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sexta-feira, janeiro 25, 2008

De armas, vacinas e louvação


De armas e louvação


“Desfigurado, esvaiu-se em sangue sem sequer gemer.

Segundo os jornais, foi só mais um trágico acidente.

O revólver, nas mãos da criança, estrondou sem querer

e a morte, impiedosa, levou-lhe o irmão inocente”.

Luiz Lyrio, in Opção pela Paz (http://wwwb.click21.mypage.com.br/myblog/visualiza_blog.asp?site=lyr.myblog.com.br)



O menino de sete anos disse à mãe “vou brincar com o Fulaninho, ele vai me mostrar um revólver do pai dele”, e a mãe nada fez.


O Fulaninho, de nove anos, brincava com a arma do pai, que a mantinha em casa a despeito da Lei do Desarmamento, mas não cuidava de mantê-la em lugar seguro, fora do alcance das crianças e sem munição.

Sei que essa mãe (a do menino morto) e esse pai (o do menino com a arma), vizinhos, são frutos da educação distorcida que os da minha geração ofereceram aos filhos, mudando radicalmente o modelo de educação familiar que nos deram nossos pais, severos e déspotas. E a escola, como conseqüência da família, errou na mesma direção, na mesma proporção.

Na família, faz falta a autoridade dos adultos; e autoridade só se tem com conhecimento. Assim, a mãe, por saber, teria autoridade para impedir que o filho fosse brincar com o menino que ostentava um revólver; e mais: iria de imediato à casa vizinha, dizer à mãe de lá, que o garotinho estaria com a arma; e, neste caso, a mulher do marido que mantinha a arma em casa agradeceria a ação da vizinha. Mas não é isso o que ocorre: geralmente, a família faltosa mandaria a reclamante ir se queixar ao bispo.


É... nestes tempos em que ainda se discute se é preciso ou não ter diploma para ser profissional, chego a pensar que para se ser pai e mãe a pessoa tem que ter diploma. E, além do diploma, provar que aprendeu mesmo, como se exige, hoje, para o exercício da Advocacia. Essa moda precisa pegar. Tem que pegar!


Se as pessoas estudassem mais e se conscientizassem mais, teríamos menos risco com as armas de fogo. E com os cães ferozes. Quem cria pitibul, rotiváiler e outros com a mesma periculosidade deviam ser fichados na polícia, identificados ante quaisquer possibilidades que, não raro, resultam fatais. Criar animais exige equilíbrio emocional, tal como usar arma de fogo. Porque animais, todos sabem, são uns amores, mas podem matar (deve ser o “lado humano” deles). Mas, pelo lado não-humano, ou seja, sem violência, animais matam por outros meios, como transmitindo doenças, haja vista a febre amarela e o dengue, além de leptospirose, malária, chagas, leishmaniose e algumas centenas ou milhares mais.

Para alguns casos, vacina; para outros, educação. E outros mais, as defesas que se fizerem possíveis.

Enquanto as coisas sérias (e perigosas) exigem nossa sobriedade ante a sobrevivência, cuidemos também de outras coisas muito sérias, mas não letais. Como, por exemplo, a questão da estátua eqüestre de Pedro Ludovico.

Convivi, com intervalos curtos entre as visitas, com Neuza Morais em seus últimos anos de vida. Quando de seu desenlace, publiquei algumas crônicas, nas quais enfatizei o estranho desinteresse dos governos para com a conclusão da obra (o que, dizem alguns, antecipou em alguns anos a morte da nossa estrela escultora). Sei que ela concebeu a estátua a partir de uma fotografia de Pedro Ludovico, a cavalo, na colina que chamamos de Serrinha, ou seja, o morro das antenas. Seria ali, então, a sede natural para a obra.

Mas Pedro é de Goiânia inteira. É de Goiás todo, de Tocantins também. Então, seja onde for, que se entronize logo a estátua, antes que se mudem os governos e tudo volta a estar como antes.

sexta-feira, janeiro 18, 2008

Árvores... Testemunhas, às vezes; memórias, outras vezes.

Árvores da memória


Hoje, não apenas as noites do Centro Histórico são tristes: suas árvores também. Para os que teimam em doutrinar que tudo gira em torno do dinheiro, o fenômeno da decadência dos centros das grandes médias cidades brasileira deixa claro o equívoco: o fato de se transformarem as casas familiares em escritórios e lojas, ou de desapareceram para dar lugar a espigões comerciais condenou tais logradouros a um ambiente funéreo.

Curiosamente, recorre-se aos boêmios no afã de “revitalizar” os centros. Quem diria, hem? Tal como o violão (há um século, era símbolo de vagabundagem; na década de 1950, tornou-se símbolo da bossa-nova e da música dos bares da MPB), os boêmios de cinqüent’anos antes são os respeitáveis senhores grisalhos (ou carecas) a quem se recorre para dar aos velhos centros uma cor de vida e humanidade.

No Rio de Janeiro, revitaliza-se a Lapa, a Gamboa, a Cinelândia e outros referenciais de antanho (para “revitalizar” uma palavra que só ouvi, de viva voz, pronunciada pela vetusta Cora Coralina, numa tarde de posse na União Brasileira de Escritores); em Goiânia, o primeiro passo se deu na calçada do Grande Hotel, um dos prédios pioneiros da cidade, na década de 1930. Ali hospedaram-se Pablo Neruda, Monteiro Lobato, dizem que Getúlio Vargas (estranho: pensei que o Presidente da República seria hóspede oficial do Palácio das Esmeraldas; enfim...) e, segundo Genesco Bretas (in “Memórias de um botocudo”), foi morada de João Cabral de Melo Neto, lá pelos primeiros anos da década de 1940, quando o grande poeta pernambucano era funcionário do DASP (Genesco lecinou-lhe Inglês para o concurso do Itamarati).

Bem à porta do hotel, um flamboyant resiste. Suas raízes saltaram, enérgicas, da caixa de alvenaria que lhe protegeria; seu tronco forçou-se a uma bifurcação, tantos foram os cortes violentos que os homens da fiação elétrica lhe aplicaram que a solene árvore, das primeiras da nova capital, resume-se, hoje, a um horrendo V. Segundo li de Jesus de Aquino Jayme (“O Cometa de Halley”), sua fronde era abrigo de moços estudantes (hoje, veneráveis senhores de oito décadas). Certa vez, o maestro Jean Douliez (foi João Batista Zacariotti quem nominou, há mais de trinta anos, o grupo que inspirou meu talentoso parente a produzir o romance) lançou as mãos a um galho acessível; em seguida, tentou lançar as pernas, tinha o propósito da galgar a galhada. Mas não o conseguiu: do esforço resultou uma série de sonoros flatos, gaz de chope retido nos intestinos. Um dos rapazes não vacilou em dar à árvore um novo nome “científico”, em latim de improviso: “arbor flatulentis”.

Reverencio-me ante aquele flamboyant do Grande Hotel. Como a moreira da Rua 24, agora tombada, a cidade lhe deve loas e louvores. As flamejantes árvores de origem africana ambientaram-se bem no Planalto dos cerrados. Cilene Andrade, paulista que se enamorou de Goiânia-menina, encantou-se por chegar aqui em outubro e, num dos andares superiores do Grande Hotel, vislumbrar as flores cor de fogo que ornavam as avenidas centrais. E vistas do alto, tais árvores formavam alcatifa multicor. Faltava-lhe... Não, não faltava: naquela mesma noite, seu primeiro pouso em Goiânia, ganhou de Júlio Alencastro Veiga uma serenata inesquecível, infalivelmente encomendada pelo marido, José Andrade.

Duas árvores: a moreira serviu de gabinete ao ar livre ao interventor Pedro Ludovico, o construtor de Goiânia; o flamboyant do Grande Hotel, de referência à primeira juventude boêmia da cidade, bem como de adorno romântico a um jovem casal que tantos bons serviços prestou à cidade (Cilene Andrade foi vereadora e, ao lado do marido e dos filhos, representou a VASP em Goiânia por mais de quarenta anos).

Há outras, há outras... Algumas gameleiras, por exemplo; e outros flamboyants, alguns ipês e mais espécies nativas. A Prefeitura e a Câmara precisam, com urgência, levantas essas árvores e pontos de referências para possíveis tombamentos.

A memória de hoje agradece. E, tenho certeza, o futuro também.

sábado, janeiro 12, 2008

Saúde Pública e Literatura: temas opostos (tanto quanto DF e Goiás)





Saúde, letras e cegueira



Há vinte anos, foi com o acidente radioativo: o Brasil se voltou de cuidados contra Goiás e tudo o que aqui há. E, estranhamente, o famoso Quadrilátero Crulz ficou isento, como uma “ilha da fantasia” protegida de todos os males, inclusive do mal-estar de fazer limites com o território do Estado que lhe deu origem.

Agora, autoridades do Distrito Federal, a organização política assentada no Quadrilátero Crulz (incrustado no que é Goiás) revivem as práticas do último trimestre de 1987, com agravante: naquele tempo, o acidente com o Césio se deu em Goiânia, sim, mas Brasília rejeitava qualquer coisa, ainda que viesse de Mineiros (400 km a sudoeste), sob o argumento de “é tudo Goiás”, apesar de a capital federal estar a 220 km, por rodovia, do foco (Goiânia). A tônica, agora, é impingir a Goiás todos os focos de febre amarela, imunizando o quadrilátero encantado onde reinam deformidades morais advindas dos mais remotos rincões nacionais, com o Erário bancando tudo.


A morte do empresário Graco teve por “causa mortis” o fato de um fim de semana em Pirenópolis. Tudo bem, isso é plenamente possível, já que um dos apelos turísticos do local são as cachoeiras, cercadas de belas e atraentes matas, habitadas por macacos possivelmente portadores de febre amarela e por nuvens incontáveis de insetos, dentre eles os vetores da famigerada doença.

Estranhamente, a maioria dos jornais de tevê omitiu, de modo acintoso, a declaração de um irmão de Graco: a vítima havia saído de Brasília já doente. E ainda: era hábito dele, o morto, alimentar macacos das vizinhanças em seu quintal no Lago Norte. Mas, numa campanha ridícula, a mídia brasiliense quer nos convencer de que macacos de Goiás, não adentram os limites de Arruda, Roriz, Luís Estevão e Wigberto. Ou seja, todas as mazelas surgem em Goiás.

Façamos, cada um de nós, juízo deste caso. Enquanto isso, cuidarei do que me dá prazer fora da alcova: a literatura.


Foi muito bom integrar a festa dos 71 novos livros da Coleção Goiânia em Prosa e Verso. O salão do Jóquei Clube, imenso, foi pequeno para o evento. Curiosamente, os idealizadores e organizadores esclareceram que não se fez nenhuma seleção sob critérios, pois o propósito foi o de esvaziar gavetas, ou memória de computador, numa versão hodierna. Prazer meu em trazer à luz mais um livrinho, desta vez de poemas possíveis de se ler em escolas sem a censura de professores contaminados pelos pruridos de moral sectária: removiam meus poemas de suas escolhas, tiravam-nos das estantes mas levavam-nos para suas casas; lá, seus filhos da mesma faixa etária dos alunos podiam ler meus poemas... Nunca entendi!


Ao meu lado, e também entre os outros 69 livros, Lucas, meu filho mais novo, envergava gravata e caneta e distribuía autógrafos e entrevistas a um sem-número de câmeras de tevê. Nilson Gomes se divertia: “Luiz de Aquino o quê? Agora, você é tão-somente o pai do Lucas”.


Entendi a festa como algo voltado realmente para o escritor, pois as feiras de livros atendem muito bem ao livreiro mas nos discrimina, pois a quase totalidade das obras comercializadas advêm de campanhas de marketing muito bem cuidadas. Assim, não nos sobram chances: os best-sellers saem na frente, no meio e nos tomam quase toda a retaguarda.

Infelizmente, o noticiário tem muito o que falar da febre amarela; e as letras perdem para as vacinas.

domingo, janeiro 06, 2008

O ministro e o desencanto

Como estragar o Ano-Novo




Manhã de primeiros dias do ano, tempo favorável, de ar úmido e pouca chuva, céu azul com esparsas e encantadoras nuvens alvas. Ligo a tevê e vejo Ana Maria Braga a bisbilhotar, como se invasora fosse, a casa do biguebróder, toda redecorada. Profusão de espelhos daqueles em que se pode invadir impunemente a privacidade das pessoas... ah, mas não é o caso da casa: as pessoas que ali se instalam abrem mão, formalmente, do direito à privacidade. Ali, não se faz cocô sem ser visto.

As câmeras estão aí, por toda parte. Somos invadidos nos espaços comuns dos nossos condomínios, em pontos estratégicos das ruas (a pretexto de se controlar o trânsito), em bancos e estabelecimentos de indústria e de comércio, tudo em nome de uma segurança que não se mostra eficaz. Mas é o nosso tempo.

As câmeras indiscretas já derrubaram ministro; doutra feita, mostrou que nem mesmo o presidente da República sabia cantar o Hino Nacional (e isso é uma exigência da Lei) e muitas mulheres foram flagradas em elevadores e calçadas, em xópins e sacristias e ajeitar a calcinha que teimava em invadir o vão das nádegas etc. Há seis meses, era um ministro da República em flagrante top-top, no fiel estilo do extinto O Pasquim, festejando o fato de que o avião que bateu no posto de gasolina não o fez “por culpa do governo”.

Políticos em flagrante é sempre muito bom. Afinal, eles sempre são responsabilizados pelos males que nos são infligidos (como taxar, sem dó nem piedade, salários maiores como se fossem renda, enquanto isentam ricos empresários sob a máscara não muito disfarçante de que “vão investir o que parece ser lucro”). O Brasil popular festejou, com indisfarçáveis sorrisos e com estrondosas gargalhadas, o escândalo que culminou com a queda de Renam no Senado. Aliás, o Brasil festejar é redundância... festejamos até mesmo o fato de que a “nossa” Mônica é bem mais bonita que a “dos” americanos. Sim, aquela que guardou sem lavar o vestido azul com a “prova” advinda das entranhas do presidente Clinton. E a Mônica de lá, na época, tinha a metade da idade atual da “nossa” Mônica, tsc, tsc, tsc...

Pois é, gente... estou desfilando uns poucos fatos nacionais de 2007 apenas para que vocês saibam que eu também aprecio rememorar o ano que se acabou. Adorei o Pan do Rio, alguns especiais musicais da Rede Globo, alguns filmes nacionais que demonstram que, quando deixam, sabemos fazer. Visitei escolas, algumas delas; e a todas compareci por mais de uma vez; ou seja, tive um ano muito escolar. Participei de muitos saraus de poesia, alguns com música; em todos eles, pude mostrar meus versos e curtir os dos companheiros; participei de mais uma antologia...

Duro, mesmo, é constatarmos que, por isso, temos de aceitar ser chamados de colegas por uns e umas aí que... Bem, melhor deixar. Se temos críticos que não se atrevem a publicar suas análises, não serei eu quem porá o dedo na ferida. Mas, para não ficar de todo omisso, critico os escribas de larga estrada que, no afã de papa(rica)r alguma jovem “poetiza”, engrandecem-lhes talentos invisíveis ou contestáveis (sim, creiam-me: algumas poetisas não sabem que poetizar é fazer poemas e que o feminino de poeta é “poetisa”).

Mas tudo isso é fichinha. Para se estragar mesmo um Ano-Novo, nada como fazer do ministro Mantega (aquele vaselina) porta-voz de medidas sacrificantes, com a justificativa de que “o presidente fez aquela promessa para 2007; agora, estamos em 2008”.

Mudou o Natal ou mudou Machado? Estou procurando um nome para qualificar a fala do ministro Mantega, aquele vaselina... Será que posso chamar de cinismo?