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domingo, setembro 30, 2007

Repensar a Pátria


Repensar a Pátria




Nestes tempos de dúvidas sustentáveis contra o Congresso Nacional e boa parte de seus membros, ressurgem discussões sobre a estrutura da representação popular no Brasil. Os fatos que nos levam a tais questionamentos sustentam-se numa máxima talvez ainda não escrita: Política é coisa boa; ruins são os partidos.

Política não é apenas o processo de campanha, eleição, câmaras, assembléias, Congresso e governos, não. Política começa na discussão de alguma medida a ser tomada em família, passa pela escolha do síndico do condomínio, dos líderes de bairros, sindicalistas e representantes classistas, antes de chegarmos aos partidos. Aí, onde os conchavos e acertos se fazem à revelia dos eleitores e demais cidadãos, começam as maracutaias. Dizem políticos membros de todos os partidos: nenhuma das agremiações escapa, todas negociam postos, decisões e obras, tudo envolvendo muito dinheiro.

Ah, e vêm-nos à memória ditos poéticos de políticos de outrora... na moda, agora, está Rui Barbosa, o grande jurista e tribuno baiano de referências internacionais. O que pouco se sabe é que, como político, deixou marca também discutíveis, que vão desde a queima dos documentos sobre a escravidão e o tráfico de africanos até um discurso infeliz no Senado, criticando a primeira-dama, jovem e talentosa artista Nair de Teffé, por levar Chiquinha Gonzaga e o “corta-jaca” aos jardins do Catete: Rui acusou-a de levar à nobreza dos jardins palacianos “o bodum das senzalas”.

Como se vê, ninguém é perfeito; muito menos quando próximos (ou desejosos) do poder. Menos ainda quando o poder é exercido por aquele que derrotou o orador (no caso, o marechal Hermes da Fonseca).

Política boa pode, e deve, e tem que ser feita, nos grêmios e instituições classistas. E essas instituições classistas é que devem, para o bem nacional, representar a gente brasileira num congresso realmente popular. Um congresso de líderes, colhidos por votação direta nas comunidades mais humildes, como as favelas e bairros periféricos, nas associações e sindicatos de profissionais, de produtores, de comerciantes, profissionais liberais, produtores, industriais... mas o que temos é isso aí, com jogadas milionárias inexplicáveis, desde as pequeninas convenções que possibilitam a projeção de alguns nomes; nas escalas gradualmente superiores, aumenta a negociação na mesma proporção do custo dessas manobras, até se chegar ao fato notório de que o custo de uma campanha eleitoral, por candidato, excede, em muito, o que legalmente lhe será pago para o exercício do mandato.

E temos, no Brasil, os mais caros parlamentares do mundo! Há municípios de tão insignificante arrecadação que a gente fica por entender a equação que “explica” o custo de prefeito, vice-prefeitos e vereadores. E há a cara-de-pau de se mascarar com filó práticas como o desvio de verbas de saúde e educação, além dos balancetes de obras que não aparecem.

Isto aqui, leitores queridos, é o preâmbulo para uma conversa mais esticada. Nós, que votamos e pagamos impostos, que cuidamos da saúde e da educação dos nossos próximos, que nos preocupamos com a segurança e a qualidade de vida, incluindo nessas preocupações uma dedicação saudável para com os bens de cultura (patrimônios artístico e histórico, além de eventos), podemos e devemos dar a nossa contribuição para a melhoria da qualidade desta belíssima Nação. E o primeiro passo é a discussão, a explanação de nossas idéias e nossas propostas.

Aos mandatários de cargos, especialmente os bem-intencionados (e sabemos que os há, sim), cabe ouvir-nos e dar ressonância aos nossos pitacos.

Enfim, nós somos esta Nação.

domingo, setembro 23, 2007

A semana, todo dia



Pouco importa, a mim, o quanto dura uma semana. Dizem que sete dias, mas que esse tempo foi o que consumiu o Criador na elaboração do mundo, de modo a fazê-lo habitat dos bichos e das plantas. E, nele, fez morar o bicho homem, sapiens desde sempre, como querem alguns religiosos, mas estúpido o bastante para não cuidar, como devia, de sua casinha.

O mundo é a casa do homem. O mundo, este nosso, a Terra, casa das águas doces e salgadas, dos gelos polares e dos cumes dos morros, morada dos vegetais indefesos e dos bichos, uns agressivos o bastante para ameaçar os menos ágeis; e o homem, ágil o bastante para se safar, mas sem a inteligência intuitiva que preserva tudo aquilo de que pode vir a precisar, um dia.

"Trinta poetas declamam / porque é segunda / e é Leblon. // Trinta outros de nós, não poetas, / comportadamente ouvimos bossa / e é Leblon".

Não sei quanto dura uma lua, porque os conceitos confundem-me. Uma lua é uma fase, ou o conjunto das quatro? Ou uma noite, apenas? Fui ao Rio ver os livros numa feira bienal. Ouvi falas poéticas, conversas de filosofia, grosserias de vendedores entediados; levei empurrões de meninos colegiais, vi um carro, ainda novo, caído e perdido total no aterro ao lado da ponte, na Barra, dois cadáveres e uma criança atônita ante a morte. Indiferente, o mar batia ondas na areia feito lavadeiras em beira de pedra de rios límpidos.

Era uma lua no céu, crescente em véu de névoa pálida a me negar o azul. Eram trinta os poetas no Leblon; eram trinta os ouvintes de Irinéia, amiga de Lília, minha irmã honorária. Montes escuros moldurados de clarão esparso, Redentor a nos dar bênçãos... Será? E as balas perdidas (ou achadas)? Não as vi, não as ouvi. Como sempre. Graças!

"No Rio, a semana estende-se / para além dos domingos. / Não são trinta apenas, os dias. // Só é semana de música. / E de poesia, porque é Rio / e é Leblon".

Trinta horas de poesia, trinta dias de sonhos, trinta ouvintes cantantes perplexos porque não se pode filosofar em português popular. Será? Não...

Letras e letras, ai! Quantas? Para quê? Disse Monteiro Lobato que "um país se faz de homens e livros". Mas com que livros se faz uma nação? Livros de fórmulas culinárias? Mezinhas (com Z, sim) medicamentosas ensinadas pelas avós dos nossos mais velhos? Livros de nos elevar a auto-estima, desses que exaltam nossos prováveis predicados? Ou contações levianas de histórias duvidosas, de caminhantes errantes a brincar de heremitas ou andarilhos abençoados?

Certo é que não... Livro de sabedoria, diria o Jávier Godinho (e havia leitores a escrever-lhe pedindo o nome desse livro, tsc, tsc... Jávier, pacientemente, respondia que não falava de um livro especificamente, mas de qualquer livro que contivesse bons ensinamentos).

Semana bendita, esta; semana de não sei que dias tantos, mas um período de contatos e visitas, vistas e bênçãos de música e poemas cheios, todos eles, de boa poesia. Versos ouvidos em silêncio, versos concebidos no estertor das multidões incertas, no burburinho dos camelôs e passantes ligeiros em busca da vida, seja lá qual for o compromisso que pede pressa...

E aí, então, entendo a frase do homem de gris à minha frente, no banco: "Por que velho tem pressa? Temos todo o tempo que queríamos ter quando moços. Bom mesmo é

esperar, ouvir, pensar... E aprender. Se não aprendermos, morremos".


É verdade... Tenho algumas semanas para entender isso aí.

quinta-feira, setembro 13, 2007

Quanto valemos mesmo?

Quanto valemos mesmo?


Será que, aos olhos dos políticos e tecnocratas nacionais, nós, eleitores e pagadores de impostos valemos alguma coisa?

Vejamos: em meados de agosto, fiz consulta com uma médica, usando o plano de saúde do Ipasgo. Ela própria determinou que eu retornasse daí a 45 dias, e já deixei marcada a nova consulta para o primeiro dia de outubro. Dias atrás, a secretária da médica ligou: eu tinha de optar entre adiar a consulta para janeiro ou pagar algo em torno de 80 ou 100 reais, não me recordo. Dispensei as duas opções. E continuo pagando um pouco mais de 350 reais ao Ipasgo para ter uma assistência limitada, já que os médicos conveniados atendem apenas quando e como querem.

Os jornais impressos e televisivos, bem como os noticiários de rádio, dão conta de que o Procon decidiu suspender as vendas de telefones celulares pela Brasil Telecom no território goiano; à noitinha, vejo na tevê que, ao meio-dia do dia em que a notícia saiu na mídia, o Procon e empresa telefônica assinaram um “termo de ajuste de conduta”. Que bom, gente! Se o consumidor vai lá reclamar, tem de esperar o tempo que a burocracia do Procon exige e ainda, a partir de agora, com esse termo, mais o tempo que a empresa quer.

Das companhias de aviação que operam no país, apenas a Varig, vítima do desinteresse do governo federal, numa reedição quatro décadas depois do que fez Castelo Branco com a Panair, é a única empresa que se dá ao capricho de prestar informações aos seus clientes (ou passageiros; cada uma usa uma palavra para designar seus usuários). As demais nos tratam como se fôssemos suspeitos de terrorismo no tempo da ditadura militar.

Também esta semana, vejo que um cidadão brasileiro de classe média, a que mais paga impostos no país, tem de trabalhar nada menos que 152 dias para alimentar os dragões coletores de impostos. Em troca, temos estradas esburacadas, um sistema de saúde cheio de furos, uma educação em que alunos chegam à oitava série sem saber escrever (e, assim, concluem universidades; vejo profissionais ostentando a palavra doutor antes do nome que sequer conseguem flexionar os verbos mais costumeiros) e um sistema policial que, quando tem equipamento e técnica para agir, é tolhido pela turma do “você-sabe-com-quem-está-falando?”, ou seja, fica capenga... E a gente tem de pagar, por fora dos impostos, escolas particulares, planos de saúde, pedágio (onde as estradas são privatizadas, mas não somos isentos do IPVA nem da Cide, que equivale a 25% sobre o preço bruto dos combustíveis, além do ICMS sobre o mesmo produto). Ah, temos ainda de pagar garagens particulares e “flanelinhas”, além do seguro do carro.

No Nordeste, médicos param de atender e as pessoas morrem à míngua; no Nordeste, por conta de corrupção, o presidente FHC fechou a Sudene; no país, ele transformou o DNER em Dnit por causa de corrupção. Pergunto: porque ele não fechou o Congresso, então? Renan foi absolvido... E a gente fica aí, pagando todas as contas.

Ano que vem, temos eleições municipais. Vamos eleger mais de cinco mil prefeitos, mais de cem mil vereadores. Essa conta, a dos subsídios dos mandatários de cargos públicos, os governos a têm. O que os governos não contam é que eles nos custam por fora. Tanto quanto por fora é o que temos de pagar para sobreviver.

E fica a pergunta: para eles, quanto valemos nós, hem?

domingo, setembro 09, 2007

Semana com Veiga e Olinto

Semana com Veiga e Olinto

Estes dias, os últimos, foram de muita ação, trabalho, alegria... Tudo por conta de uma ansiedade capaz de causar insônia: o SESC de Goiás inaugurou, na Biblioteca Central (Rua 19, em Goiânia), o Espaço Literário José J. Veiga, acolhendo os livros, móveis, medalhas e troféus, obras de arte e objetos pessoais do escritor goiano que estendeu por lugares mais longínquos nossas letras.

Era vontade do próprio José que aquelas coisas, que constituíam o seu espaço de literatura, fossem encaminhadas a Goiás após sua morte. Essa notícia me foi passada pela viúva, Dona Clérida. Entendi que me cabia cuidar de providenciar esse condicionamento. E já contei, algumas vezes, em prosa falada e escrita, dos muitos passos em busca de um lugar adequado, da busca de meios para viabilizar aquele objetivo. Muitas vezes, lembrei-me do que contam de Thomas Alva Edson, que colecionava as experiências frustradas e, certa vez, um jovem cientista tentou ironizá-lo, dizendo que não via justificativa em se colecionar fracassos. Com sapiência, o inventor esclareceu que não existe fracasso, e colecionava aquelas experiências porque todos deviam saber que aqueles passos não surtiriam efeito positivo.

Vivi o mesmo: sei agora que passos não devo dar e a quem não mais procurar. A maioria dessa lista de “a quem não procurar” sequer compareceu à inauguração, no dia 5 de setembro deste ano 2007. Assim, tivemos uma belíssima festa, com presença de alta qualidade e sensibilidade.

De longe, vieram pessoas indispensáveis: Antônio Olinto, mineiro de Ubá, que tem na alma e em seu passado de 88 anos todas as cores das ações culturais, membro da Academia Brasileira de Letras, escudado pela inseparável Beth Almeida; e Dênia Diniz de Freitas, bibliotecária mineira também, mas de Itabira (sim, aquela que é “apenas um retrato na parede. Mas como dói”, como definiu Drummond). Antônio Olinto foi o crítico que primeiro escreveu sobre a obra de José J. Veiga, tão-logo veio a lume “Os Cavalinhos de Platiplanto”; e Dênia, que não conheceu Veiga pessoalmente, foi a bibliotecária que se mobilizou para possibilitar a transferência do acervo de José Veiga para Goiás: secundada pela filha Marina, então com 12 anos, ela separou, relacionou e catalogou tudo o que está exposto lá na Biblioteca do SESC.

Bem, não posso esticar demais nesta emoção. Sei que fui destacado pela direção regional da instituição, que me pôs para falar na inauguração (preciso ir a um otorrino; às vezes, ao falar em solenidades assim, minha voz fica embargada); depois, convidou-me para participar do descerramento da placa comemorativa. Se já era sensível meu estado de sentimentos, imaginem o que senti quando vi meu nome na placa! Ainda bem que as efemérides também têm sua microdinâmica, ou seja, um fato desencadeia outro e... Antes que alguma lágrima traiçoeira me embaçasse a vista, descemos as escadas; no salão térreo, exibição do coral da Casa e a noite de autógrafos de Antônio Olinto (três livros na coleção “Alma da África”).

A presença de Antônio Olinto em Goiânia, nos últimos quatro dias, foi algo para nunca mais se esquecer. Ele concedeu entrevistas a veículos da mídia (excelente sua participação no Roda de Entrevistas, de Reinaldo Rocha, na TV Brasil Central e, na segunda-feira, estará no programa de Sílvio José na RBC FM, às 20 horas). Em cada ocasião, ele nos ensina coisas da história e da cultura brasileira. Emociona-se ao falar do Brasil e de sua preocupação com a Educação. Alegra-se quando lhe perguntamos sobre a África...

Alguém precisa, com muita urgência, editar (sem economia de discos) tudo o que se tem gravado de Antônio Olinto. Ele é um papo que a gente nunca quer que termine.

Olinto e Veiga... Ah, aquela lágrima, agora, perdeu o freio.

domingo, setembro 02, 2007

SESC: Espaço José J. Veiga



SESC:

Espaço Literário

José J. Veiga




Gente de letras. Cultores e construtores de textos, agitadores do imaginário e finalizadores, em textos, de histórias maravilhosas, versos sensíveis, essências da Língua (e, portanto, de idéias) e, numa de suas arestas, sempre críticos impecáveis: Antônio Olinto e Fernando Py.

José J. Veiga e eu, em 1982 (Goiânia)

José J. Veiga, filho da encosta dos Montes Pireneus, ganha, finalmente, espaço onde peças de seu fazer literário ficarão à mostra. Um minimuseu dentro da Biblioteca Central do SESC, viabilizado pela sensibilidade de José Evaristo dos Santos e Giuglio Settimi Cysneiros, líderes empresariais que põem por terra o conceito mal enunciado de que homens de negócios não têm percepção cultural (como também é falaciosa a concepção de que homens de artes não são bons em negócios ou administração).

Ao longo de oito anos, bati às portas de governos, entidades culturais e universidades; as que se entreabriram revelaram-me pessoas desinteressadas (algumas) e apressadas (outras) em função de outros interesses. A bem da verdade, nem mesmo a força do sangue de família e sobrenome sensibilizaram alguém no sentido de se erigir algo para que a memória de José J. Veiga fosse reverenciada: as pessoas do SESC, sim, entenderam ser isso importante.

Dia 5 de setembro, às 18h30min, esse espaço será inaugurado, com a presença do imortal (da Academia Brasileira de Letras) Antônio Olinto. Em seguida, e também no SESC da Rua 19 (Centro), Olinto autografará a coleção Alma da África (três livros: A Casa da Água; O Rei de Keto; e Trono de Vidro), em primorosa edição da Bertrand. Um momento, pois, à altura do talento de José J. Veiga, que, até agora, muito fez por
Goiás e nada havia recebido.

Antônio Olinto, em 2000, proferiu bonita palestra sobre Veiga no
Instituto
Histórico e Geográfico de Goiás. Uma síntese ficou-me na memória: para ele, a literatura brasileira do Século XX começou com Machado de Assis e fechou-se com José J. Veiga. Daí o convite para que Olinto viesse abrilhantar a inauguração do Espaço Veiga, no SESC.

Fernando Py, autor de outra palestra marcante sobre o nosso escritor, esteve em Goiânia, novamente, em maio último. Py, em setembro de 2001, discorreu sobre “Alegoria e Utopia em José J. Veiga”, na Academia Goiana de Letras. Esta, uma palestra escrita, merece ser inserida, com ênfase, em livro de críticas para subsidiar estudos da obra do autor de Sombra de Reis Barbudos.

Aliás, Fernando Py escreveu livro, que lançou em Goiânia na sua recente visita: Escritores Goianos (1985-2005) teve sessão de autógrafos na Academia Goiana de Letras e agradou os escribas estudados pelo grande crítico. Zeloso e educado, Fernando Py cuidou de tecer referências superficiais sobre autores cujas obras não lhe chegaram em volume bastante para uma análise criteriosa, e isso deixou no ar uma esperança de novos textos críticos.

Antônio Olinto e Fernando Py: dois baluartes das letras no Brasil, ambos críticos e autores. Olinto passeia com desenvoltura pela poesia e pelo romance, também. Diplomata e jornalista, crítico veterano, foi dele a primeira crítica a Os Cavalinhos de Platiplanto (1959), livro de estréia de José J. Veiga.

Esta primeira semana de setembro, a Semana da Pátria, é um grande momento para a inauguração do Espaço Literário José J. Veiga no SESC (que aniversaria em setembro, dia 13; essa inauguração e a noite de autógrafos que lhe segue hão de ser, pois, itens de uma grande programação). Para mim (e falo também em nome de Gabriel Martins, sobrinho e herdeiro de Veiga), não há lugar mais adequado: é da Biblioteca do SESC a maior estante de autores goianos de que se tem notícias. Agora... Bem, agora, ainda mais rica!