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sábado, novembro 26, 2011

O tempo e a teima



Antônio Almeida, entre vereador, já diplomado como Cidadão Honorário de Goiânia



O tempo e a teima


Minha fala na Câmara Municipal de Goiânia, quando da
concessão do titulo de Cidadão Honorífico a
Antônio Almeida, presidente da
Editora Kelps, em 24/11/2011.L.deA.


O tempo é o mais justo, perfeito e, por isso mesmo, previsível ingrediente de nossas vidas. Ou, talvez, o homem, animal que costumo qualificar como “bicho sapiens”, tenha conseguido medir o tempo com uma exatidão quase que irreparável.

Mas até mesmo no tempo – esse tempo com que se faz a história, não o tempo do sol e das chuvas, do frio e da canícula – esse “bicho sapiens” interfere!

Ao tempo dos nossos pais, o tempo era grande, disponível, preguiçoso... Hoje, mal nos damos conta de como crescem as crianças e como se tornam, muito rapidamente, ágeis operadores da parafernália eletrônica!

Nós, os que passamos dos cinquenta anos, sabemos que a vida mudou muito nas últimas décadas! Vivemos as infâncias sofridas e sem muitos recursos de lazer fabricado, como os brinquedos vários que, a este grande sertão do Planalto Central, demoravam para chegar. Então, restava-nos a criatividade de transformar mangas, chuchus, pontas descartadas dos carpinteiros e até mesmo carretéis vazios em peças de invencionice infantil.

Era um tempo em que as crianças se tornavam mão-de-obra bem cedo, auxiliares dos serviços gerais de pais e mães. Em muitos casos, aquelas crianças viviam somente para repetir as vidas de seus pais e mães; e em uns casos poucos, as crianças sonhadoras, ambiciosas, curiosas e inquietas fugiam da rotina que lhes era imposta, procuravam outras terras e fusos, costumes e falas...

Ah! A história dos homens está cheia de exemplos.

E entre estes há os que sequer precisaram se aventurar em terras distantes, muito estranhas. São os que, num dado momento da vida, escolhem a mudança imediata, geralmente para uma cidade próxima ao seu rincão de origem – quase sempre a capital do  Estado.

Foi o que fez Antônio Almeida. Deixou que os sonhos criassem asas, mas dominou-os de modo a permitir-lhes o voo possível, sempre. A migração foi de curta monta – de Palmeiras de Goiás para Goiânia. O tempo, esse forte elemento de todas as vidas, exigiu trabalho; muito trabalho. E o crescimento aconteceu de modo especial, as providências exigindo pressa.

Família grande, de muitos irmãos; os pais regendo a vida de modo a não permitir a dispersão “dos meninos”; o empenho pela sobrevivência mas, também, a garra, a determinação: sobreviver era pouco; crescer se fazia indispensável!

A pequena Gráfica Pirâmide, realizando trabalhos de encomenda como cartões e “santinhos” de candidatos, ou panfletos e notas fiscais, um dia atreveu-se a publicar livros. E já se vão quase trinta anos desde aquela remota aventura – o livro Travessia de Gente Grande, do poeta Ademir Hamu; em seguida, aconteceu o meu De Mãos Dadas com a Lua. E de lá para cá, centenas, milhares de novos títulos, colocando Goiânia como uma das cidades onde mais se publicam livros.

A hoje Editora Kelps é uma referência nacional, com repercussão em vários pontos do mundo.

E isso, analisando agora, porque um dia o jovem Antônio Almeida – que a gente prefere chamar de Antônio da Kelps – sonhou que devia crescer.

Cresceu e, com ele, cresceram também os  irmãos, porque seus pais nunca permitiram que se soltassem das mãos uns dos outros; cresceu, cresceram e ajudaram incontáveis escribas – sejam eles ensaístas, ficcionistas ou poetas – a crescerem juntos.

Isso de sonhar, Antônio, faz com que eu o compare ao personagem desse meu poema:


O homem que aluga estrelas


Eu tenho estrelas. Muitas.
Não, não sou dono de todas
as que limitam o teto da noite, não.

Sou rico, minha senhora!
Sou dono apenas das cintilantes luzes
que realizam desejos.

Não são minhas meras luzes
de clarear partículas de infinito
ou de orientar navegantes.

Pertencem-me as moradas da magia,
dormitórios de oráculos e duendes
e de fadas altivas e simples.

Minhas estrelas não existem
para formar constelações, apenas: elas
têm sintonia com corações sonhadores,

ansiosos e crentes, pois só mesmo
a estes é dado o dom de sonhar desejos
e fazê-los acontecer.

Por isso, Senhora bela e amada,
rainha de cetro e de sonhos,
aguarda a tua estrela: já se anuncia.

Demora que se mostre, porque é cedo
 cedo-te de gosto e prazer
a estrela que te cabe e é certa.

Ah! Ei-la! Ali, à margem da nuvem
que se abre no céu. É tua, essa!
Habita-a e te apossa dela.

Em dias próximos terás por real
o que é ainda sonho. Falta-me a paga,
que recebo adiantado.

E assim que me vir premiado
 em moeda de fala e poesia, liberarei a luz
que te trará venturas.

Depois, e quando de regozijo e feliz
puderes deixar minha estrela... É fácil.
Deixa-a no céu. Saberei recolhê-la.


***

É assim, meu caríssimo Antônio Almeida, que te vejo esta noite: o dono dos sonhos que voaram em bando, uma revoada de sonhos vários. Hoje, Antônio, Goiânia lhe traz o gesto de gratidão, o diploma da cidadania honorífica, que a Câmara lhe outorga e que, se fosse possível, traria as assinaturas de todos os editados pela sua... ou melhor, a nossa Editora Kelps.

Deus te guarde!


* * *

sexta-feira, novembro 25, 2011

Algo de réquiem, ainda...


Algo de réquiem, ainda...


Perdoem-me por continuar no tema; preciso desabafar um pouco das dores e agradecer a muita gente. É que absorver o término de uma vida em matéria é demorado, incômodo, triste... Algumas pessoas insistem no aspecto da perda, mas não vejo assim. Prefiro regozijar-me com o tempo vivido do que lamentar a partida.

Em Caldas Novas, nos dias 14 e 15 deste novembro chuvoso, velamos meu pai, que completara em julho 89 anos. Um fator confortante, se posso chamar assim, foi notar que ninguém, dentre todos os presentes ao longo da vigília, compareceu para ser agradável a mim ou aos meus irmãos: todos cuidaram, sim, de fazer a última visita ao velho seresteiro.

Seresteiro, instrumentista, compositor, comerciário (por uns poucos anos, comerciante), marido e pai, avô paparicado e carinhoso, bisavô muito festejado. E, sobretudo, amigo leal. Daí, portanto, toda aquela gente que se revezou nas quase vinte e quatro horas entre o desenlace e o sepultamento, na mesma gaveta onde, desde março de 2004, restou minha mãe, sua companheira por 60 anos.

A infância foi-lhe fácil e bela, pelas ruas de Pirenópolis e margens do Rio das Almas. Contava-me que sua mãe estimulava-o a aprender violão, e tirava-o das brincadeira no horário acertado para as aulas; mas ele, às vezes, escapava e fugia para o Poção da Ponte. Imagino que alguns puxões de orelhas levaram-no a cumprir o desejo da mãe, que, infelizmente, sequer pôde usufruir de seus acordes: faleceu muito moça, aos 32 anos, quanto meu pai tinha apenas 13 anos.

Aos 17 anos, mudou-se para Caldas Novas e nunca quis sair de lá. Nestes quase 73 anos, constituiu o patrimônio imperdível de sua vida: um grande número de amigos, dos quais “ganhou” vários afilhados. Em 1942, minha mãe veio do Rio de Janeiro, a passeio. Ficaria alguns meses em casa de um tio, mas os dois conheceram-se, namoraram e casaram-se em 1944.

Em julho de 1946, dois meses antes que eu completasse meu primeiro ano, meu pai foi iniciado nos mistérios da Maçonaria. Foi o primeiro maçom assim feito na cidade, e com isso iniciaram-se as atividades da Loja Segredo e União, do Grande Oriente. E se essa condição era, para ele, razão de orgulho, imaginem, leitores, a emoção de que se apossou quando, em 2007, foi surpreendido com a Comenda Dom Pedro I (diploma, medalha e carteira), concedida pela cúpula nacional do Grande Oriente do Brasil!

Em junho deste anos, por iniciativa dos confrades da Academia de Letras e Artes de Caldas Novas (o presidente Albery Mariano e os membros Marília Núbile e Alejandro Mejia), o vereador Celso Guaíba propôs e a Câmara Municipal concedeu-lhe o título honorífico de Cidadão Caldas-Novense. Dos moradores antigos, muitos estranharam que a honraria tenha demorado 72 anos, mas a justificativa é aceitável: quase ninguém sabia que ele não nascera lá.

A mim e aos meus irmãos tocaram-nos profundamente as últimas homenagens da Maçonaria local – presidida por José Henrique Bizzoto – e da Academia, entremeando as orações dirigidas por um ministro do Evangelho da Igreja Católica. E recebemos também como especial a visita do deputado Evandro Magal, que criou laços de amizade com meus pais e irmãos desde quando chegou a Caldas Novas, ainda muito moço. Seu artigo no DM de  19/11/2011, foi também muito gentil e emocionante.

E resumo tudo nesta análise: meu pai não teve tempo para ganhar dinheiro e fazer patrimônio material. O máximo que conseguiu, e já ultrapassando a barreira dos 60 anos, foi construir a morada. O tempo, ele o consumiu trabalhando muito. Nas poucas horas de folga, tocava o violão ou o bandolim, namorava minha mãe, dava-nos conselhos e, quando necessário, uma bronca suave, mas forte o bastante para nos induzir a mudanças de conduta. Estudou muito pouco, porque as oportunidades eram mínimas, em seu tempo. Mas...

... mas vendo a afluência de tantas pessoas do meu passado – infância e juventude – que compareceram para o último adeus, enchi-me de alegria e realização: esses quase 90 anos foram, de fato, muito proveitosos!


E que exemplo de vida nos deixou!

Em 1995, curtindo Lucas, o neto mais novo



* * *

quinta-feira, novembro 17, 2011

A vida, as mãos, o violão


Na Academia de Letras e Artes de Caldas Novas (foto: Portal Caldas).

A vida, as mãos, o violão


“Meu pai é simples – fala pouco / e pouco escreve. / Ele, quando toca, me toca. // É um anjo, meu pai”. Assim conceituei meu velho Israel de Aquino Alves, o intervalo entre mim e meu xará mais próximo – o Vô Luiz de Aquino Alves. Israel; Rael, Raé, Tii Rael... Apelidos carinhosos nas corruptelas de um nome!

Israel, meu pai, velho guerreiro: 1922/2011.
“Meu pai tem mãos de amaciar violão”, escrevi um dia, há quase vinte anos. Não sei quantas vezes memorei os versos desse poeminha, que abriu meu livro Razões da Semente, no século passado. Curiosamente, citei pessoas que, para mim, marcam bem a época de concepção daqueles versos: 1993. Mas somente neste 17 de novembro de 2011, três dias após a última despedida, dei-me conta de que sempre conheci meu pai pela habilidade de sua mão esquerda a pontuar as cordas no braço trastejado e festejar o som com a destra.

Edmar, Eliane, Israel, Lilita, Auxiladora; sentados, Ângelo e Luiz (em 1993).

Meu pai, sua mão e violão. O pinho, como metaforicamente poetizam os boêmios das madrugadas, em bares aconchegantes ou em inesquecíveis serenatas ante janelas sagradas de musas angélicas – ou fogosas raparigas de carícias e desejos. O violão, para mim, teve sempre a sacralidade de um templo e o poder mágico de despertar alegrias, amores, poemas – uma contínua felicidade! Não foi em vão que Cartola referiu-se a ele como “bojo perfeito”, em sua imortal “Cordas de aço”.

Padre Alcides (celebrante) e meus pais nas Bodas de Ouro, em 1994. 

Em minha memória, a primeira serenata tem lugar de honra, na mesma distinção do primeiro beijo. Aquela serenata, imagino que nos primeiros meses de 1950, teve o violão de meu pai, o sax de Zé Pinto e a minha voz muito infantil; afinal, eu tinha apenas quatro anos. A calça curta, a camisa azul, os cotovelos grudados no corpo, as mãos postadas sobre os lábios, defendendo-me de um friozinho persistente, as ruas de Caldas Novas iluminadas precariamente por lâmpadas comuns, incandescentes, nos postes de aroeira...

Israel com Marcos Faria (amigo? Ah, virou filho!). Foto: Portal Caldas
Ao voltarmos, minha mãe nos esperava com um lanche oportuno; constatei depois que era a rotina – meu pai esticando canções pelas janelas amigas e minha mãe a esperá-lo. Ele vinha sempre com alguns companheiros e minha mãe lhes servia muitas vezes bolos e quitandas, ou mesmo um providencial jantar que determinava a tocata madrugada adentro, até que o sol determinasse o fim da farra.

Separamo-nos quando dos meus dez anos; fui viver longe, estudar, adolescer, mudar a pele e a voz, criar ideias novas, novos hábitos – mas jamais perdi o gosto pelos tons de violões, o apego àquelas saudosas valsas e canções... E uni a elas a nascente bossa-nova, depois a MPB das décadas de 1970 e 80. A esse tempo, aprendi a acasalar, num processamento para mim dos mais felizes, o prazer da música com a alegria dos textos. 


Dona Lilita, minha mãe:parceria de 60 anos 
Minha mãe, Dona Lilita, musa dele e minha mestra, foi-se antes, em 2004. Tinha 80 anos. Meu velho pai guerreiro atingiu a marca de 89 anos, lúcido e bem-humorado. Há poucas semanas, no aniversário de uma amiga – Edith Ala – resistiu ao chamado para ir embora; queria invadir a madrugada, tirando acordes ao violão, como sempre...

“Dedos ágeis esses teus, meu pai. / Trazem sons que lembram cores / em manhãs de flor e sol, às vezes”. É outro poema, ainda mais antigo... Que continua assim:

“Olha, meu Pai, eu não preciso / um mero domingo em agosto / para te falar de coisas simples / cristalinas e fáceis / (como este sempre envaidecer por ser teu filho)”.  E termina com um apelo:

      Toca outra valsa, meu Pai!


Adeus... A Deus, meu pai!

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segunda-feira, novembro 14, 2011

Jardim da moreira


Jardim da moreira (Rua 24, 58 – Centro)


A palavra sempre nos soa apenas como um sobrenome. Quando a vi designando uma árvore na Rua 24, em Goiânia, era matéria de jornal em que alguns pioneiros e estudiosos da história local contavam que à sombra de sua fronde Pedro Ludovico, idealizador e construtor da nova capital do Estado, enquanto não dispunha de local apropriado, despachava com os auxiliares, ouvia informações e queixas, sugestões e pleitos, assinava papéis...

Pesquisei a palavra no Google, só encontrei sobrenomes; procurei em dicionários: No de Antenor Nascente, nenhuma referência; nem na Enciclopédia Barsa. O Caldas Aulete dá-me como variante de amoreira. Pensei na questão dos nomes impostos aos cristãos-novos e notei que nunca vi Amoreira por sobrenome – tal como temos Oliveira, Carvalho, Pinho etc. Mas Moreira, sim.

Bem, a questão, no caso, não é biológica, mas documental, histórica. A Justiça determinou cuidados em torno da árvore e estabeleceu restrições tamanhas ao imóvel que, certamente, seu proprietário deve lastimar o cerceamento, vejamos:

Atendendo pedido feito pela promotora de Justiça Gerusa Fávero Girardelli, o juiz Jeronymo Pedro Villas Boas determinou que os proprietários do imóvel localizado na Rua 24, nº 58, no Centro de Goiânia, patrimônio cultural do Município, sejam impedidos de fazer qualquer intervenção no imóvel em que está plantada a árvore moreira, também histórica. A decisão exclui apenas as intervenções de caráter restaurador ou conservador. Pela decisão, os donos do imóvel ficam proibidos de realizar qualquer atividade econômica no imóvel, incluída na vedação permitir a instalação de estacionamento de veículos no local. Ao Município de Goiânia, foi determinado que garanta, ininterruptamente, até solução final, a preservação da árvore, por meio de equipe profissional de seus quadros, com o conhecimento técnico que a situação requer. A equipe deverá emitir laudo sobre o estado de conservação da árvore, bem como das medidas adotadas para sua preservação. Foi fixada multa diária de R$ 1 mil em caso de descumprimento das determinações.

Ouço dizer, também, que a árvore está próxima de fechar seu ciclo de vida. Sabemos, é claro, que todo ser vivo nasce, cresce, envelhece, adoece e morre. Recordo que o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, criado em 1808, tem como ícone perpétuo a alameda de palmeiras imperiais ali plantadas, inicialmente, por Dom João, o príncipe regente que arquitetou a independência do Brasil. Há dois séculos, pois, essas palmeiras teriam desaparecido, não fosse o cuidado dos administradores do belíssimo horto no sentido de repor as que caíssem.

Caso isso não ocorra, fica aqui a minha sugestão – ou pedido – para que a Agência Municipal do Meio Ambiente cuide de obter mudas da discutida e agora tão amada árvore-palácio. E por bem há que se plantar duas ou mais mudas no mesmo terreno, visando a continuidade, sempre, de ao menos um exemplar no terreno.

Outra sugestão indispensável, e inadiável, dirijo-a diretamente ao prefeito Paulo Garcia, homem sensível e amante desta cidade, e por isso orgulhoso do breve passado que cabe a todos nós preservar. A Municipalidade deve, com urgência,  desapropriar o terreno, a bem do interesse público, e interferir no sentido de preservar a histórica moreira, instalando ali um jardim simples e bonito, ornamentado com uma mesa e a estátua sedestre de Pedro Ludovico. Sim: mais uma estátua do fundador, agora em tamanho natural e na pose em que, desde o início, deviam ter concebido a honraria. Pedro a cavalo é momento fortuito, casual; sentado, representa melhor seu quotidiano.

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domingo, novembro 13, 2011

Lula e o câncer

Publicado ontem no DM, caderno Opinião Pública:




Recorte do DM, sábado, 12/11/2011



Lula e o câncer


Indigna-me receber piadinhas de humor negro… Ou melhor, piadinhas sem humor algum envolvendo a doença de que padece Luiz Inácio Lula da Silva. Digo falta de humor sobretudo após ver, na tevê, que até o programa CQC, liderado por Marcelo Tass e enquadrado num gênero que chamaríamos de “jornalismo com humor cáustico”, tratou o caso como coisa séria, um tema em que o personagem central deve ser tratado com o respeito que dispensamos a qualquer ser humano, ainda que discordemos de sua linha política, de sua viga ideológica, de suas convicções sócio-econômicas.

Pela Internet, uma piadinha suportável seria tratada como tal, não viesse de pessoas que acrescentam as marcas de seu ódio ao ex-presidente da República. Trata-se de uma frase simplória, mais ou menos assim: “Se Lula perdesse a voz e tivesse de usar a linguagem dos sinais continuaria falando errado, pois falta-lhe um dedo”.

Mas o pior é a proposta lançada nacionalmente por um sujeito que se diz médico – se de fato o for, quero passar bem longe de seu consultório, do hospital a que serve e mesmo de sua pessoa,  pois mostra-se muito mal-preparado para o exercício da Medicina. Ele quer – e achou milhares ou até mesmo milhões de adeptos – que Lula vá se tratar no SUS; e insinua que, por ter sido  presidente, ele é co-responsável pelo caos na saúde, então devia entrar na fila e aguardar dois ou três ou quatro meses para obter um diagnóstico; e no mesmo dia, neste mesmo caderno de Opinião Pública, o mesmo médico diz que a assessoria de Lula informou que o Papa Bento XVI (dezesseis, Sr. doutor) iria orar por Lula; e sugere que o Papa reze também pelos duzentos brasileiros que a cada dia descobrem sofrer de algum tipo de câncer.

Que ótimo! Que o Papa e todos os homens de boas intenções também orem por estes, sejam os duzentos brasileiros de cada dia e os milhares no resto do mundo!Tenho uma sugestão adicional para o caso brasileiro: que duzentos médicos, a cada dia em todo o país, concedam uma consulta gratuita para aliviar o congestionado Sistema Único de Saúde, aliviando assim a dor de tanta gente sofrida e carente! É comum profissionais de outras áreas fazerem isso amiúde – que o digam os professores de qualquer localidade, nível e circunstâncias; e são  também milhares os médicos respeitáveis que se alinham em entidades e instituições sérias, voltadas para o bem social. Estes, os médicos do bem, não têm tempo para fazer piadinhas nem espargir peçonha contra quem sofre, infringindo princípios morais costumeiros desde os tempos de Hipócrates (que nada tinha de hipócrita, como esse médico político-partidário de m...).

Minha revolta, nestas linhas é de solidariedade para com alguém que sofre. Não vi esse médico mandar a falecida e admirável mulher de Fernando Henrique Cardoso se tratar no SUS; ele poupou também o vice-presidente de Lula, José Alencar – mas ironiza e roga praga contra o ex-presidente. Minha revolta, Sr. doutor mal formado, ocorre em nome de milhões de brasileiros que sofrem pelo câncer – seja na própria carne ou no sangue, seja na dor de amigos e familiares. Qual a família brasileira imune ao câncer? Qual delas não amargou as dores e os custos dos tratamentos longos, caros e dolorosos? Ao insurgir-se contra Lula, valendo-se da doença insistente e teimosa, esse médico e seus simpatizantes agridem todos os que têm ou tiveram câncer; e ferem também pais, filhos, irmãos, parceiros de vida, amigos – todos os que se unem na luta contra essa moléstia terrível que, a cada dia aumenta impiedosamente o contingente de sofredores. Em lugar de jogar praga e fazer piadinha, esse doutorzinho devia pesquisar, ajudar na busca da cura e da prevenção. Ou praticar religião, exercitar a solidariedade, estudar filosofia – e, nisso, levar junto os que, desgraçadamente, se alinham a ele.

Já perdi um avô, um tio e um irmão afetivo por conta do câncer; minha mulher perdeu pai e mãe e ainda dois cunhados; são inúmeros os amigos nossos que engrossam a lista. Nós, goianienses, somos colaboradores anônimos das campanhas do Hospital Araújo Jorge há muitas décadas. 

Simpatizante ou adversário das práticas políticas de Lula ou de quem quer que seja, jamais desejaria a desgraça aos meus semelhantes. A família brasileira quer respeito,saúde, segurança e bem-estar. Mas cidadãos como esses, críticos mordazes do Brasil que, para eles, não dá certo, deviam mudar-se para a riqueza de algum país onde se sentissem melhor. Depois de assumirem seu ódio irreversível, talvez se tornassem homens-bombas.

Ainda assim, eu rezaria por eles.


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sábado, novembro 12, 2011


Aos mestres

Oração aos mestres...
Discurso meu em homenagem aos professores, na
solenidade de entrega do “
Prêmio Mais Admirados
da Educação em Goiás 2011
”, em 8 de novembro
de 2011, por iniciativa da Contato Comunicação. 


Neste mundo pós Herbert Marshall McLuhan, unificado pelo entendimento quase que universal da pobre língua inglesa, tempo de mercado globalizado e de uma intrigante facilidade de intercâmbio cultural, mundo em que o tráfico das moedas substitui sem constrangimento os valores que as sociedades priorizavam meio século atrás, que motivos sustentam o ideal dos jovens para a corrida de revezamento do ensino e do aprendizado pelo envolvimento pessoal?

Nós, os do após-guerra, os das turbulentas décadas de 1950 e 1960, vivemos infâncias sob a pressão da educação antiquada, a que exigia respeito aos pais e avós, aos tios e aos irmãos mais velhos e, indiscutivelmente, respeito aos professores. Soubemos exercer aquele respeito sem que a submissão aos mandos nos humilhassem. E soubemos respeitar os professores sem prejuízo do aprendizado. Talvez por isso, muitos de nós sonhamos, sim, com o nobre ofício do ensino em salas de aulas e, por extensão, em campos e laboratórios.

Eu escolhi o ensino. Mas vivíamos uma ditadura, e uma professora enciumada do meu sucesso com os alunos, cuidou de unir-se a um pretenso professor dedo-duro, valendo-se do clima do arbítrio para induzir-me, pela pressão política e econômica, ao tão difundido desvio de função. Por não poder ensinar como professor, migrei-me para a prática das letras de literatura e de jornais.

O ímpeto do ensino, porém, é como vírus resistente. Jamais me afastei das escolas e dos estudantes. Nunca me constrangeu o vocativo professor, mas rejeito com veemência e indisfarçável mal-estar o tratamento de doutor, expressão por demais vulgarizada em todos os meios, a ponto de os doutores verdadeiros preferirem o tradicional tratamento dado aos que ensinam. E os verbetes professor e mestre resumem-se como dos mais dignos e excelsos tratamentos.

Os que detêm o poder de estipular salários, infelizmente, de tudo fazem para aviltar o tratamento – e agora não me reporto ao vocativo, mas aos contracheques dos finais dos meses. No distante 1968, o ano em que iniciei o que sonhava ser a minha carreira principal, descobri que alguns profissionais tinham remuneração diária igual àquela que nos era dada ao mês. Hoje, aqueles das grandes pagas ganham ainda muito mais que os valores corrigidos de quarenta e poucos anos passados, mas os professores continuam restringidos ao piso de dois salários mínimos ao mês.

Aquela senhora professora que aliou-se ao dedo-duro travestido de ensinante no comecinho da década de 1970 fez-me um favor enorme. Por sua atitude, tornei-me jornalista e escritor de livros, pois a poesia já vivia em mim. Não fiz fortuna – professores e jornalistas não existem para fazer fortuna; nem os poetas. Somos feitos para fazer pessoas, seja na transmissão do conhecimento, seja na demonstração dos nossos exemplos, seja na arte do verso e na arquitetura dos sonhos que geram contos e romances, seja no tratamento das notícias de modo a permitir a construção da opinião pública.

Não existimos para constituir patrimônio material; nossa meta é o homem de bem, o cidadão respeitável, a consolidação dos itens da cultura do povo a quem servimos. Quando gritamos por melhores salários e mais condição de trabalho, queremos ensinar com a certeza de que há comida na geladeira, há sapatos e roupas para os nossos filhos e que desejamos ainda respeito e paz para que possamos continuar fortalecendo a cidadania e construindo homens de bem, ainda que filhos dos que, por vezes, posam de nossos algozes.

Como se vê, há inúmeras afinidades entre o repórter e o professor. E a poesia, ponte sólida entre os meus ofícios da sobrevivência, é a cor do arco-íris, é a temperatura do lago e a música da cachoeira, a nota forte no contra-baixo das ondas a quebrar na praia.

Nenhum dos que se tornam cidadãos evoluiu sem o concurso dos mestres, em alguns momentos citados como regentes de classes. Por analogia, e tentando aprimorar, digo-lhes eu que são maestros de almas. E a esta altura da vida, feliz por ter vivido tanto e com tantas provações e vitórias, agradeço a Deus por me fazer gente, pelas oportunidades das boas escolas e dos bons mestres, dos alunos que me sorriem após quarenta e tantos anos do nosso convívio. Agradeço a Deus pela poesia, pelas informações colhidas e divulgadas, por todos os passos e etapas percorridos até os diplomas, os empregos, os salários, as pagas de vários nomes, os versos concebidos e os livros publicados.

Mas principalmente agradeço a Deus pelos professores que encontrei pelo caminho e que fizeram por mim o que vocês, mestres de agora, fazem pelos meninos e moços deste tempo.

Sei que Ele lhes dá sempre Suas bênçãos.

***
Entreguei um troféu de "Mais admirado" à profa.
Terezilda,  diretora do meu Lyceu de Goiânia.
ao Lyceu

quinta-feira, novembro 03, 2011

Irmãos de letras, amigos no tempo


Irmãos de letras, 
amigos no tempo


Era 1963... Já contei algumas vezes sobre esse tempo, aquele agosto da minha chegada a Goiânia. Vinha do Rio de Janeiro, onde vivi dos 10 anos até as vésperas do 18º aniversário. Fui bem recebido nos primeiros minutos, naquela turma de primeiro ano clássico; mas as boas-vindas desapareceram feito mágica quando eu informei que era goiano.

O Liceu, ainda antes de nós...

Contei, já, nas minhas incontáveis crônicas, dos poetas daquela pequena turma. Naquele mesmo ano, em dezembro, Ciro Palmerston estreou em livro; em seguida foi a vez de Emílio Vieira... Ah, não vou falar neles desta vez! Fazer poemas, numa turma de clássico, nos tempos anteriores ao golpe de 1964, era algo um tanto corriqueiro.

Francisco J. Taveira
Vejam, leitores, que consegui obter poemas de dois dos meus amigos de meio século – Francisco Taveira e Mário Alberto Campos. Vamos ver o de Francisco José Taveira. O soneto é Gaivota:



Sê paciente, mas nem tanto 
Que se faça eterna tua espera. 
Apressa-te, estanca o pranto. 
Sorri, e vive a primavera.

Voa, gaivota intensamente, 
Voa gaivota os sonhos teus. 
Que seja teu inteiramente 
o espaço entre ti e Deus.

Deixa no rochedo batido 
de tantas vagas a espuma 
das tormentas e vendavais.

Liberta teu grito contido; 
que brilhe mais a tua pluma! 
Voa e ama muito mais... 



Mário Alberto Campos: a saudade é Musa...
E de Mário Alberto Campos, nascido português e tornado brasileiro aos seis anos, recebi:

“Amigo Luiz, no dia em que estava pegando todas as coisas à toa que a gente vai guardando pela vida a fora, encontrei, talvez, o último poema que devo ter feito. Ainda da época da Casa Portuguesa, com certeza! Prá não ficar com ele só prá mim, vou dividi-lo com você:

Pego este verso 
Transverso 
E escrevo. 
E penso que volto, 
Revolto, 
Aos ares de Portugal. 
Coimbra de lembranças, 
Sem bichas 
Nem fichas, 
mas com Moeda 
E Santa Justa. 
Justa Santa como a terra, 
que soterra 
e enterra, 
mas que floresce e nasce. 
Nasce de amores 
e espalha flores 
nos campos e arredores. 
Arredores de mim 
que envolvem, enfim, 
o meu Portugal! 
Que saudades que sinto!

Abraços de seu irmão, Mário". 

Rua da Moeda - Coimbra, Portugal
Ele acrescenta (respeitando as diferenças lingüísticas entre nós e pátria-mãe): “Ah! Apenas para tirar dúvidas:

Moeda - A rua da Moeda, onde meus avós maternos moravam e lá morei durante um tempo, com minha saudosa mãe e meu irmão depois que meu pai veio, em 1951, para este maravilhoso Brasil.

Igreja de Santa Justa, Coimbra
Santa Justa - Ladeira de Santa Justa, onde moravam meus avós paternos e se localizava a Igreja de Santa Justa, uma igreja bucólica que parecia encravada na ladeira. Me lembro dos presépios dos padres e fiéis – fiéis mesmo?... Ladeira cheia de casas iluminadas, fontes luminosas, trenzinhos –  daquela época, é claro, e portanto, do estilo 1950 – trançando por todo o perímetro do presépio... Como gostaria de lá voltar!".
Presépio em Coimbra

É... é de nós: saudade e poesia, pilastras gêmeas a sustentar amizade!

(E por ser de Portugal, onde se lê “bichas” entenda-se “filas”).



Mário, com a filha Luciana. 



* * *