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sexta-feira, junho 27, 2014

Vícios e costumes de linguagem

Vícios e costumes de linguagem



Recentemente, uma amiga do norte de Minas (médica e jornalista, escritora, mãe de escritor, sendo ambos colaboradores do DM; refiro-me a Mara Narciso e Fernando Yanmar) perguntou a amigos distantes – eu no meio – sobre variantes da palavra “complicado”. Apareceram “difícil”, complexo, emaranhado etc., e eu colaborei com o nosso goianíssimo “custoso”. E pensei, cá comigo, o quanto complicamos, dificultamos, emaranhamos e nos comprometemos com nada em nome de um momento de preguiça, de uma circunstância de incompetência ou simplesmente numa vontade de não-fazer.

Coisas da nossa preguiça pessoal... Mas o foco (focar está na moda) de hoje é a língua – um tema que me empolga tanto quanto o amor, o quotidiano (que os coleguinhas da reportagem dizem ser “o factual”), a violência nas ruas e o cinismo na política. Se focamos a violência, perdemos o encanto das ruas; se focamos o cinismo, perdemos bons momentos do “fazer” político (existem, sim; o problema é que o citado cinismo oculta as boas coisas) e por aí vamos nos perdendo.

Aí, tudo fica muito custoso...

Aos do meu convívio, incomodo com minhas críticas ao falar irresponsável dos repórteres de rádio e tevê, atores de novelas e apresentadores – para ficar, por enquanto, com os de rádio e tevê. Ah! Antes que me perguntem, o veículo é tevê; o nome (marca)  do veículo, como TV Globo, TV Record etc. a gente escreve com as duas letras em maiúsculo. E já que estou falando em tevês, algum coleguinha precisa aprender a gaguejar menos e, principalmente, pronunciar corretamente a palavra Anhanguera – e não “inhanguera”, como temos ouvido.

Regência e concordância são solenemente desprezadas; como se fosse chique cometer esses erros como quem acaba de inventar uma roda quadrada sob a alegação de “assim não precisamos de usar freio”. Os da escrita inventaram de pluralizar abreviaturas: assim, surgiram “PMs,” “UTIs” e outras menos usadas; é como vendedoras de perfumarias pronunciando, com a mesma ênfase com que ostentam os bordados de suas blusas, “Cinqüenta emieles” (o que seria 50 ml). Ora: centímetro se abrevia cm, hora se abrevia h, minuto (de tempo) é min, e não m (que é metro) e segundo é seg (os sinais ‘ e “, aplicados para minuto e segundo, não são usados em medida de tempo, mas de grau – coisas da geometria, e não dos relógios).

Isso de siglas também virou mania nacional, numa cópia desnecessária de costumes internacionais; administradores – tanto na vida privada quando nas estruturas de governos, adoram siglas (um modo inovador das abreviaturas, só que estas são regulamentadas, no nosso caso, pela ABNT). Os fazedores de organogramas mostram seus gráficos e ilustrações com tantas letrinhas, como ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), e impõem-se como detentores de segredos decisivos; e, assim, apresentam-se ante os leigos de sua “ciência” como gurus. Acho que os gerundistas do telemarketing (tem que ser escrito em inglês, hem?) também se sentem assim...

Mas eu falava dos colegas da mídia escrita, e aí devo incluir também os publicitários. Virou moda ruim e desagradável, mais deselegante (para o texto) que uma pochete no visual de um sujeito que se pensa chique, a expressão “por meio de”. Pesa tão negativamente quanto “o carro caiu na ribanceira às margens da rodovia”. Ora: se o carro caiu, só pode ter sido em uma das margens, e não “às margens” (ou esse carro seria ubíquo?).

As redundâncias, então, ou os pleonasmos, acontecem no linguajar quotidiano (ou cotidiano, escolham!) como azeitona na empadinha do mercado municipal. Haja vista “santuário basílica”, “Câmara Municipal de vereadores” e outros mais, facilmente detectáveis na loquacidade dos profissionais da fala e da escrita – portanto, da língua portuguesa.


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sábado, junho 21, 2014

Iguais que se atraem

Iguais que se atraem


         Lá pelos idos de 1980 e poucos, era eu repórter da Folha de Goiás – o jornal pioneiro de Goiânia, cujo nome se escrevia, erroneamente, Goiaz. Cuidava de notícias policiais e, para isso, visitava delegacias e cadeias, conversava com delegados e agentes, bandidos e suspeitos (naquele tempo, suspeito era uma pessoa sobre quem havia alguma desconfiança; hoje, é bandido flagrado ou criminoso confesso, porque o fervor da defesa dos direitos humanos exaltou os marginais e os truculentos em desfavor dos que se formam no cada vez maior contingente de vítimas).

         Era uma época de transição. Governava o país o último dos cinco generais de plantão, João Batista Figueiredo; em 1979, veio a Lei da Anistia e a partir daí pudemos escrever sem o rigor da presença de censores nas redações. A Linha Dura enrijecera – dinamitava bancas de jornais que vendiam O Pasquim e outros “nanicos” (apelido dado aos jornais de resistência, editados em formato tablóide) e tentou explodir o Riocentro em véspera do Dia do Trabalhador (1980).

         Profissionais da imprensa ainda eram visados. Éramos maltratados por chefes e chefetes de repartições públicas que, no mínimo, deixavam-nos por horas na espera em suas antessalas. Mas reagimos: eu mesmo adotei a prática de publicar o nome da autoridade recalcitrante, destacando-lhe a crença em que a liberdade estava remota...

         Domingo passado, o Fantástico da Rede Globo denunciou comportamento irregular, aparentemente tolerado em penitenciárias de Goiás e do Rio Grande do Sul. Prenunciei que o secretário Edemundo Dias já esvaziaria as gavetas. E a destituição se deu, como esperado. Certamente, detalhes das investigações acerca do fato correrão sob alguma reserva, como acontece em casos similares (privilégios excepcionais a presidiários que comandariam ações de tráfico, assaltos e mesmo assassinatos).

         Há quem fale em “poder da imprensa”; e há quem fale em articulações de bastidores. Alguém falou em corporativismo – palavra depreciativa para qualificar ação de grupos interessados em benefícios para seu segmento. Este conceito é também fruto da onda do “politicamente correto” que assolou o país por alguns anos, naquela fase pós-redemocratização. Costumo responder que todo grupo busca proteger-se, sim – haja vista a mobilização de lobistas a pressionar deputados e senadores quando da votação de matérias legislativas em que se vislumbram benefícios ou a valorização da categoria. Algo como o que fazem os médicos quanto à polêmica medida sobre o Ato Médico.

         Dos jornalistas, posso lembrar apenas que buscamos, com muito jogo de cintura, evitar a matança de repórteres. Em Goiânia, recentemente, tivemos o primeiro caso de assassinato de um jornalista por emitir opinião sobre um time de futebol – antes, os mais visados eram repórteres políticos e os da área policial.

         Volto aos tempos em que eu mesmo fazia cobertura policial, compartilhando o ofício com os colegas fotógrafos Álvaro Soares (saudoso Álvaro!) e Antônio Alfredo (que se aposentou e sumiu de Goiânia). Na Secretaria da Segurança Pública, o secretário (oficial do Exército, imposto pelo governo federal) resolveu nomear uma delegada de polícia como assessora de imprensa. A moça, bela e gentil, tinha o péssimo hábito de privilegiar informações para determinados veículos – especialmente a tevê.

         Um dentre nós, num dado momento, resolveu acabar com aquilo e postou-se entre a câmera e o secretário (a repórter já com o microfone aberto) e ameaçou: “Só saio daqui depois que liberarem nossos releases; chegamos primeiro e não vamos dar lugar na fila”. O secretário tentou argumentar, dizendo que se tratava “de uma mulher, primeiro as damas”, mas não foi ouvido. Os repórteres dos veículos escritos fecharam-se cheios de razões.

         Curiosamente, a coleguinha da tevê não se opôs ao que impusemos. E a delegada-assessora viu-se constrangida. O secretário recolheu-se ao gabinete e evitava, sempre, conceder entrevistas. Em poucos dias, aqueles profissionais formalizavam uma pequena mas ativa Associação de Repórteres Policiais – entidade democrática que reconhecia em cada profissional o mesmo valor, desmitificando o que alguns tentam valorizar: uma hierarquia de trabalhadores baseada no poder econômico ou midiático de um ou outro veículo.

         Nenhum de nós, fotógrafos e repórteres, se sentiu ofendido quando chamado de corporativista...


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quinta-feira, junho 19, 2014

A vaia e o índex

A vaia e o índex


Comemorar é uma palavra composta: co (juntos) memorar (lembrar). Mas seu uso, através da vida e dos séculos, ganhou o sentido de festejar – talvez porque as pessoas gostam sempre de recordar – ou mais: de “memorar juntos” –, de festejar o que foi bom.

Vimos que as pessoas que festejaram os 50 anos do golpe militar que nos pôs em 20 anos de ditadura por revezamento foram muito poucas; quase o mesmo número das que resolveram, em todo o país, manifestar-se contra os primeiros jogos da Copa do Mundo que se realiza estes dias.

 Outros, porém, querem comemorar o golpe com atitudes idiotas. Uma delas é a vaia – aquela dirigida à presidente Dilma Rousseff na Arena Corinthians. Entendo que em um dos mais remotos momentos (quanto tempo durou esse momento, hem? Nem imagino...) da Humanidade, aquele em que o primata bicho sapiens entendeu que os sons emitidos pelo aparelho fonador diferiam conforme seu estado emocional e a intenção de seu anseio por comunicar-se podia traduzir algo: e inventou-se a fala, inventaram-se as palavras... Mais tarde, viria a escrita.

Ao vaiar, o indivíduo viaja àquele estado primário. Os de agora querem ser distinguidos como bem-formados, que sabem pensar; mas ao vaiarem, transmudam-se em primatas afônicos, ou melhor, emitentes de sons de um só tom, de uma só emoção – a do ódio – e tornam-se antecessores dos trogloditas homens da pedra lascada. Em suma, o homem-besta, o primata ignorante e irracional.

Não me bastasse o que conceituo acima, adotei, há muitas décadas, a atitude do respeito às autoridades; se a pessoa atinge um patamar, se se eleva ao cimo da pirâmide organizacional do Estado, merece respeito: essa pessoa torna-se, sim, representante de um grupo enorme a que chamamos Nação (nação é povo; país é território; e estado é a organização política – as pessoas costumam tornar essas três palavras sinônimas, mas elas são somente palavras afins, cada qual com seu significado).

“Ah!”, dirão alguns, “quer dizer que ditadores também merecem respeito?”. Sim, merecem – ainda que com todas as reservas possíveis. Alguém o pôs lá e muitos o aceitaram; se a maioria, ainda que oprimida, se põe em silêncio é porque aceita; portanto, respeito tanto um Médici quanto um Lamarca – o primeiro por ter “chagado lá”, mesmo que pelas armas, e o segundo por ter se oposto a tudo aquilo, mesmo que com as armas. Não respeito é a corrupção, a roubalheira e a petulância (a petulância conduziu o presidente Collor ao confronto com o Congresso; o impeachment foi a resposta do grupo confrontado). Desrespeito também a incoerência.

Mas vaia houve. E houve também a aceitação pela pessoa vaiada, pois recusou-se a discursar, como era protocolar, declarando aberta a Copa do Mundo, receosa de ser vaiada; e aceitou-a ao responder a agressão, no dia seguinte, com um discurso em tom partidário (sempre achei que um presidente da República, pelo seu papel de estadista, deve distanciar-se protocolarmente dos partidos, mas a nossa presidente, notória pela agressão às regras da Língua, comporta-se mais como cabo eleitoral do que como estadista).

Dilma Rousseff deveria confiar nas pessoas que lhe devem servir de prepostas, de porta-vozes, para o exercício do discurso menor de alegação às vaias; não é papel da nossa maior mandatária nivelar-se por baixo, descer aos porões da vaia para vociferar como os jornalistas que o vice-presidente de seu partido compara a cães (e chama de jornalistas cineastas e humoristas, misturando tudo, como quem ignora as diferenças profissionais).

É notório que a Opinião (assim mesmo, em maiúscula) é um instituto universal de natureza pessoal: a liberdade de opinião é um preceito basilar da democracia. Exerço-o com amplitude, mas com um cuidado simples e igualmente basilar, o de respeitar as pessoas a quem aprecio, avalio, julgo ou posso atingir, no bem e no mal. Posso opor sem desrespeito e posso admirar sem bajular – isso eu busco fazer sempre e principalmente não quero impor meu procedimento, apenas defini-lo.

Eu jamais vaiaria Getúlio Vargas – nem no período de 1930 a 45, nem no de 1950 a 54 –, nem JK (que após uma vaia de quatro minutos, anotados por ele próprio, recebeu aplausos de dez minutos, dos mesmos estudantes de engenharia que o vaiaram, só porque disse: “Uma nação cujos estudantes vaiam seu presidente da República por quatro minutos é uma nação democrática”) –, nem os ditadores do tempo dos cinco-por-vinte-anos (aliás, 21; foi de 1964 a 85) nem FHC nem Dilma. Nem Collor, o mauricinho, eu vaiaria.
Mas não consigo digerir o vice-presidente do PT com o seu índex de jornalistas pitbuls (sei lá como escrever isso! Nem vou pesquisar). Seu artigo é do mesmo nível das vaias. Tenho minhas escolhas políticas, claro, mas também isso há que ser exercido com a dignidade e o respeito ao próximo que formam o conjunto de comportamentos a que chamamos de ética. Se alguns dos articulistas, apresentadores, humoristas e atores interpretando personagem escrevem e falam coisas que incomodam algum partido, os partidos que os processem ou, em questões menores, que respondam a eles pelos mesmos canais, na mesma intensidade e na densidade da informação original.

O que não fica bem é um partido (seu vice-presidente certamente fala por ele; ou o povo, o leitor, o eleitor entenderá assim, a não ser que o presidente o desminta – e isso é pouco provável) assacar contra uma categoria inteira, chamando de jornalistas todos os seus declarados desafetos. Até porque são muitos os jornalistas filiados ao PT e muitos não filiados que se identificam como simpatizantes – e muitos ainda há que se afastam dessa simpatia por tantas pisadas em falso com o partido, antes tão ético, agora usando salto alto nas andanças do poder.

Incomoda-me que ao lado de tantas realizações sociais admiráveis os maiores do PT se alinhem em defesa de alguns membros apanhados em atos condenáveis e acusem juízes de perseguir e agir fora da lei. Isso é tão ingênuo – ou estúpido – quanto acreditar que o governo brasileiro comprou o titulo de Hexacampeão à FIFA (o empate com o México levou um torcedor goianiense a supor que, se comprou, certamente a presidente Dilma sustou o cheque na manhã do dia 17). Se Joaquim Barbosa e seus pares ministros que votaram pelas condenações julgaram à revelia da Lei, os outros poderes e o povo aceitariam isso passivamente? Isso teria validade?

Encerro com um certo cansaço. É que não queria, e não quero, tecer análises e críticas aos feitos de governo. Eu apenas pediria ao ex-presidente Lula e à presidente Dilma que se mantivessem na dignidade do cargo que os qualifica. A prática partidária, tão democrática, pede, sim, em algumas circunstâncias, tomadas de posição e alguns discursos desgastantes, mas práticas que não devem ser exercidas por estadistas assim feitos pelo elevadíssimo valor do voto popular – valor esse que, sem qualquer dúvida, Dilma e Lula conhecem muito melhor que eu.


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quarta-feira, junho 11, 2014

Padre César, cassado de suas ordens por abençoar homossexuais

Um padre com a visão do hoje

Padre César - um homem bom e de seu tempo.


Conheço o Padre César Luiz Garcia há cerca de 30 anos, ou seja, desde o início de sua vida como pároco católico. Vejo nele um sacerdote com a visão do hoje, ou seja, a consciência de que a sociedade é dinâmica. Ele é um ser humano atual e um religioso consciente de que a dinâmica da humanidade traz fatos e verdades novas a cada instante, sem desvincular-se dos deveres da disciplina e da Lei Canônica.

cEscrevi, quando da morte de Oscar Niemeyer, aos 104 anos, que o Século XX, finalmente, acabou no Brasil; poderia ter dito também que a ascensão do Papa Francisco ao trono de Pedro marcava, para o mundo católico, o começo do Século XXI. Francisco, o Papa, mostra-se tão mais próximo de Jesus quanto mais exerce o amor, e foi assim quando veio ao Brasil e se fez próximo dos mais humildes; foi assim quando questionou a expressão “mãe solteira”; e mostra-se líder amoroso novamente quando acolhe em sua casa, em Roma, os líderes políticos de Israel e da Palestina, unindo-se em oração.

O Papa há de estranhar que a bênção, ministrada por um padre também amoroso, cause ruptura na unidade católica em Goiânia. Padre César não “casou”, isto é, não ministrou o sacramento, apenas abençoou essa união – e se bem aprendi com Carlos Pastorino (o autor de Minutos de Sabedoria), de quem fui aluno em História da Filosofia, em 1963, no Colégio Pedro II, “Tudo o que Deus faz é bom” – logo, não se pode entender como maus os homossexuais, pois são também criaturas de Deus.

A Lei da Igreja, ao que nos contam, não permite que se ministre casamento de pessoas do mesmo gênero, mas  a bênção não é sacramento. A atitude do Arcebispo Dom Washington remete-nos, aos que temos lembranças dos tempos do mais árduo arbítrio, às  medidas similares de cassação dos direitos políticos. Receio que vivamos outra vez um movimento como o que pedia de volta o Padre Luiz, atingido por medidas administrativas da Arquidiocese. Nesses momentos, grande parte dos fiéis se sente órfã de seu pastor. E afastar o Padre César por abençoar o amor de dois homens parece-me como entregar aos lobos uma ovelha por estar com carrapichos.



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(Luiz de Aquino, escritor, membro da Academia Goianas de Letras)

Lembra de mim? (Goiânia naquelas épicas...)


Tonicesa Badu e Eva Perillo, os organizadoares e anfitriões do Sarau.


Lembra de mim?
(Título atrevidamente apropriado, por mim, do original de
Baduzinho, cronista e fotógrafo)





Foi assim que o Baduzim, ou Baduzinho (nome civil: Eduardo Sérgio Hermano Balduino), titulou sua postagem no grupo “Goiânia daquelas épicas” (respeitem o trocadilho, por favor!), contando da festa da sexta-feira, 6 de junho, tendo por anfitriãs as felizes e competentes Milucha e Eva Perillo. Um encontro de congraçamento e de se reviver décadas, aqueles tempos em que usávamos camisa Volta ao Mundo – e as meninas, saias plissadas –, tempo de Banlon e Tergal, isqueiros Ronson ou Zippo (todo mundo fumava; alguns variaram o conteúdo, do tabaco à canabis). Em seguida, usaríamos calças Lee...





A vida gravitava em torno da Rua 8, aquele trecho que virou calçadão; esse eixo migrou para a Tocantins, depois para a Tamandaré e à medida que nos dispersávamos ainda mais (chegaram os anos 80 e nossos filhos começaram a “mandar” na cidade), as luzes festejaram a Alameda Ricardo Paranhos, atraindo a nova juventude...


Fizemo-nos universitários, empregados, profissionais, maridos e mulheres. Lembra de mim? – perguntava o Baduzim; parece nome de música. Eram as primeiras horas da noite, ele e seu irmão Tonicesa Badu, músico talentoso e competente, ser humano especial feito Chicão Paes. Dos moços que, desde a década de 60, infernizavam com ingênua petulância a vida goianiense, um leque de músicos muito especiais, como os meninos do Língua Solta, Marquinho do Violino, Márcio Veiga e Cesinha Canedo (que viveu na zona; e morri de inveja). As meninas, cada qual mais linda, cuidaram de se manter e demonstrar que a beleza não se esvai no tempo, apenas muda de linguagem.





Eram tantas e belas e eu as simbolizo em Ângela Baiocchi (é simples: foi minha aluna no Liceu, e eu era aluno de sua mãe, Mari, na UCG).  Aliás, dos presentes éramos muitos os liceanos, inclusive os inseparáveis Lauro e Murilo, com quem tive o prazer do convívio também em épicos instantes de eu-professor. Momento marcante, também (para mim), foi rever Wera Rakowitsch, das minhas lembranças de aluno no Casarão da Rua 21 (mais precisamente, no antigo “forninho” – um pavilhão de pré-moldado).


Ah, não dá para listar todo mundo, como bem anotou o Baduzim; fiquemos somente com outros quatro nomes, os de quem compartilharam comigo os instantes de poesia: Renata Normanha (eta, velho e bom Liceu!), Elder Montoro, Maria Olina e Anita Nercessian.






Claro, claro!... Demos por falta de muita gente que, dias antes, afirmavam suas vontades de comparecer, mas as rotinas nos pregam surpresas, mudando sempre de rumo, feito os ventos e as nuvens. Foram horas de regozijo, de felicidade pelo reencontro, de despertar velhas lembranças e ressuscitar sentimentos talvez adormecidos – jamais esquecidos, porém!




Programa-se um novo encontro, uma festa que terá, sem dúvida, a marca dos nossos tempos, mas a identidade do que acontecer agora, nestes tempos de tecnologia instantânea – como a que fez com que as fotos (183) e os vídeos (dois) de Baduzinho chegassem “ao ar”, chegando aos que não puderam comparecer.




Até a próxima, portanto! Será no dia 5 de setembro, ou seja, sob o signo de Virgem, nos prenúncios da Primavera e com a alegria de uma geração que, ainda que asfixiada pelo silêncio imposto por duas décadas, conseguiu driblar o tempo.




Até lá, gente querida!



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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

domingo, junho 08, 2014

Minha pátria é a língua...

Minha pátria é a língua...

"Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa.  (...) Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha." (Fernando Pessoa, Livro do desassossego [Companhia das Letras, 1999, 536 páginas.]) 


As pessoas de Goiânia tingiram-se de amarelo na metade superior do tórax e lotaram o Estádio Serra Dourada, ou os bares de todos os bairros, esquinas de todos os setores, e cantavam a alegria de serem brasis, com muito orgulho, com muito amor. A Seleção Canarinho, ou antes, o Escrete de Ouro, estava na cidade; e no final da tarde da terça-feira, dia 3 de junho, nove dias antes da estreia da XX Copa do Mundo, jogou prazerosa contra a representação do Panamá - o país com o chapéu alheio  - e vitoriou-se com um expressivo quatro-a-zero. 

Notícias chegaram pela tevê, talvez Cristiano Ronaldo desfalque a seleção lusitana. Isso entristece, tira um pouco do brilho desses jogos, que voltam ao Brasil 64 anos depois de ficarmos vices num Maracanã emudecido. 

Os caras que dirigem a FIFA - um governo sem pátria, sem território específico, sem povo próprio mas muito mais rico que dezenas de países do mundo que carecem de bens públicos e sofrem de fome – os super cartolas da FIFA dizem que a grande bandeira deste campeonato é contra o racismo. Nada de jogar bananas aos jogadores negros, nada de menosprezar os jogadores índios (existem?), nem de menosprezar os orientais de olhos puxados e cabelos lisos como a cara-de-pau de político que apoia o poder, muitas vezes sem sequer fazer parte dele. 

E eu –  poeta menor, escritor da província Goiás, torcedor do Vila Nova em segunda divisão estadual e lanterna da Série B do Brasileirão –, regozijo-me de ser brasileiro, com orgulho e amor demais. Vencer a Seleção Panamenha foi uma alegria não tanto pelo placar, mas pela festa de "esquenta" dos canarinhos nacionais. E sempre é bom tê-los em Goiânia (dá saudade da presença que ficou quotidiana de Luciano do Vale nessas ocasiões). 

A FIFA deve insistir: " Não joguem banana aos atletas negros", mas essa campanha, vindo deles, soa mais falsa do que os cartazes de "Não pise na grama" – e, dia destes, vi letras miúdas como um rodapé no cartaz, e em baixo estava escrito, em letra miúda: “Está cheia de cocô de cachorro”. A FIFA é falsa.
A mídia insiste nas patriotadas verde-amarelas, mas jamais teríamos um bom time, uma seleção-orgulho se não houvesse esse mundão de craques de todo o mundo, essas seleções multicores de todos os continentes. É torcer pelo Brasil, sim, mas esticar esse amor aos jogos a outras terras da grande pátria que tão bem definiu Fernando Pessoa: "Minha pátria é a língua portuguesa". 

Nada de estranho, nada de mais, nem de menos... Elegeu o vate lusitano a língua pátria como pátria maior; e os boleiros fizeram quase que o mesmo: na falta de melhor saber a língua, empatriaram-se no reino do que melhor fazem: para estes, a pátria é a bola e o bolo de dinheiro que lhes dá graças a cada fim de mês.

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domingo, junho 01, 2014

De prefácios e afins

De prefácios e afins







A maioria dos escritores com quem me relaciono não cogita sobre o tema – outros, porém, fazem-no com seriedade: falo de prefácios, apresentações e orelhas de livros.

O primeiro a dizer-me avesso a prefácios foi José J. Veiga; e disse-me ainda que João Guimarães Rosa pensava igual: ambos rejeitavam sistematicamente prefácios, bem como não os escreviam. Digamos que há coerência, pois. E há também os que aceitam a prática e, num dado momento, rejeitam-na.

De minha parte, eu gosto. Não que os considere indispensáveis... Mas o livro é uma festa, e os convidados de honra são esses a quem mostramos nossos originais e deles recebemos análises críticas ou apresentações, ou ainda comentários ágeis e afetuosos, que publicamos nas orelhas ou na contracapa da obra.

A qualquer momento, hei de publicar um livro contendo os textos que já escrevi em livros alheios – prefácios, apresentações e orelhas ou contracapas. Certo é que entre estes haverá autores com quem ainda convivo, haverá os que se foram e aqueles que se isolaram; haverá algum que se tornou ex-amigo e até mesmo desafeto, que as relações humanas são uma arte ou um fatalidade, o tempo as define.

Até há pouco tempo, os prefácios eram escritos e os livros a que se destinavam saíam rapidamente – questão de poucos meses até virem a lume. Ultimamente, tenho estranhado que pelo menos dois dos que escrevi há mais de um ano – os autores exigindo pressa – ainda não ocupem prateleiras de lojas e bibliotecas. Terão seus autores desistido da empreitada? Ou lançaram seus livros e não se dignaram a convidar-me para o lançamento, não me enviaram um exemplar devidamente autografado ou, na mais simplória das hipóteses, não telefonaram para contar onde estão à venda e a que custo?



Dos recentes e publicados, um deles, morador no interior, deve ter ficado zangado porque não pude comparecer à festa de lançamento; isso implicaria a viagem e, no dia marcado, tive problemas impeditivos em Goiânia, infelizmente; perguntei onde encontrar o livro e o autor, prontamente, cuidou de enviar-me um exemplar, com a competente dedicatória – mas o exemplar que me veio está defeituoso, faltando várias páginas. Informei o meu “apadrinhado” sobre tal anomalia, mas ele não se manifestou. Ainda bem que li o original, mas não posso exibir o livro do meu amigo a outras pessoas.
Do “lado B”, cuidei há décadas de copiar para arquivo do computador todos os escritos dos meus amigos em livros meus. São relíquias que conservo com zelo e carinho, como velhas fotografias de companheiros de caminhadas, parceiros em viagens. Um dos meus livros saiu sem prefácio nem qualquer outro comentário, seja no miolo da obra ou em orelhas; noutro, eu próprio prefaciei o livrinho, achei que devia uma autoexplicação aos leitores.

Manias de escribas, mormente quando o autor é o editor de seu próprio trabalho; e, confesso, no caso do prefácio de própria lavra, foi uma dica do poeta Valdivino Braz: “Esse livro fecha uma trilogia; esclareça isso ao seu leitor”, e o fiz com prazer – mas devo contar a participação do velho amigo.


Enfim, que razão tenho eu, a esta altura, para falar dessas coisas? Ora, amigos, uma crônica é, para mim, uma conversa informal, como fazíamos antes nos beirais dos prédios, nas calçadas das esquinas, nas mesas dos bares e cafés. São ocasiões em que falamos do que fazemos, do que nos ocupa e das nossas sensações momentâneas. Gosto muito de produzir meus livros com a companhia dos companheiros de melhor valia literária, daí o prazer das releituras – e é disso que ando ocupado, estes dias.


Momento de lustrar o próprio umbigo. E louvar as amizades, ainda que findas, algumas.


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Em tempo: O mais recente, dentre os publicados, dos livros prefaciados por mim é Um dia como outro qualquer, do montes-clarense Fernando Yanmar Narciso. Clique para conhecer e comprar:
https://www.facebook.com/umdiacomooutroqualquer