Diabeisso? (Falando difícil)
Entrevistava uma pessoa ao telefone e quis saber da moça (sim, refiro-me a uma mulher) sobre um dado percentual; sem qualquer cerimônia, ela me respondeu:
– Está na faxetária de 32%.
Poxa! (Escandalizei-me: a moça é formada, cara!). Lembrei-me de um amigo nordestino que, diante de coisas que nos espantam, exclama:
– Diabeisso?
A primeira vez que ouvi alguém dizer “faxetária” para citar apenas um percentual de qualquer coisa foi lá por 1988, quando a pessoa citou pelo menos três vezes a palavra (ela parecia ter grande prazer em repetir... “faxetária”). Resolvi dar-lhe uma informação útil: peguei um papel sobre a mesa, escrevi em letras de forma:
– FAIXA ETÁRIA.
E pronunciei, como que a escandir versos: fai-xa-e-tá-ria – e esclareci o que queria dizer a expressão, dei exemplos, falei que nas campanhas de vacinação costumam dizer: “Aplica-se à faixa etária dos primeiros cinco anos”...
Moço, pra quê! Aquela minha primeira interlocutora, que ouvira a expressão provavelmente no exemplo que escolhi, olhou-me com olhos de sangue, indignada! E ficou alguns anos sem falar comigo. Depois, eu acho, ela esqueceu e até acredito que ela ainda diga “faxetária” por aí...
Há poucos dias, escrevi sobre as pessoas que não sabem de ortoépia (“a arte de pronunciar corretamente”, dizem os dicionários) e costumam falar “isso me indiguina” em lugar de “isso me indigna”, ou “repuguina” em vez de “repugna”. Há coleguinhas da tevê e do rádio que costumam substituir “psicólogo” por “pissicólogo”; e outros, especialmente do segmento esportivo, inventaram “cirqüito” (aqui é indispensável o trema) em vez de “circuito”. Um deles argumentou comigo:
– Mas, poeta, “circuito” é de eletricidade...
Esclareci que a palavra é a mesma e até em ambos os casos quer dizer a mesma coisa – mas desisti de esclarecer mais. Não compensa mesmo!
Alguns preferem dizer “prêmio Nóbel” (paroxítona) e os nacionalistas prefere o correto “Nobel” (oxítona). Há algumas palavras que aceitam as duas formas: hieróglifo e hieroglifo; clítoris e clitóris – entre outras. Mas “rúbrica” não existe mesmo, é “rubrica”; e é “pudico”, não “púdico”.
Quem de nós nunca ouviu do vendedor de calçados que “pode levar assim mesmo, um pouco apertado; esse couro laceia”? E expus a questão a alguns amigos, em ocasiões diferentes, sobre a palavra “laceia”; todos disseram-me que era flexão do verbo “lacear”. Acontece que eu já o procurara em vários dicionários. Não o achei. Encontrei, isso sim, o verbo “lassar”, que quer dizer exatamente o que as pessoas pensavam ser “lacear”: afrouxar.
Então, o couro “lassa”, não “laceia”.
Mas agora, diante da entrevistada do momento, é diferente. A pessoa que me falou que a incidência “está numa faxetária de 32%” é formada, tem cargo de chefia ou coordenação, sei lá! Lembrei-me daquela outra, há 26 anos, simplória, a quem tentei ensinar. Desta vez, preferi me calar. Corrigir? Não, não é delicado. Ensinar? Que nada, não vou ser remunerado e, mais uma vez, serei tachado de chato.
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