Trânsito: arbítrio e tolerância
Luiz de Aquino
Enquanto escrevo, lanço votos de Feliz Natal a toda a Terra, porque faltam horas, no nosso fuso, para se alcançar a Data Máxima da Cristandade. Enquanto escrevo, lembro aos leitores que estas linhas serão lidas quando muitos dos trabalhadores do mundo estarão, então, a contar números e montar a estatística dos fatos trágicos.
Muitos são os que, enquanto o mundo parece parar, trabalham pela manutenção da paz, pela contenção da violência e das ocorrências do infausto. São trabalhadores da segurança, da medicina e de incontáveis setores de serviço. Os demais mortais, param para as celebrações religiosas do mundo cristão. Festejam e cometem excessos. Ruídos, comidas e bebidas marcam bem os desatinos. Ah, e a velocidade nas rodovias.
Quinta-feira, dia 24 deste dezembro, em plena BR-153, no perímetro de Goiânia, passou por mim um pequeno carro preto, novo, com faixa amarela e a inscrição de autoescola (que, hoje, se chamam “centro de formação de condutores”, capricho eufemístico desnecessário, penso). O carro tinha apenas um jovem ao volante, nenhum passageiro. E tinha pressa. E corria muito e “costurava” na pista, ou seja, mudava de uma faixa a outra celeremente, sem os cuidados que, por certo, se recomendam.
Posso estar enganado, mas entendi que aquele condutor seria um instrutor de autoescola. E imagino que, pelo fato de o então presidente da República que sancionou o atual Código de Trânsito Brasileiro ostentar título de professor, a palavra “escola” tenha sido poupada do despreparo intelectual dos instrutores.
Ocorre-me, também, que algum dispositivo legal já foi aprovado no sentido de fazer com que as escolas regulares insiram a disciplina Trânsito na grade curricular do Ensino Médio. Mas a regulamentação não se fez (ou não chegou a Goiás). Ouço dizerem que o “lóbi” das autoescolas é fortíssimo e busca impedir que tal aconteça, porque o setor já elege parlamentares nos três níveis para defender sua “reserva de mercado”.
Que tristeza! Enquanto esta crônica chega aos olhos dos leitores, as estatísticas de trânsito contam-nos que dezenas de famílias engrossam o rol das que passam a relembrar tristezas nos Natais futuros.Pergunto-me: que razão existe para que as autoridades investidas de poder rejeitem regulamentar coisas simples, como elevar a qualidade da formação de condutores, envolvendo as escolas regulares? E, na mesma filosofia, indago: qual razão existe para permitir que um carro de instrução, nas horas vagas, seja usado como veículo de passeio? Não devia.
Também acho que as pessoas investidas de autoridade no trânsito deviam receber formação substancial no tocante aos procedimentos de rotina. O cidadão contribuinte, o pagador de impostos, torna-se novamente vítima da sanha arrecadadora. Como provar que, no momento em que se lavrou a multa por estacionamento irregular, o veículo multado estava na garagem do proprietário? Ou que o condutor usava, sim, como manda a lei, o cinto de segurança?
Abusos andam acontecendo, sim. Os agentes são poucos, mas abusam do dever que pensam ser direito, o de multar a bel prazer. Recorrer a quem? Os funcionários encarregados de analisar as defesas agem em solidariedade aos colegas fiscais. E ao poder público falta divulgar os números dessa arrecadação extraorçamentária.
Não perco a esperança. Li que o Ministério Público cobra da Prefeitura de Goiânia ações com vistas a normalizar as calçadas, e esta é uma queixa minha que se arrasta há mais de dez anos nestas crônicas. Espero, pois, que os promotores e procuradores de Justiça cobrem do poder municipal também uma prática fiscalizadora criteriosa e eficaz no setor de trânsito urbano.
Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.