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sábado, setembro 29, 2012

Ideais sem causa ou falta de leitura mesmo!




Monteiro Lobato, o "pai" da Petrobrás e pioneiro da literatura infanto-juvenil
brasileira: agora, dizem-no racista...

Ideais sem causa ou falta de 
leitura mesmo!



“Meus amigos, estou me cansando de defender a literatura, nomeadamente o Monteiro Lobato. Temo que a burrice vença os meus argumentos, porque, a cada dia, ela está de avolumando, e as pessoas de bom senso, sobretudo as que comandam instituições ligadas à literatura, como as academias, estão se acovardando, sem nada fazerem para mostrar a esses asnos a cangalha que estão querendo nos impingir. Afirmar que Negrinha é racista é o mesmo que afirmar que dois e dois são cinco, é ser inteiramente cego, analfabeto funcional, pois nada capta do texto que lê. Será essa a matemática e a arte que ensinam a esses imbecis, hoje? Será essa a lógica emanada dos programas de ensino do MEC? Os pedrabobos, que fazem um cursinho valita em universidades de ponta de rua, que nada leem, precisam estudar e descobrir que o mundo não começou ontem, com eles, para não dizerem e nem proporem ações escabrosamente quadrupedantes como essa! Será que estamos voltando à Idade Média, será que estão copiando esses exemplos de algum país que pratica as leis do silêncio? Será que estamos perdendo a pátria que temos, porque não mais a estamos tendo em decorrência do silêncio e do abandono à ignorância? Dizei-me vós, Senhor Deus, se é mentira ou se é verdade tanto horror perante os céus desses brasis!?”.



O texto acima é um bilhete circular do professor, poeta, crítico literário e membro (ex-presidente por duas vezes) da Academia Goiana de Letras, José Fernandes. Com argumentos irrefutáveis, ele produziu textos – inclusive uma bela crônica, publicada no DM, demonstrando que não há racismo na obra de Monteiro Lobato, mas os profetas da ignorância levam a discussão para o Supremo Tribunal Federal, imaginem!

O Ministério da Educação já “orientou” as escolas a aceitarem qualquer texto de aluno como certo desde que a comunicação tenha sido feita. Ora, quer dizer que ortografia, regência e outros requisitos gramaticais indispensáveis à boa escrita passam a ser requintes dos bem-dotados. Entenda-se aqui como bem-dotados os que tiverem dinheiro, grana, para conviver em ambientes selecionados, frequentar melhores escolas, obviamente particulares e caras, ficando aptos a destacar-se da plebe ignara, a quem se destina o “ensino facilitado” do português periférico, antes dominante nas feiras, nos cais portuários, nos tanques coletivos e nas beiras de ribeirões onde lavadeiras analfabetas praguejavam quando o sabão se perdia, rodando na corredeira...

Dia desses, num telejornal, ouvi uma repórter narrar: “A produção, este ano, subiu quase mais que dois por cento”. Essa frase ficou retumbando em meus desgastados ouvidos... Lembrei-me de um foca, bem vestido em sua camiseta comercial e uma calça de brim mescla (entendam dins) cheia de rasgos e furos que escreveu “aproximadamente 197 pessoas compareceram”. Esse moço deve ter passado em algum concurso público e estará, a este tempo, usufruindo de salário nababesco. Estudante de publicidade perguntou-me, por escrito, se eu não teria um livro que “dasse informações” sobre as campanhas institucionais das diretas-já (1984) e outras da época. Um jovem autor de outra unidade federativa envia-me seu belo livro pelo correio, com um autógrafo assim: “Ao amigo Aquino”, e assina – sem localidade nem data. O que fiz? Recortei o belíssimo envelope com foto marcante de sua cidade, onde consta a data carimbada sobre os selos e a imagem identifica a origem do mimo.

Ora, ora... já escrevi várias vezes que uma parte do meu sobrenome não sou eu, ou não é eu; eu sou Luiz de Aquino, já que em minha família e em muitas outras, parentes ou não, todas as pessoas se chamam Aquino. Além do mais, não sou soldado, estes têm por tradição fazerem-se chamar pelo nome de família, a que intitulam “nome de guerra”, ainda que em paz.

Acadêmico José Fernandes, da AGL
Recuso-me a assistir aos programas eleitoreiros; já desisti de ver e ouvir jogos pela tevê; recuso-me a conversar com professores de Língua Portuguesa que nunca leram livro algum, formaram-se sabe lá Deus como, e que alegam a Linguística para justificar a aceitação tácita de erros graves pelos alunos – são professores que nada ensinam, já que nada aprenderam. Mas adoro os bons professores da Língua, alguns deles e delas estão entre os meus mais queridos amigos, como José Fernandes, Leda Selma, Maria Helena Chein etc. e tal. Nem vou citar os jovens mestres desse nobre ofício, boa parte deles já autores de poesia, crítica, contos etc. A eles dedicarei, em breve, a homenagem de que se fazem merecedores.

E também me recuso a ouvir os líderes de ocasião, gente carente de legitimidade para tal, que, à falta de bom-senso para arcar com a verdadeira luta pelas igualdades, buscam atuar sob a falseta da ideologia sem sustentação. Desses deve ter vindo também a ideia de adaptar desinência como “ente”, em presidente, colocando um terminal falsamente feminino, ignorando a língua como ciência, impondo um “ideologismo” imbecil.

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domingo, setembro 23, 2012

Césio, menos 25


Césio, menos 25


Será que posso chamar a isso um “trocadilho com números”? É que, há poucas semanas, tivemos a tal conferência Rio Mais 20, em remissão à que aconteceu em 1992... Em Goiânia, e para espanto mundial, tivemos o acidente radiológico – de triste memória, mas que não deve ser esquecido jamais.

Era setembro, a cidade se agitava. Acontecia, no nosso enorme e festejado autódromo, uma etapa do certame mundial de motociclismo. Em setembro, os corações dos goianos festejam o tempo. É quando as chuvas se anunciam, com o florescer das mangueiras e a festa de cores das árvores, na profusão dos ipês e no regozijo das buganvílias, entre outras igualmente belas. E se à natureza juntava-se um evento de alcance internacional, a alegria se dava também no âmbito externos das nossas almas.

Chegaram as primeiras notícias de que algo estranho acontecia no tradicional Bairro Popular, importante segmento urbano no centro de Goiânia. Pessoas acorriam a postos médicos, acometidas de graves feridas e outros incômodos. O grande público não sabia, não se deixou que a imprensa fosse informada – um escândalo poderia tirar de nós a festa das potentes motos e a cidade mudaria da página alegre dos esportes para a dramática dos tristes acontecimentos. Mas, aos poucos, a notícia corria de pessoa a pessoa, das esquinas aos bares, dos pontos de ônibus às repartições públicas, do comércio às sacristias...

Todos souberam rapidamente: coletores de ferro-velho encontraram, como que abandonada, uma espécie de máquina – uma caixa de ferro que exigia alguns pares de fortes braços para ser removida. Venderam-na a um sucateiro na Rua 57. Este, com a ajuda de alguns empregados, abriu a peça e encontrou uma pequenina cápsula de cor azulada; quando tocara, soltava um pó. E descobriu-se que esse pó azul brilhava no escuro. Em pouco, seus parente e amigos, vizinhos e curiosos tocavam aquilo. E como numa maldição comum em filmes épicos, as pessoas passaram de encantadas a contaminadas.

O escândalo foi inevitável. Brasilienses – moradores do Distrito Federal, encravado em Goiás – recusavam queijos de Caldas Novas e frutos de Uruaçu ou ainda qualquer coisa de Araguaína, Aruanã, Rio Verde ou Tocantinópolis (ainda não havia o Estado de Tocantins), “receosos” de se contaminarem, ainda que Brasília esteja a muito menor distância de Goiânia. Em São José do Rio Preto, o garçom perguntou minha origem – Goiânia – e a informou ao maître; este olhava-me à distância, mas aceitou sem reservas o meu cheque com o timbre do Banco do Estado de Goiás, não demonstrou medo.

Compradores de produtos goianos ameaçavam devolver a carga, alegando que poderia estar contaminada; mas aceitavam um desconto substancial – sempre proposto por eles, clientes – sob a condição de ignorar o risco de contaminação... Ficamos vistos, em todo o país, como um povo nojento, asqueroso: goianos contaminam; goianos transmitem câncer (sic)...

Daí eu propor a operação menos – menos 25 anos para que a aura da morte desapareça de vez de sobre nós, de em torno de nós! Desde 1987, apesar o acidente radiológico e apesar de todo o preconceito plantado e disseminado (esse preconceito foi mais contaminante do que a radiação do césio 137), mineiros, paulistas, cariocas, nordestinos, sulistas etc., mas principalmente brasilienses, continuaram se casando com goianos, de ambos os gêneros.

Tive medo diante da notícia. Mas, em pouco, convenci-me de que cada segundo passado é irreversível. Qualquer correção só é possível ante a realidade, a nova realidade. E assim, sobrevivemos todo este pós-césio, com tristezas e alegrias, angústias e felicidades. A vida seguiu seu rumo, pois.

O que conta é saber. Sabendo, evita-se – quem sabe?

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Caronas de estrada


Esta crônica, escrevi-a em 2005, para o DM, sobre fato vivido por mim alguns anos antes, mais precisamente em 1998, quando viajava sozinho de Goiânia a Belo Horizonte, num carrinho novo muito esperto. Ainda em 2005, inseri-a entre outras crônicas que foram veiculadas na antologia Roda Mundo, do editor Douglas Lara. Diverti-me ao relê-la e quero compartilhá-la com os leitores de agora. (Luiz de Aquino - 15/09/45, aniversário de 67 anos).



Caronas de estrada


Já levei muita bronca por conta de uma mania da qual custei a me safar – a de dar carona nas estradas. Tarimbado repórter, com significativa vivência na cobertura de fatos policiais, sempre soube dos riscos, sim, senhor. Mas no fundo, num cantinho muito escondido da consciência e da memória, fica a imagem de eu menino, uniforme de ginásio, polegar para cima à espera de que alguma alma bondosa me poupasse dos sacolejos e dos apertos nos trens de subúrbio no Rio de Janeiro. Mais tarde, em Brasília, a carona era uma instituição séria – os estudantes motorizados reconheciam nas indefectíveis pranchetas, então na moda, colegas da UnB à espera de condução nas saídas das super-quadras.

Também nas estradas, fui useiro das caronas. Principalmente de Caldas Novas para Goiânia, pois havia apenas um horário de ônibus – mais tarde, dois: um pela manhã, outro à tardinha – e perder a condução podia significar a perda das aulas ou do expediente no trabalho.

Tudo bem, era um tempo em que as pessoas eram mais confiáveis, ninguém se vestia de carteiro para assaltar prédios de luxo. Certa vez, dei carona a um soldado à paisana. Era um soldado da PM de Brasília, vinha de Piracanjuba. Ele me perguntou se não tinha medo, dar carona para estranho. Respondi apenas que confiava em Deus, ora!

Realmente, nunca tive problemas, mas resolvi interromper essa estranha carreira de bom samaritano. Ainda nos anos 70, embarquei um casal de hipies na BR-153, no trevo que demanda a Pirenópolis. Os jovens vinham de Belém, viajavam há uns quatro dias em várias caronas, dormiam ao relento e fediam muito. Outra vez, conduzi de Anápolis a Brasília duas mulheres bonitas, mãe e filha – mãe jovem de filha moça. Nasceu daí um começo de amizade e quase que uma paixãozinha, que ninguém é de ferro. Mas ficou tudo no passado.

O caso mais interessante foi dos últimos em que cometi o desatino de ser caridoso. "Fazer o bem sem olhar a quem", ensinava um livrinho do primário, "Lições do tio Emílio". Parei o bom e ágil Gol vermelho, faltavam 150 km para chegar a Belo Horizonte. A moça que me fizera sinal era uma negra alta, esguia, com duas maletas nas mãos, e veio correndo (parei uns 50 metros mais à frente, estava meio acelerado).

"Moço, pra onde o senhor vai? O senhor me leva? Quero ir pra Belorizonte". Sim, eu vou para Belo Horizonte e levo você, sim, entre. Ela não entrava: "Mas o senhor vai parar? O senhor pára, né?". Não, não vou parar. Estou com pressa, moça, entre. E ela, retrucando, já com cara de meio indignada: "Mas o senhor não vai parar mesmo? O senhor não pára nem pra meter no mato?" Não, não quero...

Sem sequer se despedir, a moça correu a acenar para um caminhoneiro, que já brecava a jamanta. Ele, certamente, pararia.

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sexta-feira, setembro 07, 2012

Em quem votar? Ou não…


Em quem votar? Ou não…
           

Conheço inúmeras pessoas que usam, como critério para o voto, o da exclusão. Em linhas gerais, são pessoas que determinam, em primeiro lugar, não votar nesse ou naquele partido, e algumas têm rejeição a mais de um. Depois vem o critério pessoal, que implica não votar em Fulano ou Cicrano, esteja o(a) candidato(a) em que partido estiver. Depois vêm outros critérios de eliminação de preferência, e aí o leque tem muitas pétalas, das mais variadas cores.

Há muito decidi que não voto em candidato porco, desses que não têm escrúpulos em fixar cartazes em qualquer lugar (felizmente, a lei acabou com isso). Lá pela década de 1980, quando o Brasil começou a respirar democracia, os abusos se espalharam sem qualquer limite. O coreto da Praça Cívica, as paredes do Museu Zoroastro Artiaga e outros incontáveis espaços públicos eram revestidos de cartazes eleitorais. Nem mesmo o pedestal da estátua do Anhanguera, ali onde existia a Praça Atílio Correia Lima – mais conhecida como Praça do Bandeirante – escapava da sanha publicitária dos vândalos travestidos de políticos.

Aliás, aqueles vândalos e seus cabos eleitorais transformaram-se nas quadrilhas que, em série, assaltam o Erário, hoje, e aboletam-se no índex do rumoroso processo que conhecemos por “mensalão”. Digo isso como amostra, porque esses caras pululam por aí... Até mesmo o ex-vereador que desviou milhões que a Câmara de Goiânia devia recolher ao INSS está candidato outra vez!

Outro tipo de mau cidadão em quem jamais voto é o que abusa do som em automóveis. Candidato que polui, seja com “santinhos”, seja com alto-falantes, não merece ser votado. Ah, não voto também em candidato cujos amigos ou cabos eleitorais adesivam o carro e andam pela rua pensando que têm mais autoridade do que o candidato quando eleito: avançam sinal, dão fechadas, sobem em calçadas... Esta semana, no hipermercado da Praça Tamandaré, um carro muito plotado de um jovem candidato a prefeito de cidade próxima a Goiânia ocupada uma vaga reservada a idosos sem exibir o competente cartão.

Tem mais: candidato que não sabe falar – se não se articula com o mínimo de correção, vai fazer feio nos discursos e, sem qualquer dúvida, em suas ações. Candidato que chama a Dilma Rousseff de “presidenta” não merece voto, também – é que a língua portuguesa, para mim, é muito mais importante que esse feminismo modal e a intransigência dos áulicos. Engraçado: nem mesmo a presidente Dilma, que, dizem, pôs em decreto sua exigência pelo tratamento espúrio, se atreve a exigir que as Forças Armadas, as Polícias Militares e o equivalentes Corpos de Bombeiros adotem, para as mulheres, designações como “soldada” e “sargenta”. Mas a comandante-chefe das Forças Armadas quer ser chamada de “presidenta”... Será, então, “comandanta”?

Outro tipo de candidato em quem não votar: esses que adotam apelidos esquisitos, como Fulano Automóveis, Cicrano da Ambulância e outros – isso acomete mais os pretensos vereadores, justo por serem em maior número: um que se diz chamar Ninguém; outro é Joel Cueca; tem o José Rôla (com acento); e ainda Pé-de-Cana, Paulinho Babydol (assim mesmo), Pedro Precheca (!), Paul das Girls (precisam ver a foto do tipo!), Chica Chiclete, Cagado (!!), Xota Oi Meu Bem (eu, hem?!), Burrinho da Oficina (deve ser mesmo!), Bimbim, Zezinho Merda (!!!)...

O triste é que esses aí são membros dos mais variados partidos, nenhum deles escapa, quero dizer, nenhum deles exige que seus membros tenham, no mínimo, alguma compostura na escolha de seus nomes políticos. Se não a têm quando candidatos, digam-me, como haverão de se enquadrar nos regimentos das casas legislativas, que gostam tanto de evocar o tal código de posturas?

Deve ser por isso – por abusarem das limpeza das cidades, por abusarem da poluição sonora, por desrespeitarem as leis mais corriqueiras, por violentarem a língua pátria, por adotarem apelidos pejorativos como referências orgulhosas em suas campanhas – que esses caras não vacilam em meter a mão no que nos é cobrado como impostos. E ainda se julgam no direito de invadirem nossos espaços pessoais, como páginas em redes sociais, o telefone fixo e o celular e o nosso precioso tempo com pedidos de votos que vêm sozinhos, ou acompanhados de propostas esdrúxulas.

Bem: nunca votei por obrigação, até porque acredito que, se podemos votar em branco ou nulo, é-nos dado o direito de discordar de tudo; ficar em casa é omitir-se, e o importante é ir às urnas e votar, ou abster-se oficialmente (voto em branco), ou ainda depositar o protesto mais drástico, que é o voto nulo. Este ano, exerço pela penúltima vez a obrigação de comparecer às urnas, mas continuarei votando enquanto der conta de pensar e me locomover.

Como viram, enquadro-me nos que votam sob o critério da exclusão. Tem dado certo, assim. Alguns candidatos, eleitos, traíram-me a confiança. Estes deixaram de merecer meu voto, é claro!

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segunda-feira, setembro 03, 2012

Os que odeiam o Brasil





Os que odeiam o Brasil

Os gaiatos de plantão surpreendem-nos com seus rompantes de criatividade. Seja na adaptação de uma antiga gíria, seja na elucubração de uma nova frase ou ainda em montagens interessantes. Uma delas, de uns três anos atrás, enfatizava comportamentos impostos pelas novas leis. Inevitavelmente, o primeiro item foi a lei-seca, essa que visa a coibir a associação bebida alcoólica com volante.

Pausa: encabula-me o quanto as pessoas rejeitam, sistematicamente, qualquer novidade! Todos sabemos que uns tragos sorvidos reduzem-nos os reflexos e, ao dirigir qualquer automotor, expomo-nos a riscos graves, como acidentes em que causamos danos materiais e expomos as vidas – as nossas e as dos outros. Mas o tal de bicho homem tende a reagir, resistir, burlar, revoltar-se.
Eu dizia de uma mensagem na Internet, lá por 2010 ou pouco antes, em que o sujeito reclamava da lei-seca. E, com ela, comentava que, nos tempos do “regime militar” – eufemismo para a ditadura que nos tirava a liberdade e tolhia nossos sonhos – a gente podia tudo: dirigir um Maverik a 160 km por hora, não usar cinto de segurança, pilotar motos sem usar capacete etc. e tal. Eram muitos os itens, para arrematar com isso: “Só não podíamos falar mal do presidente”.

Sim, falar mal do presidente – na verdade, um general de plantão, com poderes absolutos, às claras; e às escuras, podia prender, torturar, arrebentar e até matar – era absolutamente proibido. Falar mal do presidente dava cadeia, com todos os riscos que incluí logo acima, entre travessões. Ah, havia também o risco evidente de perseguirem nosso filhos e cônjuges (alguém já ouviu alguém pronunciar “cônjuge”? Eta, palavrinha feira, siô e siá! Mais chato, só mesmo o possível sinônimo “esposo”, precedido do inevitável “meu”: “Meu esposo vai me levar para viajar nas férias” – é um tipo de frase que, além do som que me incomoda, denota a subserviência indesejável).

Volto à tal mensagem gaiata do cara que preferia dirigir feito louco, sem cinto de segurança, sem a profusão de lombadas e radares. Ele se esquece de dizer que foi durante o “milagre brasileiro”, lá por 1973, que a velocidade nas rodovias ficou limitada a 80 km por hora e os radares renderam uma solene fortuna em multas. E que a obrigatoriedade do uso de capacete se deu no governo de João Batista Figueiredo, o derradeiro na corrida de bastão que foi aquela ditadura.

Analisei as reações dos usuários da Net – os que pude avaliar. Incrível, quase todo mundo concordava com a brincadeira: podia-se tudo, menos falar mal do presidente. Agora, podemos falar mal do presidente, mas não podemos nada mais – finalizava a mensagem, e era essa frase que as pessoas curtiam.

Parece marcha pela maconha.

No meu tempo de estudante, adolescente, não havia campanha antitabagista, e entendia-se que era muito elegante uma mulher fina, bem trajada e maquiada, tirar da bolsa um maço de cigarros, um isqueiro chique.  Isqueiros eram itens de finesse nas bolsas das mulheres e nos bolsinhos (algibeiras, era o nome) das calças masculinas. Havia, entre os homens, o exibicionismo de se usar um Zippo ou um Ronson – marcas famosas, importadas a altíssimos preços e contrabandeadas para a alegria dos menos afortunados.

Mas não me lembro de professores estimulando alunos ao fumo; recentemente, li artigo de um jovem jornalista comentando sobre a cumplicidade de professores e alunos em rodas, no bosque da universidade, para deliciarem-se com a Cannabis sativa. O artigo citava, ainda, um professor da mesma universidade que declara, em sala de aula, o que ele diz ser um “sonho de consumo”: invadir e assaltar um condomínio de luxo.

Falo disso tudo para chegar a uma figura que anda muito comum no Brasil de hoje – o brasileiro insatisfeito. É um sujeito que não questiona a carga tributária, não sugere melhorias na legislação eleitoral, que remunera quem lhe faça, integralmente, o TCC para se graduar e, depois, a dissertação para tornar-se Mestre; é o que estaciona em calçadas, avança sinais, circula e velocidades siderais em seu carrão, saqueia carga em acidente rodoviário, sonega impostos e... e... xinga o Brasil!

Porque esses tais não se vão, hem? Não fariam falta alguma. São os que nunca, nunca preocuparam-se em melhorar a sociedade. E ficam aí apregoando que aqui tudo vai mal, mas que “lá fora” tudo é maravilhoso. Que se mudem, bolas!

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