer outro escriba, que tenha sido imortalizado em bronze, a não ser José J. Veiga, cujos bustos (dois exemplares), concebidos e fundidos a meu pedido e por expressa determinação do governador Marconi Perillo, aguardam há mais de sete anos para serem exibidos. Um deles ocupará lugar de honra no complexo de bibliotecas do SESC de Goiás; o outro, deverá ser instalado no espaço que leva o nome do grande contista na grandiosa biblioteca do Centro Cultural Oscar Niemeyer.

Mas Castro Alves, esquecido pela descendência dos escravos libertados por sua poesia, tende a não ir além das poucas escolas espalhadas pelo país, por uma praça e um teatro em Salvador e alguma rua por muitas cidades; mas não me surpreende se alguém, sob uma placa de esmalte azul e letras brancas, indagar: “Quem foi esse tal aí?”. É que, mesmo que alguns conselhos municipais, hoje ditos câmaras de vereadores, tenham prestado justa homenagem ao Poeta dos Escravos, a vocação é relegá-lo ao esquecimento.

Fico triste. Muito triste! Em Goiás, já tivemos autoridade cultural que se referia aos poetas locais como “uma cambada de “fiés-da-puta” (sons of a bitch, em linguagem inteligível para brasileiros letrados). Vá lá: era, então, o primeiro governo pós biônicos e os do poder não engoliam bem os poetas.Nem mesmo o secretário da Cultura. Houve também quem se referisse ao “poetariado“ goiano como “aquela corja”. A gente engole... Afinal, fazer o quê? Quando nos dão o direito de votar, tentamos exercer a melhor escolha, mas nem sempre o gosto popular empata com o nosso. Repito: fazer o quê?

Poesia não enche barriga nem urnas (dizem que “eles” dizem assim). Poesia enche as cabeças, e isso é um perigo! Que o digam os coturnos da ditadura de 1964/85; que o digam os barões do café, que perderam seus plantéis de negros escravos. E, para avivar memórias, repito aqui os versos fatais de Castro Alves em “Navio Negreiro”, numa prece apaixonada à Bandeira Nacional:

Auriverde pendão da minha terra / que a brisa do Brasil beija e balança. (....) / Antes te houvessem roto na batalha / que servires a um povo de mortalha!”.

A data passou. Sem festas, sem palestras, sem eventos em escolas. Mas o ideal da Liberdade, não. Ainda que poético.

segunda-feira, março 12, 2007

Enquanto chove


Enquanto chove




Há essas mãos de que gosto

e me afagam.

Essas mãos com que sonho.


Ganham meu corpo,

fazem meus hormônios
se agitarem.


Delicadas, macias, nervosas e tensas.

Aconchegam-me o extremo do sonho,

tocam-me o rosto, o peito.


Aquecem-me a pele,

os pêlos, o talo rijo

e inquieto.


Mãos tateantes,

rítmicas e precisas:

conduzem-me ao ápice.


E convidam-me

à comunhão dos corpos

no bem-estar nos lençóis.

(Do livro As uvas, teus mamilos tenros. Goiânia, 2005)

domingo, março 11, 2007

Segurança e memória públicas



Segurança e memória públicas


A morte do menino João Hélio, no Rio de Janeiro, desencadeou duas vertentes dignas de nota: primeiro, a avalanche de textos na imprensa e na Internet, variando da pieguice à estupidez, desde o choro inevitável das dores íntimas até a bandeira irracional das penas agravadas, da vingança travestida de justiça etc. e tal; segundo, uma onda de mais violência por todo o país, notadamente nas metrópoles do sul-maravilha, Rio de Janeiro e São Paulo.

Em Goiânia, um processo na Justiça Federal faz de peteca sem dono, ou com dois donos, um dos primeiros edifícios da cidade, o do histórico Grande Hotel. Só que de modo inverso: a Prefeitura o quer; o INSS não abre mão. Alega o órgão federal que, tendo-o por aquisição na forma de pagamento de débitos, não pode aliená-lo, etc. e mais etc. A decisão ficará para o Tribunal Regional Federal.

Parlamentares demoram-se a mexer nos estatutos penais, que remontam a 1941. Nestes 66 anos, a sociedade brasileira mais que triplicou, a média de idade se expandiu, as consciências modificaram-se e os problemas atuais vão muito além, mas as leis são praticamente as mesmas. Os grupos criminosos das capitais do crime disputam, agora, quem sai com mais ênfase na mídia. E os que poderiam decidir não decidem.

O que se passa com a ocupação do Grande Hotel (de Goiânia) é quase o mesmo. O bom-senso manda que o prédio seja entregue a organismos públicos ou não-governamentais, mas ligados à cidade, para sediar acervos da memória local. Diz-se que o Governo Federal pretende instalar ali um órgão de arrecadação. E que a Prefeitura de Goiânia propõe a troca por um amplo terreno, nas proximidades do Paço Municipal, mas os federais não querem abrir mão do Grande Hotel.

Assaltos a bancos, roubos de cargas, contrabando de armas e tráfico de drogas, entre outros itens que compõem o crime organizado, continuam. A repressão conseguiria, sim, erradicar esse mal. Ela agiu com eficiência, de dolorosa lembrança, nos tempos da ditadura. Será que não consegue agir na democracia? Consegue, sim, a gente sabe. Mas o aparelho político não o permite. Desliguem-se as polícias e as Forças Armadas do engajamento político-partidário e os resultados serão notáveis. Foi assim em outros países.

Um grupo de artistas e intelectuais, incluindo-se aí ativistas ambientais, defensores do patrimônio histórico e autores de textos e obras que compõem a memória da sociedade, empenha-se, em Goiânia, pela criação de um Museu Atílio Correia Lima. A homenagem ao urbanista que concebeu, na prancheta, a nova capital de Goiás implica a ocupação do Grande Hotel, com a instalação do acervo do respeitável arquiteto. A isso, somar-se-ia documentação farta sobre as edificações em moldes “art-déco” e, não menos importante, um centro de documentação da cidade, riquíssimo acervo para a História de Goiás e da ocupação do Planalto Central (Brasília inclusive) no Século XX.

Em suma: é esperar que os juízes federais em Goiás decidam em respeito à memória da sociedade goiana e não ao mero conceito patrimonial físico.

Na outra ponta das preocupações locais sobre segurança, espero, junto com milhares ou milhões de goianos, que o governador Alcides Rodrigues decida-se pelo delegado Márcio Martins. É que José Paulo Loureiro, o melhor secretário de Segurança em Goiás nos últimos tempos, foi-se para a iniciativa privada, mas quem acompanha as notícias conhece a competência do delegado diretor da Polícia Civil.

A vez é sua, Governador!