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sábado, agosto 27, 2011

Razões de mestre (ainda)


Razões de mestre (ainda)


No meu blog, recebi comentários sobre a crônica anterior, “Razoes de Mestre”, de escritores e professores, além dos leitores habituais. Boa parcela enriqueceu meus argumentos, listando falas e palavras ouvidas de pessoas com grau universitário. Quero enfatizar um dos comentários, do meu jovem e admirável amigo Guga Valente, que ensina na área de Letras, no Ensino Médio privado:

Caro Luiz, não sei se somos de épocas diferentes - daí talvez minha visão ser tão distinta da sua - mas desde que cursei Letras, entendo que há uma diferença enorme entre o falar e o escrever. (…) As mudanças de classe, por exemplo, citadas na crônica, ocorrem naturalmente, pois a língua é viva, dinâmica e muda conforme as necessidades dos falantes. 
Nas provas comuns do cotidiano (concursos, vestibulares, escolas) os alunos se saem melhor em interpretação textual (acredite!) que nas exatas. É o famoso: ‘no portuguêis eu sô até bão. O que me aderroba é a matemática’.
Sou da visão de que não devemos ser tão rigorosos com algo que é tão flexível”.

Guga continua – e aqui o contesto, com dois apoios indiscutíveis (e só os cito em respeito ao empenho dos missivistas):

“Veja você, se fôssemos levar a ferro e a fogo toda observação de regras, na sua crônica você deveria ter concordado o verbo "passar" no plural, pois se referia a um sujeito igualmente no plural: 
"Conheço ene professores de Letras que não conseguem entender o que é regência. Concordância, então, passa longe..."
Agora, caso você me diga que esqueceu de digitar um 'm' depois do "passa", eu vou entender que nossa cabeça processa o que se quer dizer de um jeito diferente na fala e na escrita, como geralmente ocorre mesmo. Ou de repente, por questão estilística, você tenha optado por concordar o "passa" com "ene".


Guga não percebeu: o sujeito de "passa" é "Concordância", e não "professores" nem “ene”.



Nessa esteira veio o jornalista Nilson Gomes: “Estaria errado se fosse "De concordância, então, passa longe", porque a referência seria à oração anterior, comandada por professores. Nesse caso, não há sequer o que discutir, já que a chefe é Concordância”.
A professora carioca Sueli Soares ratifica: “O período por ele questionado possui quatro orações, sendo que a última tem como sujeito o termo "Concordância". Portanto, não entendi porque (Guga Valente) criou aquele caso. Se estiver errada, a culpa e do meu professor Evanildo Bechara”.

Muito obrigado, Guga, pelo rico comentário. Claro que as línguas todas elas são dinâmicas e se alteram sempre. Como autor, uso com frequência construções em desacordo com a gramática. O que eu questiono nesta crônica não é sequer o fato de se falar com os erros costumeiros da linguagem coloquial. O problema, Guga, é que os profissionais a que me referi desconhecem as regras corriqueiras. E ostentam o título de professores, ainda que falem "degrais" e "troféis".
Resumindo: aceito até com doçura o modo costumeiro de se falar; só não aceito que profissionais da língua a usem como um bêbado dirige um automóvel.

Bem: Guga imagina que radicalizo por ser de uma geração antiga, talvez ultrapassada. Graças a Deus! Escapei d essa tal “geração ípsilon”. Em crônica  recente, “Língua e Matemática”, abordei o conhecimento intuitivo que desenvolvemos de ambas durante a vida: com estudos ou sem eles, as pessoas aplicam ferramentas de linguagem e matemática todo o tempo, e essa talvez seja a defesa maior do professor  Guga. Eu, escritor por prática e teimosia (as escolas não nos ensinam a ser artistas e escritores; apenas nos aprimoram), portador de licenciatura (em Geografia) e especialização (em Docência do Ensino Superior), tenho outra visão do processo educacional, Guga. Defendo o princípio de que todo e qualquer cidadão estudante, desde a mais tenra idade e até os umbrais da universidade, tem direito de aprender corretamente. Não cabe a professor algum sonegar-lhe o aprendizado.

A escola tem que propiciar o acesso à língua culta, indiscriminadamente. E a universidade precisa, urgentemente, exigir mais dos alunos. Diplomar professores que não sabem falar sem erros grosseiros e bacharéis que não logram aprovação em exames da Ordem dos Advogados é confessar incompetência.

E o pior: os professores não se submetem a exames pós diplomas; assim, prejudicam a clientela – crianças  jovens – por exercer conceitos equivocados sobre a Educação ou por não terem competência para ensinar corretamente.

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sábado, agosto 20, 2011

Razões de mestre


 Razões de mestre


Pessoa amiga, com quem, quase todos os dias, troco frases de informação e amizade, veio-me com essa:

  Tomei uma decisão: vou mesmo requerer minha aposentadoria – escreveu-me via MSN; e continua –  Juro, não suporto mais o nível dos meus colegas. É um tal de "vamos estar fazendo”; estou ‘meia’ gripada” e ainda  “nós, ‘enquanto’ educadores...”.

Ah, que pena! Queria guardar surpresa e contar somente no final o ambiente em que ocorrem esses diálogos, mas não consegui. A minha lingual coçou e entreguei as pérolas de linguagem dos professores. Sim, senhores: essas falas são de professores universitários!

Há décadas venho contando absurdos anotados no meio do ensino de todos os níveis. Há uns doze ou treze anos, Lucas, meu filho (na época, recém alfabetizado; lia tudo o que  lhe aparecia em letras). Na escola, onde cursava a pré-escola, implicou por ver, num cartaz, a palavra “água” escrita sem acento. Cobrou da coordenadora, que quis alegar “liberdade poética” (na minha frente!) mas não convenceu; recolheu o cartaz e aplicou o acento faltoso.
Tenho o caso de uma professora de Português, da década de 1980, que passou uma tarefa para casa pedindo o plural de várias palavras, entre elas lápis, pires e tênis (já contei isso em crônicas anteriores). A aluninha, filha de conhecida minha, consultou a mãe e esta ensinou: bastava aplicar o plural nos artigos, assim: os lápis, os pires  os tênis. A professora, no pedestal de sua autoridade, riscou com caneta vermelha e corrigiu: “lápises, píreses e tênises”. E ante a cobrança da atônita mãe, esclareceu: “Nós, goianos, temos a mania de não falar corretamente os plurais, por isso a senhora estranha”.
Meu amigo diz-me que não se sente sábio: “Mas essas coisas eu aprendi no ginásio’’. Pois é! Acabaram com o ginásio... Conheço ene professores de Letras que não conseguem entender o que é regência. Concordância, então, passa longe... Jornalistas de rádio, tevê e impressos vêm transformando objeto indireto em direto por não saberem onde entra ou não uma preposição : “Aquela pessoa que você gosta”, costumam dizer. A peneira da OAB, para liberar a carteira de advogado, ainda que venha a ser considerada inconstitucional, tem sua razão de ser. Se incluírem provas de Língua Portuguesa e estenderem esses exames para as demais profissões, teremos quase todas as universidades fechadas.

Falta leitura desde os primeiros anos do aprendizado. Falta a vaidade do bem-saber. E saber não é só conhecimento técnico profissional, mas graduados em nível superior precisam – e devem – saber mais do que o mero exercício de suas profissões. As escolas básica e média precisam incluir mais esporte e arte em seus currículos. E, paralelamente, é indispensável instituir-se de volta o respeito aos professores e a prática – parece-me que em desuso – das inspeções escolares. É preciso re-estabelecer o uso sistemático do uniforme nas escolas públicas – prática removida por ação de um juiz ou promotor, falta-me a informação precisa. É preciso combater, urgentemente, as pichações, que causam prejuízos enormes ao poder público e facilitam e até estimulam o banditismo. A escola pública é tolerante com atos criminosos.

É que, faltando com as práticas do bem-falar e do bem-escrever, a escola não propicia o bem-aprender. E o resultado é esse: bacharéis que não sabem redigir petições, professores que falam errado, jornalistas que comunicam mal e médicos que se tornam contumazes na prática do erro, levando pacientes a deformidades e até mesmo a óbitos.

E meu amigo conta ainda:


– Nós aqui temos professores que lutam por uma universidade "enganjada" em causas sociais. Há aqueles que "arrecardam" brinquedos para o natal dos pobres...

E me dá mais pérolas professorais:

– Será “se” eu... (no lugar de "Será que eu”... Maior confusão com o uso das duas integrantes).

E finaliza com a frase que o convenceu a aposentar-se:

– Hoje tem “menas” gente na sala dos professores, por quê?


Lembrei-me de outro amigo, também profissional de letras, que, pinçando preciosidades lingüísticas no falar comum, explica assim o seu feliz emagrecimento após mudança de hábitos alimentares:

– Emagreci, sim, olhem o meu perfil: estou “com menas” barriga e “com menas” bunda.




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sexta-feira, agosto 12, 2011

Maria do Rosário Cassimiro, 60 anos de ensino


Professora Cassimiro entre as poetisas Placidina L. Siqueira e Sônia Cury. 


Maria do Rosário Cassimiro, 
60 anos de ensino


Em crônicas e artigos, por toda a vida, empenho-me pela valorização dos profissionais do ensino e na defesa do patrimônio cultural e físico das escolas e demais instituições de ensino e pesquisa. Sem isso, entendo que uma nação não se desenvolve. Infelizmente, pessoas que conseguem (ou conseguiram) “vencer na vida” sem o aprimoramento escolar e cultural ridicularizam os paladinos, mostrando contas bancárias e patrimônios materiais como provas de seu sucesso. E outra vez infelizmente, gente assim convence...

No noticiário matutino da última sexta-feira (12 de agosto, 2011), vi que policiais militares prenderam três criminosos portanto expressiva quantidade de drogas entorpecentes, além de armas e munição. Tudo normal, a não ser o fato de que os presos eram pai e dois filhos. Essa família traduz os tipos que descrevi acima.

Infelizmente, e a despeito da máquina pública constituir-se de um imenso contingente de profissionais de ensino nas secretarias de Educação de todos as unidades federativas e municípios, o poder público brasileiro, em seus três níveis, desconsidera a importância da Educação como instrumento de valorização do “bicho sapiens” nacional.

Nessa mesma sexta-feira, dia 12, a professora Maria do Rosário Cassimiro, membro efetivo e por duas vezes presidente da Academia Goiana de Letras (na década de 1990), recebeu belíssima e justa homenagem de seus pares do  Conselho Estadual de Cultura. Homenageá-la é fácil, motivos lhe sobram. Mas desta vez a homenagem foi por um aniversário: os 60 anos (sim: sessenta!) do início de sua carreira de educadora.

Procuro e descubro: ela era, ainda, aluna do curso Científico (a fase de três anos que sucediam o curso Ginasial antes da malfadada reforma que decretou o início da decadência do ensino no Brasil). Era secretário da Educação do Estado de Goiás o Cônego José Trindade da Fonseca e Silva, e ele, por indicação de uma senhora cujo nome perdeu-se no tempo (amiga comum da mãe de Maria do Rosário e do padre secretário) nomeou-a Professora Substituta no Grupo Escolar Modelo.

O bendito vírus do ensino inoculou-se de vez na jovem estudante. A Cúria Metropolitana mantinha uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, instituição capacitada a licenciar professores para o ensino secundário,  que envolvia os cursos Ginasial e Colegial (essa faculdade foi o embrião da hoje Pontifícia Universidade Católica de Goiás). A moça Cassimiro escolheu Pedagogia. E destacou-se como dedicada e exemplar funcionária da Educação, estudando sempre mais, aprimorando, obtendo com pioneirismo o título de Doutora. De suas ações resultou um sensível dinamismo na gestão da Educação no Estado, incluindo o aprimoramento profissional dos professores.

Ingressou na Universidade Federal de Goiás em rigoroso concurso de títulos e provas – era propósito do então reitor Jerônimo Geraldo de Queiroz elevar substancialmente a qualidade dos docentes. Ali, Maria do Rosário Cassimiro continuou sua carreira com brilhantismo e empenho, chegando aos elevados escalões da UFG e, para surpresa nacional,aconteceu de uma mulher, pela primeira vez na nossa História, vir a ser reitora numa universidade federal.

Maria do Rosário Cassimiro aposentou-se, mas não se recolheu. Criado o Estado de Tocantins, lá foi ela, a convite do governador Siqueira Campos, montar a primeira universidade do novo Estado – a Unitins – da qual também foi reitora.
Este aniversário de 60 anos de carreira no magistério ensina-nos que é possível, sim, ser feliz somente quando se faz o que é de prazer, o que se faz com perseverança e responsabilidade. Há cerca de dez anos, foi nomeada pelo governador Marconi Perillo para o Conselho Estadual da Educação, órgão que presidiu com o mesmo desprendimento, a mesma competência que motivam a homenagem de agora.

Entendo Maria do Rosário Cassimiro como uma bandeira viva, uma evidência na contramão dos que argumentam contra o aprimoramento pelo conhecimento, pelo bom ensino, pela escola com dignidade. Dou-lhe minhas mãos de amigo, orgulhoso de ser seu confrade. E é em nome dela que continuo a insistir com o Governo de Goiás no sentido de investir com o propósito de restaurar a dignidade da escola pública, que simbolizo no Liceu (em suas unidades de Vila Boa e de Goiânia), no Instituto de Educação de Goiás, no Colégio José Carlos de Almeida (saudoso Grupo Escolar Modelo) e no Colégio Pedro Gomes.

Um beijo, professora Maria do Rosário Cassimiro! Deus lhe deu esta vida e, dentro dela, estes sessenta anos ininterruptos de professorado.


* * *

Minha posse na Academia Goiana de
Letras: Cassimiro era presidente (1997).


quinta-feira, agosto 11, 2011

Dia dos Pais


Israel de Aquino Alves


É puro, meu pai


Meu pai tem isso de ser simples.
Simplicidade demais irrita 
se não se é puro 
ou poeta 
(poeta, quando puro,  
é anjo. E eu não sou anjo 
nem puro, eu acho).


Meu pai tem tons
de som vibrante de corda e pinho 
que encantam, tão simples.
E semitons
que soam rápidos, feito surpresa.


Meu pai é simples – fala pouco 
e pouco escreve.
Ele, quando toca, me toca.


É um anjo, meu pai.

Meu pai. Agora, aos 89 aninhos...

sexta-feira, agosto 05, 2011

Considerações sobre ideias


Considerações sobre ideias


Fiz um comentário um tanto longo, na edição do último 2 de agosto, acerca do libelo de Batista Custódio “Canção Sozinha à Liberdade (publicada no DM de 29/07/2011). Já no dia seguinte, na capa do caderno Opinião Pública, deparei-me com a carta de um estudante (de jornalismo, obviamente), do seguinte teor:

Jornalismo, um apostolado - “Não se entra duas vezes no mesmo rio”, do brilhante articulista Luiz de Aquino, caiu como uma luva para mim. Como aprendiz de jornalismo, reconheço que nossa profissão deve ser exercida como um verdadeiro apostolado. No entanto, vejo alguns colegas de classe que entram no curso porque sabem que as assessorias políticas pagam bem para o puxa-saco que conseguir encher mais linhas de páginas vazias dentro das cabeças corruptas. Sem dúvida, o tempo flui, a água passa, mas nunca nos molhamos no mesmo rio. A água continha a banhar, e a verdade segue atravessando o peito do atraso e se consagra na honestidade dos homens que impulsionam o progresso moral da humanidade. Bravo, Luiz de Aquino! E concordo: “Aos medíocres, as baratas!” (Paulo Milano de Almeida).

Elogios à parte, gostei de sentir que há estudantes que lêem. E, por isso, sabem expor ideias – e disso o jornalismo não pode prescindir. Atentei ao detalhe de que alguns escolhem o curso antevendo a ocasião de “vencer na vida” sem muito esforço, ou seja, aliando-se a poderosos como aqueles pequenos peixes que seguem os tubarões e vivem das sobras do grandioso banquete. Caríssimo Paulo Milano, não se surpreenda; todos os cursos de todas as universidades brasileiras têm alunos com a deformação (genética ou social) que você denuncia; é triste, mas essa “espécie” prolifera-se rapidamente.

Em meu blog – http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com - recebi outros comentários:

De Adelaide Alvarenga - Adorei a sua fala, ou melhor o seu escrito! Me lembrei de um texto que está circulando pela internet, da Eliane Brum que se chama: "Meu filho, você não merece nada" (http://primeirainfancia.org.br/2011/07/meu-filho-voce-nao-merece-nada/). O seu texto completa o da referida escritora. Se ainda não o leu me avise e o enviarei a você. Parabéns. É gostoso ler o que as pessoas que comungam os mesmos ideais, escrevem. Se a gente conseguisse, escreveria exatamente o que você foi capaz de transmitir. Continue e não permita que ninguém limite os seus sonhos. Como jornalista você é também um grande educador, Companheiro de missão!

De Osair de Sousa Manassan - É impossível conceber um ensino "Superior" sem sólidas bases de "senso crítico" e da formação "humanista". Desiludi-me com a Universidade tecnicista, tornei-me autodidata e recebo o desprezo (preconceito intelectual) dos "acadêmicos". Mas não me encano: sigo Nietzsche com o pensamento de que "o importante não é o que dizem de nós, mas o que fazemos daquilo que dizem de nós..."
Anos atrás, fazia terapia e, na segunda ou terceira sessão, não me lembro o contexto, o psicanalista disse que nunca se interessara por Machado de Assis. Nunca mais voltei ao consultório - como poderia confiar minha mente a alguém que nem lera "Dom Casmurro"?
Concordo inteiramente com você, meu caro Luiz. Por isso não me canso de ler, estudar e praticar. 
Como sempre, uma crônica pra se meditar e apanhar ensinamentos.
Abraços!
De Maria Dulce Loyola Teixeira - Caro Luiz,
é importantíssimo a ética, a fidelidade com os fatos e que saibam redigir, nem digo que tenham um texto rico, mas é fundamental que não cometam tantos erros de português. No Estadão - São Paulo tem uma correção - ou tinha. O que se vê de erros nos títulos das matérias, sem dizer no texto em si... Todos cometem erros, mas é necessário que os jornalistas sejam formados, como você disse e continuem atentos.


E o mais sintético:

Do arquiteto, professor, artista plástico e escritor Elder Rocha Lima - Luiz de Aquino: você, como vencedor, merece as batatas.

* * *


Acerca de "Língua e Matemática"

O Diário da Manhã de hoje, 05/08/2011,  publicou (página 4 do caderno Opinião Pública) comentários de Marlene Waideman, Taninha Rezende, Virgínia Soraggi, Maria Dulce Loyola Teixeira e Jô Sampaio
sobre a crônica Língua e Matemática, veiculada no último domingo, 31/07.


Aqui vai o fac simile; os textos são acessíveis em http://www.dmdigital.com.br/index.php?edicao=8671&contpag=1 (Clicar em "Opinião Pública" no índice à esquerda, virar as páginas até a 4).

terça-feira, agosto 02, 2011

“Não se entra duas vezes no mesmo rio”

Na última sexta-feira, 29/07/2011, o jornalista Batiasta Custódio , editor do Diário da Manhã, publicou um   libelo  que deve ser  lido  por todos os que militam na imprensa, na política, no ensino... Enfim,  nas atividades ligadas às relaçoes  humanas.  Seu título:  Canção sozinha à liberdade.  E é sob o efeito de sua leitura que publiquei, nesta data, no mesmo  DM (caderno Opinião Pública), o artigo a seguir:  


“Não se entra duas 
vezes no mesmo rio”



Lendo Canção Sozinha à Liberdade, exerci uma viagem dessas que qualquer de nós pode e deve fazer sempre que possível, ou necessário, sem parecer saudosista ou egoísta, que o sufixo “ista” (como “ismo”) há de ser medido para não nos levar ao incurso da auto-idolatria, no egoísmo. Há que se fazer então altruísta e não inserir o ofício jornalista na lista dos indesejáveis...


É complicado generalizar! Melhor é viajar dentro de nós, nos meandros da memória, com o conforto do que pensamos ser auto-conhecimento, pois percorremos lembranças como uma criança corre pelos corredores e escadas de um velho casarão, segura como se segurasse a mão do pai. Mas o tempo, que mais parece um livro que se renova a cada minuto, ensina-nos a aprender em silêncio, na alegria da solidão, ou melhor, na companhia de nós próprios.


Gosto de lembrar um ensinamento de Heráclito, aquele do rio. “Heráclito de Éfeso. Era homem de sentimentos elevados, orgulhoso e cheio de desprezo pelos outros" (achei na Wikipédia). “Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio” – teria escrito Heráclito. Não gosto dessa construção “teria escrito”, e forcei-me a usá-la para me colocar no lugar dos colegas jornalistas que chamam de suspeito um sujeito que cometeu, indiscutivelmente, um crime; ele foi visto e identificado por testemunhas, aparece com nitidez nas câmeras de segurança – aparato indispensável na vida atual, tanto quanto os rios o eram há anos, séculos, milênios... Como na época de Heráclito, ou seja, há vinte e cinco séculos! Cabe ao juiz definir se o sujeito que invadiu, agrediu, atirou várias vezes, feriu e matou pode vir a ser chamado de assassino. Só espero que, no ofício de escritor, não tenhamos de, em breve, recorrer ciberneticamente aos juízes para construir nossas frases, contos, romances, poemas; os jornalistas, infelizmente, já vivem esse cerceamento – e não se trata de pré-julgamento, mas de usar as definições que os dicionários nos oferecem.

Capa do Cinco de Março
(Nos tempos do Cinco de Marco, era moda os jornais editarem, para consumo interno os tais “manuais de redação”. Lembro do Batista Custódio argumentar que “manual de redação é uma boa gramática”. Estava certo: o estilo, cada um faz o seu; ninguém legisla sobre o estilo).

Tenho formação acadêmica de professor. Especializei-me como educador. Sou jornalista “da antiga”, no dizer os jovens; ou seja, forjei-me no aprendizado das redações. Esta associação íntima faz-me um fervoroso defensor do diploma para o exercício responsável e ético das profissões. Assim, deixo de ser um burocrata que apenas confere a existência de um papel que ateste a escolaridade e das fotografias em becas e alegrias. Quero o diploma legítimo, conseguido com suor e lágrimas, com milhares de horas de leituras variadas.


Jornalista tem de ter cultura geral. Conhecer de artes, de história e geografia, de ciência e tecnologia. Tem de saber pesquisar, tem de ter sua biblioteca própria, saber do meio onde vive... Sei de colegas que desconhecem as ruas que delimitam o quarteirão onde vivem, muito menos de fatos marcantes na vida de sua cidade nas últimas décadas – muito menos de história, filosofia e sociologia.

(Nesse Canção Sozinha à Liberdade, Batista demonstra o quanto é importante saber da vida e de suas ciências; saber pesquisar e bem aplicar citações e ensinamentos dos mestres da Humanidade. Essa prática existe nos cursos de graduação de hoje? Se existem, são do domínio exclusivo dos professores, porque os alunos não têm alcance a essas práticas. E formam-se sem saber sequer os nomes dos livros onde podemos encontrar tais informações).

Antes, nas gerações que me antecederam e até uns poucos anos idos, a família oferecia padrões de valores aos pirralhos; e a pessoa juntava os exemplos dos mais velhos, as broncas de pais e castigos de mães ao aprendizado escolar para tornar-se “uma pessoa de bem”. É claro que, em alguns casos, a receita desandava, mas o resultado dominante era bom. Hoje, há pais que vão as escolas repreender e agredir professores que “dão notas baixas” aos seus pirralhos malcriados; disso resulta o adolescente drogado que agride, espanca, estupra e mata professores.


Há pais, também, que cobram dos mestres nas escolas ensinamentos que deviam vir de casa. Eu vi, ninguém me contou, um casal dizer (o pai de dedo em riste) a uma professora: “Sou eu quem paga o seu salário; portanto, é do meu direito exigir como você deve se relacionar com o meu filho”. Que bom, hem? Assim sendo, não precisamos mais estudar em universidades; basta irmos até os pais e perguntar-lhes como fazer.

O diploma de jornalista é indispensável, como todos os demais diplomas. O defeito não está na cobrança do diploma; o que devemos cobrar mesmo é o conteúdo dos cursos. Certa vez, deparei-me com quatro jovens e belas moças, todas de branco, escolhendo “pírcins” numa loja. Resolvi puxar assunto e provocá-las: “Estudam o quê”, perguntei; a que parecia líder, já ostentando os brilhosos metais no rosto e no umbigo à mostra, respondeu, orgulhosa – ou com enfado – que era Enfermagem. E não gostou da cara que fiz. Intimou-me: “Algum problema?”. Sim, claro: “Espero não encontrá-la nalgum hospital, pois se você não respeita o próprio corpo, não respeitará o meu”. A moça ficou brava. Calei-me e me retirei, pois já tinha lhes dado algo em que pensar.

Estreei em jornal lá em Anápolis, justamente no jornal O Anápolis, quando do aniversário de emancipação da cidade. Era, pois, 31 de julho, e o ano era 1967. Exerci, primeiro de modo informal, quebrando galho, trabalhos de assessor de imprensa no Banco do Estado de Goiás. Por poucos meses, trabalhei na assessoria de imprensa da Telegoiás. Depois, na Prefeitura de Goiânia e finalmente outra vez no BEG. Atuei noutros órgãos, na mesma função. Em jornais, e foram vários, fui repórter, fotógrafo, editor e editor geral. E sou feliz por ter integrado as equipes do Cinco de Marco e do Diário da Manhã (no DM, desde o seu início).

Saint-Exupéry
Para mim, conceituar liberdade é embebedar-se de utopias. Bem citou o Batista Custódio, em seu artigo que motiva esta viagem ao íntimo e ao passado, uma frase definitiva de Saint-Exupéry: “Só conheço uma liberdade, e essa é a liberdade do pensamento”. Em todos os nossos atos, decisões, atitudes, associações e envolvimentos tornamo-nos escravos. Quando amamos, somos súditos; ante os filhos, somos provedores e servidores; se ricos e empreendedores, limitamo-nos em contratos e parcerias e doamos metade da liberdade quando nos casamos. Só existe uma fórmula para o bom exercício da cidadania, da profissão, do amor, da educação e do suprimento da família: o apego à própria dignidade, que vem recheado de lealdade e confiança, além da consciência da nossa condição aristotélica de que não nascemos para ser sozinhos.

Esses libelos que, a tempos esparsos, o Batista Custódio traz a lume restauram em mim, remanescente da educação severa e do cerceamento dos “anos de chumbo”, a chance de reciclar a leitura, rever conceitos, elaborar ideias e, felizmente, agora, falar aos que vêm.

Há quarenta anos, jovem professor no ensino ginasial e colegial, fui cerceado do ofício. O êxito do meu modo de trabalho causou ciúmes em professores com histórias feitas, e espalharam por aí, em recados a dirigentes de escolas aonde me apresentava para lecionar, que “pode trazer problemas”. Era uma senha, medianamente compreendida, a dizer mais ou menos “ele é de esquerda” ou “é comunista”. Mudei de rumo, dediquei-me de vez à imprensa. Gostei muito da mudança, mas guardo em mim a mágoa contra aquelas duas professoras que, com o apoio de notório dedo-duro, tolheram-me um sonho – o de educador. Jornalista e escritor de livros, é possível que “não oferecesse perigo” ao regime.

Eu e Batista, na redação do Diário da Manhã
Concluo agradecendo ao Batista e deixando uma mensagem aos moços, sejam jornalistas ou professores, acadêmicos ou trabalhadores precoces: suas vidas devem ter estruturas reforçadas pelo aprendizado sólido; sejam elas alicerçadas por valores de respeito ao próximo e compromisso com a sociedade e o futuro. Nada há de mais triste que a ostentação de sabedoria sem o sedimento de fatos e a competência da crítica do merecimento, a avaliação correta e justa. O aprendizado amplo não nos faz superiores nem petulantes, mas traz-nos a riqueza só transferível aos que educamos: o prazer de bem-fazer e de angariar bons sentimentos.

Aos medíocres, as baratas.

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