Taleb viaja, o Gordo acena...
Luiz de Aquino
Acabara de chegar a São Paulo, era noite fria, inverno, 1998. Daqui, de Goiânia, informei a Lúcia, amiga goianiense vivendo na Paulicéia, do horário e do hotel em que ficaria. Mal depositara a mala na mesinha, o telefone. Era ela. Contou-me do dia, triste e tenso, denso, o dia aquele, o mesmo dia em que assinara, ante o juiz, a separação (o marido apaixonara-se por uma menina de vinte e um anos, metade da idade dele).
Desliguei o telefone, colhi na mala a roupa para após o banho. Antes que abrisse o chuveiro, novamente o telefone. Uma voz forte, de homem, e brava, xingava-me de filhodaputa e acusava-me de “dar em cima” da mulher do dono da voz. Ex-dono, entendi eu, mas por experiência própria tentava entender as razões do homem brabo ao telefone. “Eu sei onde você está, seu corno, e vou aí te pegar”, dizia o tal, transferindo para mim a condição que, naquele momento, ele tinha de si. Eu discutia, um tanto vacilante, sabia que não diria nada para acalmar o cara nem o convenceria de nada. Pensava apenas em sair daquele hotel, já olhava em torno, sabia de outros bem próximos...
“Vou aí te pegar”, repetia a voz decidida. Resolvi ficar brabo também, tinha de ganhar tempo. Mas o valentão na outra ponta da linha resolveu concluir, e arrematou assim: “É o Jorge Taleb”. Só tive uma reação – chamá-lo de filhodaputa, no mesmo tom em que ouvi dele -. E caímos na risada. Eu não imaginava que o “turco” também conhecia a Lúcia.
Como se vê, éramos, os dois, confidentes da moça. Ela voltou a morar em Goiânia, mas poucos meses após tomou um chá de sumiço, e parece que foi definitivo. De todo esse entrevero, ficou para mim (e para o Jorge também) a alegria de uma brincadeira bem bolada. Desde aquele inverno de onze anos atrás, todas as vezes em que nos víamos a história vinha à tona e cometíamos novas risadas.
Na segunda-feira, anteontem, começo da tarde, ligou-me o Nilson Gomes. Deu-me conta da morte do Taleb, o velho amigo dos tempos de Don Quixote, “a esquina mais famosa de Goiânia”, no dizer do Luiz Augusto Pampinha. E foi o Pampinha o primeiro dos amigos, dos colegas jornalistas da velha-guarda goianiense, o primeiro que vi na Igreja de São Nicolau. Amigos muitos, colegas e políticos, e parentes. E ainda os indefectíveis “patrícios”, a fina-flor da sociedade árabe, segmento importante na formação social de Goiânia. Taleb despedia-se, silenciosamente, dos velhos camaradas, os que lhe causaram risos ou lhe foram fontes e parceiros nos comentários prévios de notícias e de temas de crônicas e artigos (feito eu, muitas vezes).
Não esperei o fim da missa. Demorei-me no adro da Igreja, despedindo-me de amigos (e saudando alguns que ainda chegavam). Senti que o nosso meio, este dos acima dos cinquent’anos, vai se empobrecendo no volume de nomes e corpos. Lá dentro, e antes da missa, olhei derradeiramente para o velho amigo, companheiro de mesa e de letras. Lembrei o Gordo da Praça (que tive o prazer de conhecer há poucos meses) e não o vi. Mas ao sair, dei-me com ele. Perguntei “e agora?”, ele apenas respondeu confirmando que saía das páginas do jornal.
Penso que não. O Gordo da Praça existe (Mary Anne não sabia, pensava ser apenas uma figura da imaginação de Taleb) e não precisa se ausentar, como homenagem ao amigo que fez dele uma lenda. Taleb, o autor de textos bons e belas análises, vai nos cobrar a presença do Gordo em alguns textos futuros.
A gente cuida, sim, meu Jorge, amigo velho! Hoje mesmo, vou brindar com café, numa prosa curta com o Gordo. Vai com Deus, Taleb!
Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras (poetaluizdeaquino@gmail.com).