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terça-feira, setembro 29, 2009

Culpa minha, sim!


Luiz de Aquino


Meus dias, minhas horas, andam a mil. Preciso de alguns dias com trinta e seis horas, ao menos, porque está difícil cuidar das obrigações e dos encargos, dos deveres e prazeres. Edição de livro novo, revisões, correspondência, telefones, e-mails, filas, trânsito, família, amigos, instituições e entidades, viagens... Sobreviver!

Quando deixamos tanta coisa acumular, corremos o risco de deixar de fazer muita coisa e, o que é pior, fazer mal algumas que exigem maior proximidade da perfeição, já que esta é utópica, impossível, inalcançável. Mas isso de se ser humano é complicado: não abrimos mão do sol, das primeiras gotas de chuva, das flores que desabrocham, da Primavera recém-chegada... Gosto tanto de Primavera que não me permito (d)escrevê-la em minúscula.

A imperfeição fica por conta de algumas falhas. Ou trocas. Letras trocadas, num texto, para o escriba, é o mesmo que a cozinheira pôr sal no café. Troquei de computador há quase um ano, e o Mac não é tão eficaz quanto o Microsoft quando se trata de texto (ou, pelo menos, textos em Português). No antigo, eu tinha ao meu dispor dicionários enciclopédicos e corretores ortográficos, o que dava um certo conforto; agora, tenho de me redobrar em atenção. Por exemplo, nesta máquina é difícil escrever “não” e “além”: preciso insistir, ou as palavras saem sem acento. Embora eu avise que escrevo em Português do Brasil, meu computador teima em corrigir diretor para director. Ou transforma Antônio em António.

Ainda assim, ficam os meus erros. Certa vez, troquei aja por haja e só me dei conta do erro quando o material saiu publicado. Fiquei muito triste e constrangido, envergonhado mesmo. Semana passada, ao enviar a crônica de domingo ao DM, apareceu um Ouve em lugar de Houve, e dei-me conta de que o computador havia engolido o H quando eu fazia a revisão mecânica. O pior foi que, ao anexar o texto ao e-mail, escolhi o texto original e penitenciei-me pelo erro na publicação. Felizmente, pude corrigi-lo no blog e em outras edições eletrônicas.

Logo eu, que vivo alertando colegas jornalistas e professores para errinhos triviais... Os que fazem locuções ao vivo são as principais vítimas de si mesmos. Recentemente, uma colega na tevê esclarecia uma matéria, falando do afogamento de uma moça no Rio Meia-Ponte, em Goiânia. Ao referir-se às águas profundas, e tentando ser o mais clara possível ante espectadores menos escolarizados, ela disse, textualmente: “A parte subterrânea da água...”. Lembrei-me de um governador que, há trinta anos, proferiu essa frase: “Estamos sobrevoando de avião as cidades submersas debaixo d’água”.

Como se vê, somos algozes de nós mesmos. E eu, que me ponho à vontade para despertar nos amigos a consciência do erro, exerço essa prática em mim próprio. Apressado e inquieto, ansioso ou, ainda, precipitado, visto a carapuça e me ridicularizo pelas gafes gráficas, erros ortográficos, concordâncias inadequadas ou regências rebeldes.

Fazer o quê mesmo? Vir a público, aos leitores como que em segredo, à página democrática do jornal para dizer que sinto muito, para pedir-lhes que me perdoem, se puderem. Prometo não errar mais, contudo eu próprio duvido do meu compromisso. Digo apenas, pois, que é um propósito, uma profissão de fé.

Quando errar outra vez, voltarei novamente para pedir novas desculpas.

Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sábado, setembro 26, 2009

Manhã de bom encontro


Luiz de Aquino


Nestes tempos em que as praças perderam o encanto, por razão de segurança das pessoas e de descaso das autoridades, a gente se refugia em xópins e, não raro, supermercados. O motivo não é só comprar algo ou ver vitrinas, mas ver gente. Melhor ainda, encontrar pessoas, ver amigos. Muita gente opta por isso, e se observarmos bem, veremos que ir a supermercados pode ser hábito relativamente novo, mas o cafezinho é um costume antigo do brasileiro, remonta aos tempos em que o Vale do Paraíba do Sul consolidou-se com as fazendas da rubiácea.

O cafezinho é da nossa práxis. Como o chá dos ingleses. Só que muito menos formal. O cafezinho a gente toma de pé, encostado no balcão, ou faz dele um adorno para o hábito da leitura de jornal; este, um hábito em desuso por conta da tevê e da Internet.

Supermercado tem algo de íntimo. É onde compramos nossos alimentos e o suprimento da higiene da casa e de nós pessoas. Houve um tempo, passado de poucas décadas, em que se tinha vergonha de comprar coisas como papel higiênico e absorventes femininos. Não mais, não mais (ótimo!). Supermercado, mais que corredores de galeria comercial, é excelente ponto de paquera. Um amigo meu conta que invade a privacidade das mulheres, em especial as mulheres sozinhas, observando-as nas compras. Descobre-lhes o gosto alimentar e adivinha-lhes os períodos menstruais, informa-se de suas preferências quanto a sabonetes e outros cosméticos e consegue, pelo volume de compras, saber se a moça observada mora só, se tem namorado, se divide o apartamento com alguma colega.

Na última sexta-feira, demorei-me por quase uma hora, entre as sete e as oito horas matutinas, numa loja dessas. Tomei meu café da manhã, avaliei falhas de atendimento, consultei preços, analisei, conferi a qualidade dos vegetais (sinto que dão melhor atenção às verduras e aos legumes do que às frutas) e indignei-me com os preços dos queijos.

Já pensava em sair quando me deparei com Yara Moreyra, professora e musicista, pesquisadora incansável. O sorriso dela me leva a viajar no tempo e sua voz de bom-dia, seguida de um abraço carinhoso, desperta a minha saudade: Yara estreou, na Prefeitura de Goiânia, a função de secretário de Cultura. Gostei muito de auxiliá-la, escrevendo notícias sobre os feitos em torno da política cultural da cidade.

Foi ela quem promoveu um inesquecível Salão de Humor. E foi ela quem realizou um concurso de quadrilhas de sanjoão e, com isso, tornou-se público que, naquele distante ano de 1980, ou 81, havia nada menos que seiscentos grupos organizados de quadrilha junina (é preciso qualificar, pois, hoje, quando se fala em quadrilha e organização, vem-nos à mente o tal de crime organizado; não era o caso).

Resumindo, conto-lhes que falamos de música, de pesquisa, de arquitetura e restauro, de arquivos e História. E falamos de pessoas, com ênfase para seu irmão, o também professor (historiador) Paulo Sérgio Moreyra, hoje morador feliz de um bonito casarão centenário em Hidrolândia.

A manhã caminha no tempo. Pessoas passam, rostos estranhos. Sorrimo-nos, um para o outro. Somos jovens daquele tempo de Goiânia mais feliz. Despedimo-nos com outro abraço e a promessa de reencontros (a Internet facilita).

Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras, e escreve aos domingos neste espaço.

quarta-feira, setembro 23, 2009

Meia-Ponte do Rosário, Pirenópolis


Meia-Ponte do Rosário, Pirenópolis

Luiz de Aquino


No próximo dia 6 de outubro, em Pirenópolis, se Deus quiser, mais um livro meu virá a lume. Trata-se de “Meia-Ponte do Rosário, Pirenópolis”, com crônicas e outros escritos alusivos à cidade, berço histórico das qualidades da nossa terra. O dia é véspera do aniversário da cidade, surgida nos sertões ínvios do Brasil colonial, em 1727. E essa véspera tem, para mim, um significado especial: foi nesse dia, em 1978, que lá estreei em livro, com “O Cerco e outros casos”.

A escolha de Pirenópolis se deu por capricho muito especial. Desde sempre, ouvia canções e causos que me levavam, em alma, à vetusta cidade do Padre Luiz Gonzaga de Camargo Fleury, político e jornalista, redator-chefe do primeiro jornal do Centro-Oeste brasileiro – a “Matutina Meia-Pontense” – e patriarca de numerosa prole que deu origem a influentes famílias goianas.

Meu pai, Israel, pirenopolino legítimo e vivente em Caldas Novas desde 1940, jamais perdeu o fio de união com sua terra. Antes, por cota da família, centrada na figura carismática e feliz do meu avô Luiz de Aquino Alves, e dos amigos de infância, sempre lembrados em Caldas Novas e visitados rigorosamente, quando de nossas idas à velha urbe.

Juntei uns escritos. Não foi fácil selecionar, por isso digo que juntei os textos. O critério foi bem próximo do aleatório, eu quis apenas mostrar que lanço muito distante o nome da cidade e seus encantos, sempre que me é dada uma chance. Deixei de inserir a primeira das minhas crônicas sobre o que Pirenópolis me causa. Também não transcrevi diretamente a letra que compõe uma canção, com música de José Pinto Neto, em louvação àquela terra. Trata-se de “Sentimento pirenopolino” (esse nome não me soa bem e algumas pessoas preferem chamá-la de “Manhãs alegres”, palavras que abre o poema-letra).


Não convidei alguém para prefaciar o livro. A esse propósito, devo contar que dois grandes escritores brasileiros – o mineiro Guimarães Rosa e o goiano José J. Veiga – não gostavam de prefácios. Disse-me o Veiga que isso nada soma à qualidade da obra, que esta se vale mesmo é de si própria. Concordo, sem restrições. Mas ao mostrar originais a um escritor amigo e pedir-lhe um prefácio, o meu gesto é de carinho, é um convite para a festa. E, sem demérito aos demais, o prefaciador é, para mim, o convidado de honra para a festa que é o livro.

Desta vez, portanto, não tenho um convidado especial para o livro. É que, por ser Pirenópolis, a lista de especiais é muito longa, a começar pelo meu pai, passando por um sem-número de amigos e parentes, de escritores que ocupam lugares especiais no meu bem-querer. O prefácio, então, não acontece neste livro. Assim como muitos, muitos escritos ficam também de fora (tenho mais de duzentos textos, entre poemas, crônicas, artigos, reportagens e entrevistas, coletadas e concedidas, em que enfatizo a cidade e suas cercanias).

A obra leva a chancela da Contato, a editora do meu amigo Iuri Rincon Godinho, e sai com o apoio indispensável e valioso do prefeito Nivaldo Melo, do presidente da Câmara Municipal, Eli de Sá, e a eficiência do secretário Gedson Oliveira.

Ah, já me esquecia! A Câmara Municipal de Pirenópolis me presenteia com algo que me toca profundamente os brios: o título de Cidadão Honorário. Recentemente, em conversa com os vereadores, disse-lhes que não preciso dessa homenagem para me sentir pirenopolino. Isso eu sou desde que nasci. Mas, enfatizou-me o vereador-presidente, Eli: “Pois continue se sentindo assim, mas leve o papel para enfeitar sua parede”.

Aceito, sim, meu querido vereador Eli! Esse papel enfeita minha parede, mas, muito especialmente, a minha alma. Alma de pirenopolino.


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Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.

quinta-feira, setembro 17, 2009

Afinal, o que está acontecendo?


Luiz de Aquino


O video está no Youtube - http://www.youtube.com/watch?v=UI2m5knVrvg – e, no texto de narração, ouve-se que foi veiculado em 2007 – há dois anos, pois. Mas só agora chegou a mim. Como se vê, a Internet é tão vasta que mesmo para alguém que se conecta todos os dias, por algumas horas diárias, muita coisa importante passa ao largo.

Aos sessenta e quatro aninhos, sou parte de uma geração que conheceu o ferro (de engomar, ou “de passar roupa”) a brasa, a pena de escrever (com tinteiro e mata-borrão), a caneta-tinteiro, o surgimento da esferográfica, o fim da lousa individual (cada aluno levava consigo uma peça de ardósia fina, no tamanho convencional de uma página de caderno), o “zipper” (ou fecho-éclair) nas braguilhas, a substituição das máquinas de escrever por teclados eletrônicos e computadores individuais.

Existem os resistentes, tal como existiram em todos os momentos da História. Estou entre os que aprenderam que não basta conhecer o passado sem se ligar ao futuro, e entendo que o presente é isso: a ponte real entre dois tempos inexistentes, o ontem e o amanhã. Como se fôssemos, cada um de nós, seres virtuais, se considerados na ótica do tempo, essa dimensão que todos pensamos entender, mas na qual nem sempre nos situamos.

Comecei a “navegar” na Internet em 1996. Pessoas da minha idade, na época, olhavam o computador como quem se depara com um tigre de bengala caçando cotia num parque urbano, seja na Avenida Paulista, no Aterro do Flamengo, no Parque Farroupilha aqui, na esquina onde meu prédio foi fincado. Não me surpreendo com as inovações da moderníssima tecnologia e sei muito bem abusar dos adolescentes que decifram teclados e códigos “raitec” como quem devora uma belíssima macarronada. Gostaria de ter um Opala 73, naquele modelo original do selo, desde que com ar condicionado, erbegue, direção hidráulica, freio ABS e, se puder ainda, um modesto GPS bem alimentado com dados brasileiros. Não podendo, queria então poder comprar um Civic ou algo parecido, com tais recursos.

O vídeo mostra um adolescentes destes tempos. Rafael é personagem normal, natural, típico de 2007... Mas é um adolescente, tal como todos nós, ao nosso tempo.

Esta semana, Nilson Gomes, na faixa dos quarent’anos, falava-me de seu propósito de substituir a velha biblioteca de alguns milhares de livros pelo direito (que já temos) de acessar as centenas de milhares (ou mesmo milhões) de livros digitalizados. Eu, não. Ainda que o malfadado acordo da Língua Portuguesa, ao qual apenas o Brasil adere de fato, transforme meus livros em peças antigas e obsoletas, vou conservá-los comigo. Minha viúva e meus órfãos talvez os jogue fora, talvez os doe a alguma biblioteca pública, comunitária ou escolar. Cada um desses livros conta-me uma história, foram eles (e meus discos de vinil, meus cedes e meus quadros) que me ensinaram o valor da solidão, a importância de eu curtir a mim mesmo.

Os meninos adolescentes desta era de bites e satélites são mágicos, aos meus olhos. Eles podem ser muito bem informados, quando o querem. Se aprenderem a selecionar as informações, serão geniais já no início da idade adulta. Precisam apenas aprender a ligar o ontem e o hoje. Meu receio é que se ocupem demais do futuro e seus edifícios de vida fiquem sem alicerces.

Nestes treze anos de andanças pela rede mundial, fiz inúmeras relações de amizade. Pelo meu perfil, aconteceu o que se podia esperar – fiz amigos no meio Internet, o Brasil ficou bem menor, reencontrei amigos que se perdiam nos anos e estavam tão próximos, e também reencontrei meninos da minha infância, garotos da minha adolescência. Não quero mais viver sem eles. Se posso, vou ao seu encontro; se não posso, mantenho amizades virtuais.

E “la nave va”... Ou, em linguagem dessa belíssima geração de jovens, a fila anda. Entre um tempo e outro ao computador, conectado à Rede Mundial, saio à rua, dirijo um velho automóvel, exerço ações tradicionais, como a fila do banco, a espera nos congestionamentos, o bom-dia a um velho amigo que passa, as horas de conversa e cerveja num bar – e os bares, ainda que administrados com recursos eletrônicos e oferecendo telões onde vemos xous e futebol, têm a mesma alma das tavernas de outras épocas.

A vida segue seu curso, feito o rio visto por Heráclito. E não somos mais nós mesmos. Ao terminar este texto, não sou mais o mesmo que começou a escrevê-lo, pois aprendi com ele (o texto). Ao concluir, envio-o ao jornal, posto-o no blog e envio-o a vários leitores via Net. Mudei-me, sem sair do lugar.



Luiz de Aquino (http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com) é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras, e escreve aos domingos neste espaço.



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terça-feira, setembro 15, 2009

Datas de riso e de siso

Datas de riso e de siso


Luiz de Aquino


“Muito riso, sinal de pouco siso”, diziam os avós dos meninos da minha geração. Demorei a entender o que era “siso”. Tinha um certo pudor de perguntar demais, receava broncas, receava que alguém já me ensinara num momento de meus devaneios, e como eu devaneava!

Siso. Juízo. Dentes do siso. Dentes-siso. Dia desses, li numa página de Internet, de propaganda de uma clínica dentária (eles preferem “odontológica”), a palavra “ciso”. Ou terá sido “cizo”? Lutei contra meus princípios, entre eles o de rejeitar categoricamente profissionais de nível universitário que não sabem grafar corretamente palavras do seu próprio ofício. Como aquele pediatra que escreveu “fraudas” (sim, ele se referia àquele paninho que se dobra formando vestimenta para a genitália e o bumbum das crianças). Vislumbrei naquele médico uma vocação para estelionatário (ou político sem escrúpulos, que os há).

Carrego comigo, por conta daquele malfadado provérbio da infância, o receio de rir em momentos sérios, já que evito ser grave nos instantes do riso. O siso. Ah, o siso! Meu filho Lucas, trazendo da escola os aprendizados de intervalos e recreios, soltou-me essa: “Não crio juízo porque não sei o que ele come”. Gostei! Ah, esses garotos escolares, sempre cheios de novidades!

Costumo festejar o 15 de setembro como uma data feliz. Afinal, marca o aniversário do poeta lusitano Manuel Maria Barbosa Du Bocage e, também, da brasileira admirável e decantada Lya Luft. E as vésperas me dão aniversários marcantes, como o de meu primo Léo (10), o do mais brilhante dos nossos presidentes, Juscelino (dia 12, dividido com a minha médica amada Mara Narciso e a jornalista Sueli Arantes); dia 14, meu filho Léo e meu irmão Ângelo. Daqui a alguns dias (19), minha mãe completaria 86 aninhos (que falta nos faz, Dona Lilita!). Como não festejar?

O sábado passado, dia 12, prometia ser feliz. Sempre evoco JK, o maior de todos os bandeirantes, o mineiro com alma gigantesca e olhar profundo não para o longe, mas para o futuro. Bocage, o de versos exatos, viajando do lírico ao erótico e ao chulo, sem perder a técnica, a graça e o talento. Lya, a que expõe com maestria a alma feminina, compondo o time de Gilca Machado, Cecília Meireles, Clarice Lispector e tantas outras menos referidas, mas não isso menores.

Foi Leda Selma, poetisa e contista de fina pena, quem me ligou quase acordando. Contou-me que acabara de ler na Internet: faleceu Antônio Olinto. Sim, o nosso amigo, autor de A Casa da Água e dezenas de outros belos livros de poesia, contos, romance, dicionários, gramática etc. O professor, diplomata, jornalista, crítico etc. e tal. Aquele que, há dois anos, convidado por este poeta, com apoios como os do secretário Kleber Adorno, do prefeito Iris Rezende, dos líderes do Comércio José Evaristo e Giulio Cysneiros, veio inaugurar o Espaço José J. Veiga na Biblioteca Central do SESC.

Antônio Olinto nos deixou, pois. O Brasil sente. O Rio de Janeiro e Minas Gerais sentem (especialmente Ubá, dele e de Ari Barroso). Sentem os leitores e escritores de Goiás. Sente mais a Beth Almeida, sua alma-viva. A Cadeira 8 da Academia Brasileira de Letras será declarada vaga nesta quinta-feira, 17 de setembro.

Nos últimos dez anos, tive com ele bons momentos de prosa sobre poesia e vida. Contava da África e dos Bálcãs, de Ubá e do Rio de outras décadas. Perguntava pela Academia Goiana de Letras, contava da Brasileira, recordava goianos vários e realçava: “Precisamos eleger o Gilberto”. Falava de Gilberto Mendonça Teles. Agora, sinto que Olinto sorrirá feliz se Gilberto vir a ocupar a Cadeira 8 da ABL.



Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.



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sábado, setembro 12, 2009

Almas materiais



Giulio Cysneiros, Antônio Olinto e eu, inaugurando o Espaço José J. Veiga na Biblioteca Central do SESC, em Goiânia, dia 5 de setembro de 2007.



Almas materiais

Luiz de Aquino

Beth Almeida, entre mim e Antônio Olinto (*)


A vida era ainda, para mim, algo de muito novo e a descobrir a cada instante. Ou melhor, não era a vida, mas eu próprio a novidade. A vida, propriamente, estava aí, tal como está ainda, desde quando Deus fez a Terra com planícies, montanhas, rios, mares e praias e planaltos e geleiras etc. E sobre ou sob, dentro e fora, colocou as cores das plantas e o ânimo dos animais.

Pois bem: nunca me esqueço que a vida começava todos os dias, e começava cedo. O sol era a mesma bola de fogo centímetros acima da linha do horizonte, e o horizonte de Caldas Novas era verde de matas, e as manhãs eram frias e sonoras de pássaros e poucas vozes de gente. As pessoas eram todas nossas conhecidas.

Era essa a infância de mim. E já naquela época eu sabia que algumas pessoas, algumas famílias, algumas casas tinham sua alma repetida. Não a alma individual, mas alguém que dava equilíbrio à alma imaterial de cada um. Ou à sua família, ao seu lar, a sua casa física (também). Essa “alma”, visível e palpável, era alguém sem a qual a pessoa em questão, ou a família que a rodeava, ou a casa que ganhava calor e harmonia não existiriam. Ou não existiriam como a entendemos.

Numa família, que me era próxima, a alma era Maria, uma empregada de décadas. Maria dedicou cerca de cinquenta anos de sua vida a equilibrar a família que lhe dava salário. Mas não era apenas salário: era o lar, o sustento, o social... O equilíbrio, enfim. Aquilo era, e eu menino já o sentia, a troca perfeita. O mesmo se dava na humilde casa do meu bisavô, o mais bonito dentre todos os velhos da minha terrinha natal. Para ele, o fiel de balança era Sebastiana.

Na tevê, já se veiculou matéria jornalística mostrando pessoas que são “almas” de personalidades políticas, esportivas ou artísticas. Dão-lhes nomes outros, como assistente, secretário (a), governanta e outros mais. Sinal dos tempos, que gosta de criar novos nomes para funções antigas. Para mim, são almas materiais.

Pouco tempo após a morte de José J. Veiga, conheci, em pessoa, o escritor Antônio Olinto, que personaliza, para mim, a figura do acadêmico completo. Imortal da Academia Brasileira de Letras, ele reúne em si funções várias, todas ligadas ao mesmo ofício de cultor das letras. Jornalista, critico literário, professor, poeta, ficcionista e diplomata (neste item, o adido cultural perfeito). E quando o conheci, ainda vivia ao seu lado a também escritora e pesquisadora incansável Zora Seljan, que hoje o acompanha do outro plano de vida.


Antonio Olinto, Célia Siqueira Arantes e Beth Almeida

Imaginei ser Zora a alma andante de Antônio Olinto. Não era. Esta era, para o casal Zora e Antônio, ninguém menos que a pessoa que os acompanhava em todos os passos: Elizabeth Almeida.

Nestes quase dez anos, estive muitas vezes com Antônio Olinto. Visitei-o várias vezes, no Edifício Itaoca, em Copacabana. Ele veio a Goiânia algumas vezes, a última delas a meu convite, para inaugurar o Espaço José J. Veiga na Biblioteca Central do SESC. Estando aqui, sempre foi palestrante na Academia Goiana de Letras ou no Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. Estar com ele é aprender sempre, e muito. E bem!

Antônio Olinto vive, no momento, época de restabelecimento da saúde, abalada com o peso de um pouco mais de noventa anos de intensa vida intelectual. Jamais o vi sem Beth Almeida ao lado. Tenho certeza, pelo que vi sempre, e pelo que ouvi dele mesmo, que o autor de A Casa da Água não vive sem seu anjo de guarda (e vida). Afinal, são quase trinta anos de zelo ininterrupto.

Um beijo, Beth Almeida! Sou seu fã, tanto quanto o sou do nosso grande amigo e ídolo comum.




Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é jornalsita e escritor, membro efetivo da Academia Goiana de Letras, e escreve aos domingos neste espaço.

Antônio Olinto autografa para Célia Siqueira Arantes (Goiânia, 05/07/09).


(*) Antônio Olinto faleceu no sábado, 12 de setembro, horas depois de esta crônica ser escrita.

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quarta-feira, setembro 09, 2009

Dói nos olhos e ouvidos

Dói nos olhos e ouvidos


Luiz de Aquino


Circula na Internet um vídeo em que a cantora Vanusa, que integrou o movimento “musical” chamado “jovem guarda”, nas décadas de 1960 e 1970, tenta cantar o Hino Nacional Brasileiro. A louríssima (ainda loura) começa imitando Fafá de Belém, mas é traída pelo talento, pela memória e pelo desapego. Pelo visto, ela sequer sabe torcer pelas seleções brasileiras de futebol e vôlei, ou pelos atletas olímpicos que, passo a passo, vêm consolidando o nome do Brasil como expressão esportiva.


A arrasadora maioria dos que se manifestam sobre a “interpretação” de Vanusa condena-lhe o feito. É sabido que preparar-se é missão de todo profissional, mais ainda de artistas músicos, atores e similares. Um agudo fora do lugar dói no ouvido. Um descaminho completo, como ela fez naquele evento de agentes públicos do Estado de São Paulo, é totalmente imperdoável. Os que a defendem inventam um mal-estar; os maliciosos falam em bebida alcoólica e até mesmo em drogas; e os inimigos do nome Brasil lhe dão razão, dizem

que a cantora fez um justo protesto contra o despreparo do presidente Lula, a corrupção institucionalizada, os descaminhos que os políticos cometem com o dinheiro público etc. e tal.


Ligo a tevê e me desespero com as invenções dos apresentadores, especialmente os esportivos (mas sem perdão aos demais) que confundem a Nação com suas concordâncias errôneas e suas regências descabidas. Não fosse o bastante, ainda vemos professores universitários inventando novas terminações para palavras usuais. Lembra o personagem Odorico Paraguaçu, na novela e na série O Bem Amado, de Dias Gomes, a trocar desinências.

A publicidade, mais que o jornalismo, é responsável por inúmeros erros repetidos à exaustão. Lá pelos idos de 1984, quando da campanha “Diretas-já”, apareceu-nos um “Muda Brasil”, sem a pontuação correta. Isso se repete ainda e até mesmo a Secretaria da Educação já bancou uma campanha “Acelera Goiás”, no mesmo molde. Agora, vejo por aí afora um não-entender o que é acento agudo e o que é crase, como “á partir de “ (com acento agudo) e a expressão “sale” em lugar de liquidação, ou “30% off” em vez de “desconto” .


Agora, canso-me de ler “Disk Pizza” e “Disk Oração”. Pergunto-me: por quê? Aonde andam os professores da Língua? Ah, eu sei! Boa parte deles, com preguiça de refinar os estudos e atualizar-se com a gramática, jogam a culpa de tudo na Linguística. Quando não, viajam na própria baba e dizem tratar-se de “liberdade poética”.

Eu, hem?!



Luiz de Aquino – http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com - é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.



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sábado, setembro 05, 2009

Escrito na testa?

Escrito na testa?


Luiz de Aquino


Pessoas sensíveis percebem, pelo olhar ou pela sequência de gestos, o que se passa na alma de outrem. Há os que carecem ouvir para entender o próximo. A percepção da alma alheia enseja muito conhecimento. Mas todos somos metidos a entender de tudo, não é mesmo? Qual é a idade dos provérbios? Alguns se perdem na História, estão na Bíblia; outros surgiram no eterno caminhar da humanidade, romperam fronteiras, sobreviveram ao tempo vital de línguas hoje tidas por “mortas”.

Sim... As ideias sobrevivem até mesmo aos idiomas!

Certo é que nos metemos a opinar sobre tudo. Curiosamente, quando mais estudamos um assunto, quanto mais dominamos um tema, menos opinamos sobre ele. Tenho amigos que gostam de aconselhar sobre tudo. Outros, de encontrar defeito em tudo, e incluo-me entre estes. Um quadro torto na parede, uma letra no lugar errado, a completa ignorância da regência e da concordância (quando professadas especialmente por professores e jornalista, dói mais ainda de se ouvir), a gravata torta... Ah, a gente nota, não é?

Gosto de recordar os tempos de escola, quando estudávamos Platão e seu sistema de Educação. Parecia cruel aquilo de o Estado tomar as crianças dos pais, preparando-as para a vida social, submetendo-as a filtros temporários em que se revelavam serviçais, empresários, profissionais liberais ou políticos. Para Platão, as pessoas de governo eram as mais sábias, as que detivessem maior escolaridade (isso seria independente da vontade da pessoa, mas selecionado entre os de melhor aproveitamento).

Nos últimos vinte e cinco séculos, Platão remexeu-se muitas vezes na tumba (para evocar um antigo dito popular). Ou, na possibilidade da reencarnação, as vidas posteriores devem ter aprimorado seu espírito de filósofo. Mas quanta coisa esdrúxula se vê por aí, se considerarmos que o sábio grego estava certo! E devia estar, ou não sobreviveria dois mil e quinhentos anos por suas ideias.

“De médico e de louco, todos temos um pouco”, diz a sabedoria milenar. Os médicos multiplicaram-se em especialidades e mesmo em outras profissões. Em torno da Medicina, surgiram enfermeiros, farmacêuticos, bioquímicos, veterinários, psicólogos... Não sou capaz de enumerar todos os ofícios derivados, mas pode se dizer que desde os nutricionistas até os cabeleireiros e pedicuros (agora chamados de “podólogos”) são crias da Medicina.

Mas a petulância dos “sábios de esquina” é muito maior que a simplicidade científica de um filósofo grego. Isso de se dizer que policial que mata bandido merece medalha é dar poder de julgamento instantâneo e irrecorrível a um agente, a quem compete o policiamento ostensivo, a repressão a distúrbios e encarregados de investigação. Não precisaríamos mais de juízes, promotores e advogados. Se é verdade que bandido traz escrito na testa essa condição, será que os policiais sabem ler isso? Ou apenas os deputados eleitos sabe-se lá por quais artifícios?

Escreveram algo na minha testa, certamente. O que será? Poeta? Puxador de assunto? Intransigente? Intolerante? Carinhoso?

Tudo mentira! Ninguém tem nada escrito na testa. Se o tivéssemos, certamente teríamos políticos de muito melhor qualidade. Poeta também, é claro. Mas ninguém precisa de votos para ser poeta.

Se os policiais soubessem ler isso, aquele brasileiro assassinado pela Scotland Yard estaria vivo.




Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras. Escreve aos domingos neste espaço.

terça-feira, setembro 01, 2009

“Piri Jazz” e Cristóvão Bastos



“Piri Jazz” e Cristóvão Bastos

Luiz de Aquino


Quando dói o corpo e a cabeça parece sob pressão, quando as juntas se recusam a flexionar normalmente, os olhos ardem e os nervos parecem sobrecarregados, é hora de ligar o carro e escolher a estrada. Adoro estradas! Se asfaltadas e sinalizadas, oferecendo segurança, melhor ainda. E quando nos sentimos desgastados, tanto faz seguir sem rumo quanto definir o destino e se por a caminho.

Fiz isso na sexta-feira. Escolhi Pirenópolis, de novo. Motivava-me o luar em quarto crescente e as cores do casario no centro quase tricentenário, muito em especial a Rua do Rosário. Até uns sessenta anos atrás, essa rua ligava a Matriz de Nossa Senhora do Rosário (sim, a mesma que foi incendiada pouco tempo após a reforma geral) ao Largo de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Esta, menor e mais bela que a Matriz, foi demolida por razões não muito explicadas. Mas as pesquisas de jovens estudantes que se prestam a ouvir pessoas quase centenárias, bem como debruçar-se sem preguiça sobre alfarrábios empoeirados vem trazendo, devagar, a verdade à tona.



Cheguei quando a noite começava a debruçar-se sobre o verde de matas, as feridas nos montes (a que chamamos jazidas) e o traçado sem esquadro das ruas das antigas serenatas. Estacionei na Rua do Rosário, caminhei poucos metros até o trecho de comércio que, há algumas décadas, seriam “de secos e molhados”. Fiz ponto na Confraria do Boxexa – nome comercial da cafeteria, tabacaria e espaço cultural do meu amigo Bochecha. Ou Boxexa, já que, no Brasil, cultivamos a liberdade extralegal de grafar como bem entendemos os nomes próprios, sejam de pessoas ou marcas comerciais.

Na parte baixa da rua, um palco. O pano de fundo dá-me conta de que acontece ali (não foi o que me atraiu, pois eu não sabia antes) a segunda edição do Piri Jazz, festival de música que levou de volta os que lá estiveram no ano passado. Da ponta do balcão, vi que descia a rua o meu amigo Dimerval, que ninguém conhece. Ou melhor, era o Bororó, baixista genial, marca histórica na música de boteco em Goiânia, instrumentista de um sem-número de grandes nomes do meio musical contemporâneo deste Pais.

“Amanhã (sábado, dia 29 de agosto) vou tocar com Cristóvão Bastos”, disse-me ele. Bororó falava do Quarteto Brasil. Algo de virtuoso, impecável, genial. O grupo atua há quatro anos e, em 2007, lançou na Europa um disco... Ah, vejam o que encontrei na Internet:

O Quarteto Brasil reúne Cristovão Bastos (Piano), Jurim Moreira (Bateria), Bororó (Contra-Baixo) e Zé Canuto (Sax). Ele surgiu a partir do projeto 4 x Jazz, realizado no CCBB, quando o maestro Cristovão Bastos foi convidado a prestar uma homenagem ao pianista Dave Brubeck. Em 2007 lançou exclusivamente na Europa o CD “Bossa Nova – Delicado“, pelo selo Kind of Blue, com composições de Cristovão Bastos, Bororó, Waldir Azevedo, Luis Gonzaga e Dave Brubeck”.


Zé Canuto, Bororó, Cristóvão Bastos e Jurim Moreira, o Quarteto Brasil


Lá, na Rua do Rosário, o Quarteto Brasil mostrou isso aí. Música de mexer com a platéia, fazer o sangue correr mais morno e ativo, altivo. Senti um orgulho indisfarçável, pois metade daquele quarteto estava, muito antes, no meu coração: Bororó, velho amigo das andanças de música e poesia em Goiânia; Cristóvão, amigo de infância, era o garoto do acordeão, referência maior nas festas da inesquecível Escola Evangelina Duarte Batista, em Marechal Hermes, quando o Rio ainda era Capital da República.

Emocionante revê-lo! Melhor ainda foi exercer a tietagem e ganhar um autógrafo no cedê “Curtindo a gafieira”, que cuidei de ouvir logo e reouvir tantas vezes. Um abraço de “até a próxima”, seguido de um pacto: “Indo ao Rio, aviso-o para marcarmos um encontro em Marechal Hermes”.

Ele sorriu aceitando. Espero ir logo.



Luiz de Aquino ( poetaluizdeaquino@gmail.com) é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.


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