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sexta-feira, março 29, 2013

Faleceu Mauro Borges, aos 93 anos


Em 1999, era eu editor do semanário Gazeta de Goiás. Nessa condição, entrevistei o eterno governador Mauro Borges - essa peça jornalística está também no meu livro "Deu no Jornal", publicado em 2000. Transcrevo-a para que meus amigos leitores conheçam um pouco desse grande estadista que organizou o sistema administrativo de Goiás, enfrentou os militares em 1961 quando da Campanha da Legalidade e, em 1964, foi deposto pelo primeiro presidente do regime militar.  Em 2002, tive o privilégio de trabalhar com ele, coordenando o processo editorial de seu livro Tempos Idos e Vividos - Minhas Experiências (memórias). (Luiz de Aquino)



Entrevista com Mauro Borges

(26/09/1999) 

Como era, para um garoto em 1930, ser filho de um governador em Goiás? Como era sua vida no começo da Intervenção Federal?
Eu estou escrevendo um livro de memórias, e a primeira parte dele é justamente a minha infância em Rio Verde. Nem todas as crianças tiveram uma infância marcante, que influenciou tanto a sua personalidade, como foi o meu caso em Rio Verde. Rio Verde era uma cidade com aspecto muito interessante na época, era uma cidade pioneira, com uma frente de desenvolvimento... uma cidade mais ou menos faroeste, com uma vida bem parecida com a daquelas cidades do Velho Oeste americano: uma cidade de gente armada. As brigas eram sempre muito sérias. Meu pai era médico e sempre me chamava: "Mauro, vamos visitar os meus doentes, venha comigo". Tínhamos um fordinho-de-bigode e íamos ver os doentes dele. Lembro-me uma vez em que visitamos seis casas. Em quatro delas, os doentes eram feridos à bala. Pode ter sido uma coincidência, mas era sempre assim. Realmente, era um povo muito valente, muito independente. E, você sabe, a questão do meu pai (Pedro Ludovico Teixeira, interventor federal em Goiás de 1930 a 1945, período em que construiu Goiânia para ser a capital de Goiás), do meu avô Antônio Borges e do Ricardo Campos. Eles é que levantaram a bandeira do Sudoeste Goiano contra o governador de então, que era chefiado pelo senador Antônio Ramos Caiado. Essa ação começou com um jornal chamado Sudoeste. Não era mais uma questão, digamos assim, de caiadismo, não. Isso era uma coisa geral no Brasil. Era uma época de influência dos grandes líderes locais, a que o pessoal se habituara a chamar de coronelismo. Mas isso não era só em Goiás, era no Brasil todo, era uma coisa da época, tanto assim que a Revolução de 30 foi em :grande parte para mudar isso. As mulheres não votavam, imaginem! Elas não tinham o direito de votar, e aquele tempo está tão próximo, não é?. É um absurdo. Mas isso,  eu quero frisar para não parecer que seja rastro de má-vontade com os Caiados, com o caiadismo, isso era uma coisa generalizada no Brasil todo e Goiás não era exceção. Havia isso, uma política brava, com aspectos gerais de prepotência em todo o País. Por isso havia muito uso da força, da pressão política etc. Bem, nós reagimos: meu pai reagia, meu avô, os amigos dele. Quando de eleição, apesar de proibido, todo mundo ia armado, com carabina a tiracolo, revólver na cintura aparecendo... era regime de luta ostensiva. Interessante é que isso acabava atingindo as crianças também. A luta política se passava com os adultos e os meninos herdavam e mantinham a mesma atitude. Eram grupos de crianças brigando umas com as outras... Então, eu vejo um passado muito interessante. Meu pai caçava quase todo fim de semana, tinha canil, cachorros presos em quantidade, e ele ia caçar de caminhão, com aquela cachorrada, essa coisa toda. Era um ambiente, sob certos aspectos, medieval. Essas grandes caçadas não existem mais. E nós fazíamos parte daquilo tudo, aprendíamos a atirar muito cedo. Eu, com oito anos de idade, ganhei de meu pai uma espingarda de nove milímetros. Portanto, era um ambiente de faroeste, na verdade. Todo mundo era lutador, todo mundo era valente, e essa criação me atingiu, é claro. Assumi tudo aquilo que as outras crianças também assumiam, mesmo quem não tivesse vocação para a coragem acabava tendo muita coragem. A infância em Rio Verde me marcou, porque quem não era valente não se estabelecia. Qualquer líder político tinha que lutar. Tínhamos brigas grandes, os nossos pais lutavam lá por cima e nós, os meninos, aqui em baixo, um grupo contra o outro, etc. O que realmente acontecia é que nós ficamos aguerridos, essa é a expressão exata. Todos sabiam atirar, andavam armados, todo mundo de canivete, faquinha na cintura (risos)... Era muito interessante. Eu tive influência disso tudo, inclusive até para a escolha da minha profissão de militar.


Como se deu a opção pela carreira militar?
Eu decidi ser militar em parte porque a Coluna Prestes passou por lá. Eu a chamo de Coluna de Miguel Costa, ou de Luís Carlos Prestes. O Luís Carlos Prestes naquela época não tinha nada de comunista, o comunismo, para ele, veio depois de 1930. Bem, fomos preparados psicologicamente para o futuro, para outras lutas que vieram. Para nós, essas lutas não eram novidade porque assistíamos isso desde criança. Elas influenciaram muito nas decisões graves que eu tive de tomar durante o curso da minha vida. Tudo isso não foi mais do que reviver os tempos de infância. Certa vez, vi minha mãe na porta de casa e um tenente com o pelotão, um tenente da polícia, bêbado, com um revólver na mão, dizendo que ia matar meu pai. Ele dizia: "A senhora pode se considerar viúva, eu vou matar o seu marido”. Eu era menino de nove anos e via aquilo tudo, ficava escutando, porque o pensamento que vinha na minha cabeça não era o de chorar nem de pedir pelo amor de Deus. Pensava: "Como é que eu vou fazer para impedi-lo, aonde é que eu vou, com minha espingarda, para dar um tiro no tenente?” Esses pensamentos nunca eram de entrega, de concessão, mas que vinham às nossas cabeças de crianças como providências de luta armada que nós íamos fazer, e isso marcou muito o futuro da gente, de todos nós. Era um ambiente geral de luta. Quem não tinha capacidade para lutar não se estabelecia politicamente.

Então o Sr. se dispôs desde de garoto a ser militar?
Eu dizia assim: "Vou ser militar ou caubói (risos). Mas uma coisa interessante é que a Coluna Prestes passou próximo de Rio Verde duas vezes, e numa delas entrou um grande amigo, Atanagildo França, uma espécie de irmão de meu pai, tão grande era a amizade entre eles. A coluna Prestes era dividida em vários destacamentos, e no primeiro dia em que ele entrou em combate, quando houve um ataque na fazenda Zeca Lopes, pertinho de Jataí, o primeiro brinde que recebeu foi um tiro de fuzil no peito que transfixou-lhe o corpo. Ele estava muito mal quando Siqueira Campos se aproximou e disse: "Que falta de sorte a sua, logo no primeiro combate, você sofre um ferimento tão grave. Você não vai poder acompanhar a coluna, vai ter que ficar." Atanagildo respondeu que não ficaria: "Eu vou de qualquer forma, nem que seja para morrer em cima de um cavalo". E foi. Daí a uns vinte dias, ele estava bonzinho já, já lutando. Não havia penicilina, não havia antibiótico naquele tempo. Aquela era uma época diferente, de muito idealismo e coragem. Atanagildo merecia ser mais lembrado em nosso Estado pela sua participação nas 1utas, que eram lutas, na verdade, de fundo político. Quais eram os objetivos da Coluna Prestes? Eram justamente melhorar as condições políticas, de representatividade, por eleições mais livres, pelo voto secreto. Não havia voto secreto naquela época. Imagine um sujeito pobre, desvalido, lutar abertamente contra os poderosos. Como é que ele ia sobreviver das perseguições? O voto secreto era de absoluta necessidade, assim como o voto feminino. Então a coluna lutava pela melhoria das condições políticas, por maior eficiência contra a corrupção. Corrupção já existia naqueles tempos.

Mesmo sendo militar, o Sr. acabou desempenhando algumas funções fora da caserna; na Estrada de Ferro, por exemplo. Depois elegeu-se deputado e, mais tarde, governador... Qual era a sua arma?
Infantaria. O que acontece é que fui para o Exército com uma vocação muito grande, quase compulsiva. Eu gostava da vida militar, sempre gostei, gostava muito do Exército. Fui até o posto de capitão absolutamente dentro das atividades militares, depois fiz curso de Estado Maior. Estado-Maior era o curso de maior importância no Exército, era uma espécie de PhD, e nós éramos os oficiais mais jovens, eu e o coronel Petrônio, que era meu companheiro de estudos. Depois é que eu realmente comecei a mudar um pouco e fui ser diretor da Estrada de Ferro Goiás. Meu pai, que já havia estado no governo, foi eleito nas eleições de 1950. Em 1951, ele tomou posse, a mesma coisa que aconteceu com o presidente Vargas. Eu já tinha feito o Curso de Estado-Maior. O País estava em calma, não havia guerra, e, como eu tinha feito um curso de terceirização de transporte ferroviário, achei bom que pudesse ir para Estrada de Ferro de Goiás. O nome que era “de Goiás”, mas ela era uma estrada de ferro federal. Aí eu poderia dar uma contribuição para o desenvolvimento do meu Estado, e foi o que fiz, e realizei um trabalho grande Acabei mudando a sede da estrada de Araguari para Goiânia. Foi uma luta muito grande, e realmente merece um livro bonito. O pessoal de Araguari reagiu, assim como a política mineira, de todo o Triângulo Mineiro. Eu prestigiava a cidade de Araguari e não iria mexer com os funcionários, mas transferir apenas os necessários. Não ia tirar de lá as oficinas, instalações grandes, não ia querer trazer para Goiânia tudo aquilo, mas só a gerência, a administração. Porque realmente a estrada tinha o nome de Goiás mas servia muito pouco para Goiás, era uma estrada atrasada e os interesses maiores ficavam ali mesmo em Araguari e não no Estado de Goiás. Trabalhei três anos na ferrovia, conheci muita gente na área. Entusiasmei-me com a missão, a estrada era muito necessária, naquela época não existiam essas grandes rodovias asfaltadas, esses grandes caminhões, tudo dependia da ferrovia e a ferrovia não estava preparada para isso. Eu fiz outra estrada, praticamente, porque eu desenvolvi um trabalho muito intenso, quase que dobrei sua capacidade de carga. Essa é uma história interessante: eu arranjei um camarada aposentado, o Sr. Garcia, da Sorocabana. Ele era um velho ferroviário, ficou sendo meu professor, porque eu não tinha experiência de ferroviário. Quando precisamos de alguma coisa, e não tínhamos dinheiro para comprar, por que tudo era caríssimo, ele sugeriu: "Pede ao diretor da Sorocabana., eles têm inúmeras locomotivas encostadas. Quando elas começam a ficar velhas, eles arranjam outras". Aí eu pedi e ganhei tudo emprestado, equipamentos que nunca mais voltavam (risos): trem noturno para passageiros, uns vagões especiais... São muito interessantes essas passagens. Mas eu ia à luta, corri muito risco nessa ocasião, o pessoal (de Araguari) não se conformava de perder a sede.

Isso foi na primeira metade dos anos 50...
Isso foi em 1951. Fiquei uns tempos e, depois, quando o Getúlio se suicidou, em agosto de 1954, eu pedi minha exoneração e voltei ao Exército, fui servir no Rio Grande do Sul.

Sua esposa, Dona Lourdes, era gaúcha. Quando o Sr. se casou?
Logo que eu sai da academia militar, que naquele tempo se chamava Escola Militar do Realengo. Eu me casei com 24 anos e ela, 16.
(No dia 15 de fervereiro de 2000, Mauro Borges completou 80 anos de vida. O jornalista Nilson Gomes, do Diário da Manhã, entrevistou-o rapidamente, enquanto amigos lhe ofereciam uma serenata: Qual foi o cargo mais importante que o Sr. ocupou?, perguntou-lhe Nilson. O ex-governador respondeu sem vacilar: “O de marido de Lourdes”).

Como o Sr. conheceu Dona Lourdes?
Santa Maria é um grande centro estudantil, tinha muitos colégios e é uma cidade central do Rio Grande do Sul, que é estado de fronteira com o Uruguai e a Argentina. Fui servir lá no 7º Regimento de Infantaria, foi quando a conheci e logo me apaixonei (risos).

Ela era de São Borja?
Ela era de uma cidade vizinha de São Borja. Os parentes dela tinham uma fazenda, nas cabeceiras do Rio Itu, é o rio que corta o Uruguai e a fazenda do presidente Vargas, da família Vargas. Chamava fazenda do Itu, era o mesmo rio. Ela tinha um parentesco, um pouco distante, com Getúlio, que se chamava Getúlio Dorneles Vargas, e ela, Maria de Lurdes Dorneles Estivalet. Pois é, ela era parente do Getúlio, o presidente. Mas eu não vou te falar mais não, senão você vai furar meu livro (risos).

O Sr. chegou a servir com o presidente Getúlio?
Sim, eu tinha servido dois anos em Foz do Iguaçu, que era uma guarnição especial de fronteira, lugar de sertão, não tinha luz não tinha nada. Depois de dois anos na guarnição especial de Fronteira, tive o direito de escolher o lugar onde servir. Escolhi Petrópolis, que tem um clima muito bom, é perto do Rio de Janeiro... E foi justamente logo depois que eu me casei. Eu fui dar guarda lá no palácio e me apresentei ao Presidente. Ele tinha a guarda pessoal, mas nós éramos a guarda do Exército, mais armada, em maior número, por que já tinha havido um incidente grave, eles tentaram matá-lo, naquele Palácio (Palácio da Guanabara) perto da Rua Paissandu, no Rio. Havia realmente uma necessidade da guarda para atingir toda a área do palácio. Eu fui me apresentar a ele, como é da praxe militar: o presidente precisa conhecer o comandante.

Ele passava temporadas em Petrópolis, ou só fins de semana?
Passava mais de três meses. Quando começava a esquentar no Rio, ele ia para Petrópolis. Algumas vezes voltava em março, mas de outras, só saia na véspera do Dia do Trabalho (primeiro de maio). Essa tradição de Petrópolis não era dele só, vinha desde os imperadores D. Pedro I e D. Pedro II. Por isso, já havia o palácio (Palácio Rio Negro) lá. E, realmente, Petrópolis é um lugar muito agradável. Moramos dois anos lá, o meu primeiro filho, Mauro Jr., começou a engatinhar lá em Petrópolis.

São quantos filhos? E netos?
Eram cinco, agora são quatro, faleceu o Pedro. Tivemos quatro homens e uma mulher. E já tenho 11 netos.

Como foi a sua decisão de entrar para a vida política propriamente dita?
A vida política preliminar foi quando do meu tempo na Estrada de Ferro Goiás, quando deixei a função militar. Foi a primeira incursão fora do Exército, mas havia já um período de lutas muito intensas aqui em Goiás, desde quando o Jerônimo Coimbra Bueno (candidato da UDN, União Democrática Nacional) foi eleito – o PSD (Partido Social Democrático) perdeu a eleição eu não me lembro se foi o Juca (José Ludovico de Almeida) o candidato, mas ganhou o Coimbra; havia muita violência na época, foi assassinado o capitão Getulino (Artiaga), eu fiquei muito preocupado com a segurança do meu pai. E havia a criação de Brasília, aquele movimento... Eu tinha vontade de participar. Ali eu fui fazer parte da comissão da Novacap, o chefe era o Israel Pinheiro. Eu tinha uma atividade fiscalizadora e podia prestar bem este serviço, não só para Goiás mas para o país. Eu me entusiasmei muito com isso e fiz um bom trabalho, também no sentido da transferência da capital, no sentido da escolha do local lá em Brasília, etc. Aí eu tomei gosto pela política e resolvi, depois, ser candidato a deputado federal. Tive bastante sucesso, fui o mais votado (1958). A Câmara então era no Rio de Janeiro, ficamos um ano lá e depois fomos inaugurar o Congresso Nacional em Brasília (21 de abril de 1960).

E em 1960, o Sr. foi candidato a governador.
Aí eu vi que teria chance de disputar o governo do Estado. Meu pai era um homem de muito prestígio, o PSD era um partido forte e o problema era justamente ser o candidato do PSD. O meu competidor era um homem que tinha bastante prestígio (Juca Ludovico), já havia trabalhado com meu pai antes, já havia sido governador. Não foi muito fácil, mas eu era bem mais jovem, tinha mais fôlego e, ao final das contas, fui eleito bem. Aí, pus em prática os conhecimentos do Estado-Maior. O fato é que eu aprendi a planejar. Eu fiz a campanha simultaneamente com a preparação do planejamento: "Se eu ganhar, o que é que eu vou fazer?" E comecei a pedir a colaboração do povo, de me dar por escrito as necessidades, e isso me ajudou muito. O povo ficava entusiasmado em participar do plano e isso ajudou demais a ganhar a eleição.

O Sr. foi o idealizador, no Brasil, das Secretarias de Planejamento.
Fui. Quando cheguei ao governo, fiz a primeira secretaria de planejamento do Brasil. Não só fiz o plano, como trouxe uma turma inteirinha da Escola Brasileira de Administração Pública, da Fundação Getúlio Vargas, para me ajudar, porque eu desenvolvi uma ação administrativa muito ampla. Tive que trazer muita gente de fora porque, naquela época; havia uma certa dificuldade... Não havia as universidades de hoje, não havia preparação para arranjar gente de nível elevado. Não era muito fácil, porque não havia escolas superiores, era só curso de Direito. Era necessário, mas não era suficiente. Havia também o déficit de dinheiro, porque eu arranjei muita gente de fora; falta de material humano com alta qualificação, havia falta de gente... E fiz o plano. E plano é plano, está sujeito a modificações. Muitas vezes, esses órgãos que criei, mais de vinte órgãos específicos, eram de tal importância que a estrutura do estado não era adaptada, preparada para executar esse volume enorme de ações no campo da educação, dos transportes, da infra-estrutura, das coisas essenciais e do desenvolvimento. O Estado não tinha condições, então eu tive que trazer muita gente, veio essa turma da Escola Brasileira de Administração. Quer dizer, eu fiz uma renovação, nós demos uma sacudida de terremoto em Goiás.

Alguns ficaram. O Sr. lembra de alguém especificamente?
Muitos ficaram. Sim, lembro, mas eu posso esquecer, eu não quero citar nomes. Alguém pode dizer a você:  "Não lembrou que eu fiquei também?"... é complicado (risos).

E não se pode furar seu livro.
Mas o fato é que... só para falar no campo da educação, nós tivemos que fazer três centros de treinamento de professores, porque uma grande parcela dos professores eram semi-alfabetizados, eu não sei se eram semi-analfabetos; tem aquela coisa.


Era Catalão, Morrinhos...
É, era Catalão, Inhumas e lá na ponta do bico do papagaio, lá naquela virada, eu esqueci o nome (Tocantinópolis, hoje no Estado de Tocantins). Eram três grandes obras, obras enormes, chamava todas as professoras, elas tinham um entusiasmo enorme, que emocionava a gente porque elas não tinham chance, eu tive que trazer professores de Minas Gerais para poder ajudar esse volume enorme de estagiários, para melhorar as condições. Então eu tinha que trazer muita gente de fora, era um problema imenso no campo educacional, gente muito boa, que não faz rodeios, me ajudou muito naquela época, muita gente... eu não quero citar nomes que a gente esquece... o Consórcio Rodoviário
Intermunicipal, o Crisa, esse negócio que eu fiz foi o primeiro que existiu no Brasil, depois a quantidade de Estados aí que nos copiou exatamente porque foi uma solução para melhor... e a Esefego (Escola Superior de Educação Física de Goiás), que hoje é uma faculdade de Educação Física e Fisioterapia, nós fizemos uma quantidade de coisas enormes, como a Efomargo (Escola de Formação de Operadores de Máquinas Agrícolas e Rodoviárias), começaram a agir com propósitos políticos, o pessoal estava atrás de uma vaga política e acabou que a escola se desmoronou, uma escola formidável! Goiás é um estado que se desenvolveu muito rapidamente, a agricultura e não tinha gente para operar os tratores modernos, eu criei uma escola para isso, a escola de tempo integral você ia lá em regime militar, todo mundo de uniforme, de macacão para trabalhar, disciplina forte. Eles, os fazendeiros, acabavam procurando os alunos da Efomargo para trabalhar nas fazendas.

Desses órgãos, qual o que se pode chamar de a menina dos seus olhos?
O Consórcio, o Crisa (Consórcio Rodoviário Intermunicipal S. A., que, com a reforma administrativa promovida pelo governo de Marconi Perillo em 1999, passou a integrar a Agência Goiana de Obras Públicas). Quando eu fui convidado para participar da inauguração (do espaço cultural com o nome de dona Lourdes Estivalet) eu fiquei muito honrado e todos... Quer dizer, não tinha nada, era só uma secretaria. Só no campo da agricultura, eu criei a Caesgo (Companhia Agrícola do Estado de Goiás), a Casego (Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Goiás), a Efomargo – uma porção de órgãos. A Caesgo é essencial para guardar os cereais. Onde ó que se ia pôr os cereais? Tinha que botar no asfalto, cobriam com lona a produção em cima das ruas asfaltadas... E por aí foi um sem-número de coisas. No setor de saúde, eu tive que organizar a Osego (Organização de Saúde do Estado de Goiás), a Iquego (Indústria Química do Estado de Goiás)... não adiantava dar a receita sem dar o remédio, o pessoal era pobre, então foi criada uma alternativa para dar o remédio para o pobre e por aí foi. Eu criei sabe quantos órgãos, desses que terminam em GO? Iquego, Metago (Metais de Goiás S. A.)... ela descobriu o fosfato de óxido de Catalão, a maior jazida de amianto do mundo, que é em Minaçu, e tantas descobertas que nós fizemos. Então, esses órgãos que eu criei foram marcantes nas suas necessidades e por aí foi. Então, realmente foi um governo... parece que eu tinha a intuição de que, não ia demorar muito, eu ia ter choques, dificuldades. Eu entrei em choque com a revolução (de l964) e saí, perdi os direitos por 14 anos e, então, eu tinha que trabalhar depressa, ali parece que eu tinha uma intuição... Como eu dizia, eu entrei rachando, com toda força, para fazer o plano e depois executar o plano com rapidez, com quatro anos de governo. O Consórcio tinha que fazer 2.000 km por ano de estradas intermunicipais, eu já tinha mais de 10.000 em quatro anos. Quer dizer, eu atingi as metas um ano antes do prazo.

A sua posição diante da crise da renúncia do Jânio Quadros pode ter influenciado na indisposição dos comandantes militares de 1964?
Ah, sim, sem dúvida nenhuma! Aquele golpe que foi dado na revolução, em 1964, era para ter sido feito naquela época. Mas acontece que a reação de (Leonel) Brizola e a minha atrapalharam a mudança e ela não pôde ser deflagrada de um modo concreto. Mais foi... Digamos assim, ela estourou em 64.

Gostaria de saber a opinião do Sr. sobre algumas pessoas. Leonel Brizola?
Brizola é um homem de grande coragem pessoal, inteligente. Mas eu acho que ele sai um pouco fora dos limites da audácia, da coragem, e passa a ser temerário. Há uma diferença entre valente, bravo e o que faz coisas dentro de uma viabilidade, mas há aqueles que passam além disso e, sem medir as conseqüências, pode causar um desastre. É um temerário. Vai mais além da coragem.

Juscelino Kubitschek?
Era um homem extraordinário! Ele e o presidente (Getúlio) Vargas foram os maiores presidentes que o Brasil teve.

O professor Gomes Filho costumava dizer que se Pedro Ludovico não tivesse construído Goiânia, Juscelino não construiria Brasília.
Ah, é verdade. Sem dúvida, Goiânia foi essencial para construir Brasília.


Miguel Arraes?
Eu o acho um homem até complicado... não posso fazer um juízo dele, é difícil interpretá-lo.

Jânio Quadros? 
Muito inteligente, muito dinâmico e capaz, mas também com um certo desequilíbrio entre a realidade e o sonho.


Como nós podemos interpretar aquela renúncia atualmente?
Eu diria que ele teve uma sede de poder total. Ele tentou uma forma (de golpe), sem preparo suficiente, e deu nisso: ele renunciou mesmo, mas a intenção era ter mais poder para continuar melhor.

Pedro Ludovico – o homem, o político.
Bom, tenho muitos trabalhos parecidos com os de meu pai. Eu acho que ele era um homem idealista, puro e de grande cultura filosófica; corajoso, de uma coragem pessoal muito grande. Era um homem de conhecimentos muito amplos, havia jornalistas que iam entrevistá-lo e estranhavam, porque ele tinha uma fama de homem valente e em tudo parecia um coronelão daqueles tempos, mas não era. Era leitor de Espinosa (ele lia muito filosofia), de história antiga... Ele sabia tudo de Roma, de Esparta, de Atenas, do Egito; tinha grande conhecimento histórico e, sobretudo, era um grande pai.

Esses ingredientes – coragem, cultura, equilíbrio – faltam aos políticos atuais? Quem é o político de hoje que reuniria esses predicados?
São homens realmente marcantes, com coragem; esses homens têm que correr risco, não podem ser tímidos. Risco de não acertar bem, risco de morrer... Risco de uma porção de coisas.

O Sr. acha que a era dos estadistas acabou?
Acabou não, mas ele (o tempo) sofre hiatos. O presidente da República (Fernando Henrique Cardoso) é um homem intelectual, mas não ó um líder carismático; ele não tem carisma, não tem a energia dos grandes construtores, como era o caso do Juscelino; era o caso do meu pai, Pedro Luduvico; como era o Getúlio. E ele é um grande intelectual, digamos assim.

Quem é bom político em Goiás?
Eu acho que tem muitos políticos competentes, inteligentes. Eu acho que o Marconi (Perillo), pelos contatos que tenho mantido com ele, acho que é um homem extraordinariamente bem dotado de inteligência e capacidade de direção, quer dizer, ele pode não ter tido uma formação de chefia, estudos especiais. Mas ele tem uma grande vocação de chefia, ele já tem aquelas qualidades inatas, ele sabe dirigir, sabe comandar, é enérgico e inteligente. Ele é impressionante; pela idade, ele é fora de série. Eu acho que vai fazer um bom governo para Goiás.

 
Ex-governador Irapuan Costa Júnior, Mauro Borges Teixeira (de bengala), governador Marconi Periilo,  eu discursando e Leoni Teixeira, no Palácio das Esmeraldas, quando do lançamento do livro de memórias de Mauro Borges, Tempos Idos e Vividos - Minhas Experiências.

quinta-feira, março 28, 2013

O pastorputado e os radialistas loquazes


O pastorputado e os radialistas loquazes


Aos poucos, vamos nos convencendo de que nada mais nos surpreende,  como diz a netinha de 5 anos do meu querido Marco Lemos. Nem mesmo a fala, com uma pose de bom orador, do pastor Marco Feliciano, o deputado presidente da Comissão de Direitos Humanos ao assumir uma medida drástica.

Parênteses: não tenho preconceito vocabular. Aceito bem expressões como preto, gordo, velho, magricela, aleijado, cego, puta e viado (não é veado, que este é o animal; viado é síncope de “desviado de conduta” – um conceito antigo e vencido).

Na quarta-feira, o pastor deputado presidente mandou a polícia parlamentar – um grupo de brutamontes pagos com nossos impostos para dar segurança a parlamentares que só precisam disso porque agem contra os preceitos democráticos – prender um “senhor de barba que me chamou de racista”. Minutos depois, num outro auditório à prova de povo, ele pronunciou que às vezes é preciso adotar “medidas áusteras”. Nossa! Faltou lembrar que não é contra gays, apenas se comporta como um homem “púdico”.

Para legitimar a eleição do deputado mais bem votado da história, fizeram até arguição com o Tiririca; acho que deviam fazer o mesmo com os demais, pois os repórteres debochados do CQC, aquele programa jornalístico cheio de humor da TV Bandeirantes, já demonstraram que nossos parlamentares são ruins de Português, de Geografia, de História e de Matemática. Deviam voltar para a Escola de Primeiro Grau.

Mas as bobagens ditas na tevê não vêm só do populacho ou dos nossos “legítimos” representantes políticos. Atores, apresentadores, repórteres e comentaristas, de ambos os gêneros, repetem à exaustão “há anos atrás”, falam em “risco de morrer” (tentativa esdrúxula de corrigir a expressão “risco de vida”), “e nem”, “a pessoa que eu gosto”, “perdeu do adversário” e muitos outros disparates – os esportivos, então, que dizem ser os que têm maiores salários, são campeões na violência à língua.

Não se trata de exigências de uso da chamada língua culta; gosto muito da linguagem coloquial e defendo mesmo que seja esta a usada nos noticiários de rádio e tevê. Mas há que se preservar o acerto; não posso aceitar erros de ortografia, regência e concordância – isso é fundamental. Mas temos de considerar o linguajar do  povo, inclusive das periferias urbanas e do meio rural, bem como conceitos regionais – como chamar mandioca de macaxeira no Nordeste e de aipim no Rio de Janeiro; é inaceitável, para mim, que padarias das grandes redes de supermercados ponham na etiqueta “bolo de aipim” se em Goiás isso se faz de mandioca, e que o nome da quitanda (iguaria, para nós) seja “mané pelado”.

Mas na mesma quarta-feira em que o pastorputado (sim, inventei: um modo abreviado de dizer pastor deputado) Marco Feliciano inventou “áusteras”, um comentarista famoso da CBN, comentando a intervenção no Estádio João Havelange – o popular Engenhão – disse que havia dois riscos: o risco de a cobertura cair e o risco de não cair, e o prefeito escolheu o risco de cair, daí a intervenção”.

Gente! (dia desses, Henrique Morgantini comentava esse nosso modo goiano de falar; como sou bom goiano, vou repetir):

– Gente! Que beleza de estilo, hem?! Tanto jornalista bom desempregado ou ganhando uma merreca por mês e um bem-pago do sistema Globo verbaliza uma coisa dessas! Se o pastor Marco fosse diretor de jornalismo por lá, devia tomar uma medida “áustera” e demitir o fulaninho. Mas haverá sempre algum “linguista” de plantão para legitimar o que o “abençoado” jornalista falar; e, como era comum de se ouvir nos anos 50 do século passado, “se o locutor falou assim, assim deve ser o certo”.

Volto ao início para repetir: nada mais nos surpreende; e sendo assim, voltarei ao assunto sempre que necessário – ou oportuno.


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segunda-feira, março 25, 2013

Caracteres perecíveis




Caracteres perecíveis


Dizem os dicionários que caráter é “o tipo da imprensa”. Palavra bonita, fartamente usada para representar o perfil psicológico das pessoas, de um modo muito simples – bom caráter, mau caráter. O plural é  caracteres – logo, diremos bons caracteres, maus caracteres quando quisermos elogiar ou condenar pessoas, mas já vi muita gente “letrada” engasgar ao tentar pluralizar a expressão. De outro lado, há mais de vinte, comprei uma máquina eletrônica de escrever; a vendedora, bonita e solícita, ensinava-me os recursos do equipamento e em dado momento ela disse “um caractere”.  Meu ouvido doeu, tentei corrigi-la e ela, segura de si, abriu o manual e mostrou-me a expressão lá, impressa em claros caracteres: “um caractere”. Eu ri, uai!

“Caráter”, originalmente, é, pois, o mesmo que tipo, no conceito gráfico; mas o uso conduziu-nos a aplicar a palavra aos dons da personalidade, enquanto “tipo” ficou para descrever o visual, ou físico, das pessoas. Aliás, caráter passou, mesmo nas oficinas gráficas, a significar variantes do tipo (como itálico e negrito, por exemplo) – mas não é disso que quero falar. Meu propósito é o caráter das pessoas, isto é, as nuanças das personalidades. E sabe o que me encanta? O fascínio que exerce a hipocrisia nas relações sociais, mormente nos que tentam mascarar essas relações com os tons da amizade e da fidelidade a valores subidos, como literatura, qualidade, artes... Mas nenhuma máscara é tão perfeita que oculte a essência. 

Certa feita, e por longas duas décadas, dentro do meu péssimo hábito de confiar em todo mundo até prova em contrário, fui tomado por otário entre colegas de profissão e de trabalho (entre jornalistas, as relações vão além do ambiente do emprego); é que acolhi como filho um escorpião que, embora tenha tentado, não escapou à sua índole compulsiva e, em meio à travessia, quando eu ainda o escorava, ferroou-me de morte. Não a morte corporal, a dos órgãos vitais, mas a morte do sentimento que lhe ofereci de graça e do qual essa pessoa provou, de modo límpido e translúcido, não ser digna.

Gosto sempre dos que, apreciando qualquer trabalho, se digne a enaltecer méritos e, ao mesmo tempo, mostrar falhas. Isso beira a parceria, demonstra confiança e respeito mútuos – o que critica e o que acata. Essa postura sugere discussões e aprendizados múltiplos, sempre. Mas há pessoas que nos apresentam aos amigos dizendo: “Este é o grande poeta” ou “o notável jornalista”...

Aí a gente apela! “Para! O que você já leu dos meus escritos para me qualificar assim? A quem me compara?”. Não raro, a pessoa nos elogia sem conhecimento de causa e usa como referência ou parâmetro outro escriba diametralmente oposto ao que praticamos. Algo como apresentar Pelé chamando-o de Maradona.

Enfim: os cínicos e os hipócritas enganam-nos por alguns meses, alguns anos... Mas um dia a gente vê a face real sob a máscara. Uma poetisa, dia desses, disse não ter visto um poema meu bem ao lado do de uma outra colega, na mesma página; e, meio sem graça ante a minha cobrança bem-humorada, respondeu: “Não vi mesmo, mas vou ler; se gostar eu comento, mas se não gostar não digo nada”. E comentou depois: “Gostei, tem humor”.

Concluí: se nestes mais de 40 anos de publicações minhas ela jamais comentou é sinal de que não leu ou não gostou. Agora tenho certeza: ela, se leu, foi há décadas, e não gostou; porque o que leu agora só mereceu resposta porque não quis, ela, deixar muito claro que, agora, não gostou.


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sexta-feira, março 15, 2013

Habemus fumum (et Papam)


O Papa Francisco no trono (dizem que não se sentiu confortável na histórica Cadeira de Pedro (foto - Internet)

Habemus fumum (et Papam)




       Que semana, hem? Morreu Chávez, a “reencarnação” de Simon Bolívar; semanas atrás, reli “O general em seu labirinto”, do genial Gabriel Garcia Marquez; Chávez seria a chave daquele labirinto? Talvez… É complicado decifrar os caudilhos; dentre nós, o último foi Leonel Brizola, e há quem se ache a perfeita continuidade dele, ainda que sem qualquer liderança. Desde 1964, ditadura pessoal deixou de ser “aceitável” (podem estranhar, mas existe muita gente que gosta de ditadura); o Brasil criou a ditadura por revezamento; o Chile não gostou do modelo, mas a Argentina adotou-o e fez com que, em muito pouco tempo, houvesse lá uma ditadura ainda mais sangrenta que a de Pinochet – um Napoleão nos Andes, embora mais próximo de Franco, o generalíssimo espanhol.

   Aconteceu o Conclave; Nasr Chaul, historiador e compositor, brinca com a pianista Ana Elisa, transferindo a ela uma pergunta sobre a provável escolha dos cardeais – naquele momento, a Capela Sistina ainda não havia sido ocupada pelos príncipes da Igreja para a escolha do sucessor de Bento XVI: “Diga, Ana Elisa, porque eu sou apenas um historiador; isso de clave é com musicistas”... E acrescentei, dirigindo-me também a ela: “Sim... Deve ser clave de fé!”.

    Almir, cartunista do DM, definiu: “Conclave é uma espécie de Woodstock de cardeais”. Perguntei, de imediato: “Fumaça branca ou fumaça preta depende de qual erva se queima no dia?”. E Guido Heleno, poeta brasiliense, envia-nos uma foto de Dom Odílio Scherer, em cuja mitra (espécie de chapéu ou coroa de bispos e cardeais) desponta uma cruz de malta escarlate: “Foi por isso que ficou apenas como vice na eleição para Papa”. Para os que curtem futebol, está explicado... o time cruz-maltino do Rio de Janeiro mantém a tradição de perder sempre a última partida.

      Mas, enfim, as preocupações dos católicos de todo o mundo aliviam-se com a escolha de Francisco – o primeiro dos sucessores de Pedro a escolher o nome do Santo da humildade. A comunidade católica latino-americana se fez em festa e de lá de Caracas proclamou-se que “Foi graças a Chávez, que intercedeu junto a Jesus!” – Ora! Faça-me o favor!...

       Bem! Deixemos de lado as conversas de boteco, ou de páginas gastas no Facebook; quero chegar ao real de mim mesmo. Estreei a semana numa visita ao Mestrado em Letras da PUC, onde gosto de chegar e  estar por longos momentos, em prosa boa acerca de versos e crítica com doutores, mestres e mestrandos. Fui levar uns livros à professora Luane, que trabalha sua pesquisa em torno do saudoso e querido confrade Helvécio Goulart. Conheci o Cosme, que se propõe a estudar dois ícones da poesia feminina de Goiás e prontifiquei-me a auxiliá-lo no que puder.


Fátima Lima, incansável guerreira de
prosa e poesia
         Por ter ido lá, tive a alegria de dois encontros com Fátima Lima, poetisa e diretora do Mestrado da PUC, amiga querida, autora de livros da leitura infantil e incansável lutadora pela mesma causa dos que escrevem nesta terra. Mas a ela cabe a missão maior – a de formar novos mestres para o ensino das Letras, para aprimorar a crítica e, nas crianças e jovens, o gosto pela leitura. O segundo encontro foi no Departamento de Arte da Editora Kelps, onde finalizávamos revisões e capas – agradáveis tarefas dos escribas. A hora da capa é, para nós, como os adereços do bolo para os confeiteiros. Imagens, formas, cores, fontes e corpos...

          Na quinta-feira, o Dia Nacional da Poesia... Mas, bem! Fim de crônica é como o relógio a encerrar expediente. Ao novo alvorecer, a gente volta...


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sexta-feira, março 08, 2013

As festas de cada dia


As festas de cada dia


“Se Deus quiser, um dia quero ser índio” - escreveu para cantar Rita Lee, a roqueira pioneira, a branquela brasileiríssima, descendente do General Lee da História e dos filmes do tio-sam… A ruiva mais brasileira dentre todas, sem ter recorrido aos compostos químicos hoje em voga para clarear a mestiçada.

Poetas já foram rotulados trovadores, porque compunham trovas que cantavam ao som de liras ou alaúdes; e ainda há quem se refira aos bardos como vates – os que cometiam vaticínios, isto é, previsões. A menestrel do rock brasileiro vaticinou ao sonhar ser índio um dia. É um surto que acometeu a metrópole paulista lá pelo começo da década de 80 do século passado e hoje já nos contamina; ninguém gosta de consumir 90 minutos num percurso urbano que, há bem pouco, se fazia em 15 ou 20.

As cidades crescem, invadidas por hordas de pessoas carentes de recursos materiais próprios e de bens públicos; quer-se sempre morar em ruas pavimentadas, andar de automóvel, ainda que seja um “carro médio” de três ou quatro décadas – um desses que, ao se comprar, custam pouco mais que um jogo de pneus e, quando se pensa em vender, sai mais em conta abandoná-lo, agredindo o ambiente comunitário.

Essa violência social urbana tem muitas marcas. Como o garoto de 15 anos, no ultimo domingo, pilotando uma moto; invadiu sem receio a pista à minha frente, e tive de frear de súbito, o que fiz enquanto batia a mão na buzina; o menino respondeu-me com o dedo médio em riste e assustou-se quando parei à sua frente – e só então me dei conta de que podia levar um tiro e que o condutor, irregular ao conduzir, demonstrava a baixa idade, isto é, sequer podia estar ao controle da moto.

O mesmo gesto fez-me um estafermo de seus 30 anos quando reclamei de que ele parara o carro sobre o xadrez do cruzamento quando devia permitir-me a travessia. Tive de recorrer aos mais sórdidos recursos literários, em alta voz, recomendando-lhe o destino que lhe daria prazer ou o faria humilhado, sugerindo a violência ao término intestinal.

Semana densa e pesada, esta! Julgamento do goleiro Bruno Fernandes; liberdade para o suspeito de mandar matar Valério Luiz, o jornalista esportivo; a data internacional da mulher, em festejo marcado que deveria ocorrer todos os dias. E encerra-se a semana civil com o prenúncio de outra data importante, a do aniversário do poeta Castro Alves, o mentor intelectual da Abolição da Escravatura, dia 14. E por uma feliz coincidência, a semana da poesia estende-se até 21 de março, início do nosso Outono – por conseguinte, da Primavera no Hemisfério Norte (o que levou a Unesco a instituir a data como Dia Internacional da Poesia).

Questiona-se muito isso de se ter uma data. E são datas para tudo na vida. Festejemos, todos os anos, o 8 de março, mas com o compromisso de que a mulher é digna de mimo e respeito sempre; cuidemos de festejar a poesia em 14 e 21 de março, mas respiremos poesia em cada momento – afinal, cuidamos de nós e dos nossos queridos todos os dias e festejamos seus aniversários.

Esses cuidados são bons e oportunos. A gente pode curtir e viver muitas festas, mas sem descuidar de bem zelar do que nos é caro e importante. E já que falo de datas, tenho mais: no decorrer da semana que se finda, tivemos o 5 de março, Dia da Imprensa Goiana por duas motivações: a primeira, que remonta a 1830, quando circulou pela primeira vez a Matutina Meiapontense, na antiga Meia-Ponte, hoje Pirenópolis; e a segunda, o dia de uma escaramuça entre governo (Polícia Militar) e estudantes, em 1959, que deu nome ao semanário que resistiu heroicamente à ditadura militar.

E no próximo dia 12, terça-feira, o nosso DM festeja seus 33 anos de circulação. Sou feliz por ter atuado no saudoso Cinco de Março e por integrar a equipe do DM desde a sua fundação. Assim, posso dizer o quanto me é importante festejar a data, tal como compartilhar diariamente da vida deste jornal.


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quinta-feira, março 07, 2013

A verve mulher

Mais um belo texto feminino nesta semana em que as sociedades machistas, em seu cinismo coletivo, definem um dia para que, ao menos nesse dia, as mulheres sejam reverenciadas. 
Agora, a autora é outra da minha especial estima: Clara Dawn. 
Confiram!  
(L.deA.) 



A verve mulher

por Clara Dawn


Que sorte a minha! Nascer mulher, brasileira e, melhor que isto: nascer em Goiás... Mas é verdade que eu tenho ido muito á Inglaterra, aprontar seriais travessuras com Agatha Christie. A Portugal, a fim de me emocionar com a poesia feminina e gritante de Florbela Espanca. Mas quando  dou por mim, estou eu, cá no Brasil, a passear com Nélida Piñon numa praia do Rio de Janeiro e embarco com ela em seu romance “Madeira Feita Cruz” que não é outra coisa senão a irradiação do espírito feminino, rompendo os limites do mundo. Num repente entrarmos na “Ciranda de Pedra” de Lígia Fagundes Teles em São Paulo... e constatar que Lígia transcendeu a frieza daquela cidade - tanto faz, a luz de São Paulo é a verve de Lídia.

Avanço alguns passos e defronto-me com a obra superlativa de Raquel de Queiroz, traduzida em vários idiomas, que leva ao mundo o estilo denso de uma mulher à frente, muito à frente de seu tempo...

Quero ir além, mas o meu amor dissoluto me chama -  meu Goiás - e me prende  aos “Elos da Mesma Corrente” de Rosarita Freury. É aqui que eu sou forte e inoxidável. É neste chão goiano que flutuo na bolha de sabão de Yêda Shumaltz, conto causos  cômicos com Lêda Selma; embarco nas aventuras infantis de Augusta Faro; mergulho nas palavras líricas e saudosas  de Heloísa Helena e me cativo com gosto à prosa poética de Malú Ribeiro. Resta-me ainda energia para comprar bilhetes, só de ida, ao universo incomparável de Darcy Denófrio, e nos poemas de Ana Braga e Alcione Guimarães serei eternamente voluntária a mercê de suas quimeras.

Neste cerrado meu, neste Goiás tão meu, tão eu, existo a confabular reflexiva. Numa reflexão que, perdoe-me a ressalva, leva-me a precisar que a França nos deu Simone de Beaouvoir, a Inglaterra deu ao mundo Agatha Christie e Virgínia Woolf, a Ucrânia deu-nos Clarisse Lispector para ser brasileira. Do Ceará brotou Raquel de Queiroz, São Paulo deu-nos “A Muralha” de Dinah Silveira e “As meninas” de Lígia Fagundes Teles. Mas Goiás rendeu  escritoras, cujo talento poético e narrativo transcende o que eu posso descrever em 3.500 caracteres. Mulheres, como eu, que amam o seu Estado e o leva consigo em seus escritos. Por isso, incondicionalmente encerro esta crônica com a singela descrição de uma verve-mulher-goiana: “A gleba está dentro de mim. Eu sou a terra/(...) A gleba me transfigura, sou semente, sou pedra./Em mim a planta renasce e floresce, sementeia e sobrevive./Sou a espiga e o grão fecundo que retornam à terra./Eu sou a terra milenária, eu venho de milênios./Eu sou a mulher mais antiga do mundo, plantada e fecundada/No ventre escuro da terra”(CORALINA, 1985, p. 107-109).  

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Clara Dawn e Luiz de Aquino

quarta-feira, março 06, 2013

E por que sim?


Sempre digo e repito que não preciso de datas para festejar nada, nem para prestar homenagens. Não beijo quem amo somente em seu aniversário, não sorrio para o colega apenas no Dia do Repórter, ou da Imprensa; não exalto os professores somente em 15 de Outubro e não sou patriota exclusivamente em dias de paradas ou jogos da Seleção. 
E o Dia da Mulher, para mim, é aquele em que o sol nos dá sua luz. Ou nas noites com ou sem luar.
Eis aqui, porém, um texto magnífico da minha amiga, confreira e muito irmã Leda Selma (que gosta de ser Lêda). Insuspeita, pois, por ser mulher, mãe, esposa, professora, poetisa, contista e cronista impecável. Divirtam-se e, se acharem por bem, apre(e)ndam! Eu aproveitei!
L.deA.



E POR QUE SIM


Lêda Selma (da Academia Goiana de Letras)

É, mal principia março e, a toda a brida, chega, de batom e esmalte, botox e silicone, o cantado e recantado 8 de março, “Dia da Mulher”, dia de se outorgarem comendas, títulos e mimos àquelas que, desde o finado segundo milênio, caminham decididas, e quase imbatíveis, por trilhas nunca dantes imaginadas, em busca de espaços e conquistas. E, depois da queima dos sutiãs (bem antes do silicone), lembraram-se da lei da gravidade, imposta pelo tempo, e retornaram os indesejados para o guarda-roupa e, em consequência, à disposição dos interessados. Melhor prevenir que os ver despencar.

Um só dia é pouco. Todos. No mínimo, incontáveis. Se for para questionar a função da mulher nas várias vertentes da vida, 365 dias é absurdamente pouco. Nesse caso, melhor inventar um tempo maior. Todavia, se for só para homenageá-la... hum... os 365 já quebram o galho! Nada de dispensá-los.

Sou contra o “Dia da mulher”. Acho-o apenas alegórico, discriminatório e inócuo. Dia de luta? O que se resolve ou se decide nesse dia: a roupa para essa ou aquela solenidade? Com qual sorriso se receberá a flor? Todos os dias são de luta. E os resultados consistentes, reais e significativos vêm daí. Não somos mais minoria, sombras, espectros, marionetes... Não estamos mais “atrás de um grande homem” (e se o tal fosse pequeno, qual seria nossa posição?). Não monopolizamos mais o “trono” de “rainha do lar”, há “rei” também nele. A abolição daquela velha doutrina que relegava a mulher à categoria de “sexo frágil”, outra conquista feminina.

Um dia não nos basta mais. É bom que se lembrem de que o avental cedeu lugar ao terninho; o fogão, à mesa de trabalho; a vassoura, ao teclado (éramos rainhas ou bruxas?!), e estamos por aí, ativas, eficientes, “chefes” de família, comandando, encabeçando listas de concursos, de vestibulares, de frentes de trabalho. Presidentas, ministras já não são novidade (nem no Brasil). Mudamos valores machistas e constitucionais, rompemos as barreiras das profissões “masculinas”, tornamo-nos donas do nosso corpo, do nosso destino, do nosso prazer. Abdicamos da condição de objeto sexual (só se é, hoje, por opção ou por gosto). Conquistamos muito, mas, claro!, não ainda o bastante, bem o sabemos. Apesar disso, não há motivo para que nos discriminem com o “Dia da Mulher”. Existe o “Dia do Homem”?

No passado, a instituição de um dia, com a chancela de “protesto”, para lembrar e repudiar o massacre contra as mulheres americanas, primeira fresta de acesso feminino à contextura real, foi válida. Mais que isso: um marco que abriu os olhos do mundo para o verdadeiro “padecer no paraíso”, alcunha de ostracismo, de não-direito à genuína cidadania, de confinamento a um mundo do tamanho de uma casa, de uma mulher-mãe (abnegada, despojada, delicada...) e de mulher-esposa (virtuosa, carinhosa, prendada...). Era só o que nos permitiam ser. Abrimos as portas de inimagináveis amanhãs, escancaramos as janelas do futuro, descobrimos a vida e reivindicamos nossos legítimos direitos. No decorrer dos tempos. Não em apenas um dia: simbólico e anual.

Um senhor disse-me: “Vou exigir que a mulher abra a porta do carro e puxe a cadeira para mim. Ah! e depois, pague a conta do restaurante e do motel. Direitos iguais, deveres também”. Aviso a quem interessar possa: não conte comigo nesse item. Cavalheirismo sempre!
Independente do dia 8 de março, minha homenagem às mulheres e, em especial, à minha mãe, de grandezas tantas:


Carrego em mim
tantas marias
e em meu ventre,
sangue, estrelas e fomes.

Se me querem santa,
maçã ou serpente,
se me querem seda,
seios ou lua,
me mostro Maria
de todas as dores,
me torno Maria
de todas as cores,
me faço esfinge,
ou mulher simplesmente. 

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Pois é! É Leda Selma, tal como a descrevi. Meu carinho, Ledíssima, por todos os dias do ano, pois todos os anos são das mulheres! Mas já que inventaram a data, que façamos a festa! (Luiz de Aquino)