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sexta-feira, julho 25, 2014

De amor e outros sentires



De amor e outros sentires


Há algum tempo, mais precisamente quando se pôs em vigência essa tal de lei-seca, deixei de lado os bares e congêneres. Mas sinto falta... Afinal, onde ouvir um papo bonito como o que tentei gravar na memória, mas não logrei salvar detalhes mínimos que enriquecem a conversa. Em síntese, no meu modo de entender o que ouvi, foi isso, colhido por acaso numa lanchonete dessas modernas que enfeitam a cidade. 

A moça olha docemente os olhos do rapaz ao seu lado: 

Você tem muitos amores? Afinal o que são amores?

Vichi! Tanta coisa!... – responde o guapo.

Queria ser uma dos seus... De alguma forma.

O amor é um substantivo comum, pois estende-se num espectro de muitas cores, como a luz filtrada num prisma... (o moço delicia-se com a linda e encantada parceira. E continua) – Amor filial; amor materno, amor paterno; amor fraternal.

A jovem e bela olha-o admirada, como quem capta não o que ouve, mas a energia da explicação subjetiva.

Amor de amigo... Dizem ser o mais sincero; amor entre pais e filhos inspiram mentiras, mas amor de amigo, não, os amigos podem muito bem não mentir entre si.

Ele pigarreia, medita, busca palavras no íntimo e na memória. A moça espera, paciente, segura de que ouviria algo de belo:

E tem o amor desinteressado – continua o jovem com ares de poeta –, o amor platônico (que dizem ser como a paixão, mas sem sexo) e ainda o amor romântico, que é ciumento, possessivo, sexual, bruto e terno a um só tempo.

https://fbstatic-a.akamaihd.net/rsrc.php/v2/yj/r/mkUCm0hEprk.gif Isso é seu ou é literatura?

O moço resmunga alguma resposta que preferi não gravar; entendi que, naquele ponto, ele tentaria despertar ainda mais a curiosidade e o encantamento da moça.

Ah! – pensei com minha sede, enquanto aguardava a água de coco – acho que vou inserir isso tudo na minha crônica da semana.

Mas conte-me – insistiu a moça –, você  ainda não me respondeu...  Para você, o que é o amor?

Estes são conceitos meus, minha querida! Só estou concebendo algumas definições, a seu pedido – e retribuiu-lhe os olhares, como quem confessasse estar prestes a se deixar laçar, ou se ferir por Cupido.

Ela olhou mais profundamente nos olhos do moço. Suas cabeças aproximaram-se com ternura e antevi um beijo – que não houve. O rapaz depositou a mão direita no ombro direito da moça, puxando-a para mais perto; ela aceitou o gesto e aninhou-se docemente no colo oferecido.

Levantei-me e saí devagar, sem esperar que o garçom trouxesse-me a água de coco. Senti-me meio que envergonhado por invadir aquele instante mágico. Mas não me envergonho de lhes ter roubado o texto desta página.


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quinta-feira, julho 17, 2014

A decadência se espalha

A decadência se espalha


Quarto lugar na Copa. Ficou bom? Claro que não! Afinal, quem já foi cinco vezes campeão não se contenta sequer com o segundo – o envergonhado vice. Queremos a taça, a copa, o caneco – e o torcedor sequer atenta para o fato de que o troféu não é mais uma taça ou copa (que tem a forma de um vasilhame para bebidas). Importante é o título máximo!

Queremos mesmo é gritar “É-cam-pe-ão!” a plenos pulmões por todos os oito milhões, 513 mil quilômetros quadrados do rincão brasileiro e em qualquer cantinho onde houver brasucas! Mas temos de admitir: estamos em decadência! Nosso futebol está em declínio e todos cobram providências!

Que beleza! Gosto de ver a nação assim unida, uníssona, cobrando medidas! Não gosto de depredações e saques, mas gosto de  ver o povo nas ruas. Antigamente, há pouco mais de 50 anos, tínhamos no Brasil uma Educação de boa qualidade – mas um nariz torcido ante o academicismo dominante mudou tudo; podiam ter feito uma reforma gradual, mas radicalizaram... E outros dez anos se passaram para que a falência atingisse o nosso sistema escolar.

Ainda assim, remanescentes da escola antiga preservaram a qualidade das músicas e letras que a censura dos tempos de arbítrio não conseguiu calar. A Música Popular Brasileira, surgida após a Bossa Nova, juntou tudo o que havia antes e, com a predominância da chamada “geração de ouro” (que o cartunista Henfil chamou de “os nascidos nos quarenta”), marcou época, trouxe-nos cânticos que cantamos como hinos de resistência.

Ao fim do regime  totalitário, veio a liberdade, sonhada e súbita. Os que não lutaram por ela assustaram-se com os tempos novos. Criou-se uma ideologia de plena liberdade, sem a contrapartida da responsabilidade. A Educação foi deixada de lado e, com ela, também a qualidade das canções melodias.

O jeito de falar também ganhou uma liberdade estranha, permitindo-se tudo. Ora: a minha geração tinha vergonha de falar errado e buscava sempre escrever certo; e vieram os “inovadores”, com um modo de falar “inglesado”, valendo-se de um “presente contínuo” típico da língua praticada nos “Isteites” – e haja gerúndio!

Hei de voltar sempre ao tema: agora, quero contar que já vi o nosso linguajar culto desaparecer – empresários e executivos, professores e profissionais liberais, artistas e radialistas, jornalistas e recepcionistas falavam bem; hoje, ouvimos besteiras que nos conduzem a imaginar que estudamos tanto por nada!

Muito pouca gente, neste Brasil de 200 e tantos milhões, se dá conta da falência da língua; essa massa é a mesma que gostaria de ressuscitar a música com a qualidade do Choro, do bom Samba, do Samba-canção, das Valsas, da sempre apaixonante Bossa-nova e da imortal MPB. Mas a massa ignara – aquilo que John Kennedy dizia ser a “maioria silenciosa” – sente-se satisfeita ao chamar caso de “case”,  pausa de “brake” e estojo de “kit”.

O torcedor brasileiro é a nossa maior massa popular contínua, o mais democrático dos agrupamentos; e é essa massa que lamenta a decadência do nosso futebol, constatada no último dia 8 de julho ante a Alemanha e confirmada quatro dias depois pela Holanda.

Aí doeu na massa! E a massa não sabe o quanto dói em outros a desvalorização da MPB e a invasão da música de baixo nível imposta pelas gravadoras. É preciso que saibam: nossas coisas – a linguagem, a música e o futebol, que já foram orgulhos nacionais – decaíram porque a escola, base estrutural da sociedade, faliu primeiro.


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quinta-feira, julho 10, 2014

Apocalipse ou holocausto?

Sem imagens; não vejo porque ilustrar esta tristeza...


Apocalipse ou holocausto?


Depois daquilo tudo, o peso de um século da palavra Seleção desalinhou a coluna dorsal do oceano amarelo das arquibancadas, das ruas, dos lares e bares deste país-continente. Sofrer um gol aos 11 minutos é natural; mais um aos 23, dói – mas convenhamos que estava normal, ainda. Triste mesmo foi viver aqueles seis minutos seguintes.

Afinal, o que houve? Diz o Gabriel, meu afilhado, que já bateu bola enquanto pôde e, aos 17 anos, certamente fará isso ainda por mais alguns anos, que “todo mundo que já jogou sabe que de vez em quando bate uma bobeira”.

Mas, peraí! Astros (e não heróis, como querem os locutores de esporte) daquela magnitude não têm o direito de sofrer bobeira num jogo daquela importância. Pouco se me dá neste domingo, dia da decisão em que deveríamos posar de favoritos, com tudo o de melhor nas cabeças e nas pernas dos nossos ídolos, para disputar com a honrada Argentina o troféu que substitui a Taça Jules Rimet. Pouco se me dá se ficamos em terceiro ou quarto lugar, que tropeçar no sexto degrau foi uma queda sem glórias, agravada pelas sete fraturas que apenas nos lembram que não chegamos ao patamar – o sétimo degrau.

E aí, um menino de onze anos, curioso e triste, procura entender: “Era isso o hexa?”. Sim, eu o compreendo... Não posso responder-lhe se era isso mesmo o hexa, mas tanto pensamos no número seis que caímos naquele sexto jogo; e a bobeira de que fala o Gabriel Leão é o que ficou feito pergunta na minha cabeça: deu branco?

Talvez; pode ser. Deu branco, e daí? Não se conseguiu reorganizar nada, ninguém mudou de posição, ninguém substituiu ninguém e ninguém fez alguma falta grave para sacudir a equipe. Faltou unidade e garra, faltou cabeça fria... E daí? – pergunto eu outra vez? Comovi-me pelo choro de tantos, homens e mulheres, crianças e velhos; os velhos por não entenderem aquela taca que acabou com o sonho da taça, as crianças por não aceitarem um castigo, já que nada cometeram contra os ditos dos pais e mães.

Seis minutos, dos 23 aos 29 do primeiro tempo. Seis anos de Segunda Guerra, seis milhões de judeus... Vá lá, estou sendo grosseiro com os simpáticos alemães. Mesmo? Adote um, ora! Erramos pelo tamanho do salto, pelos narizes empinados, pela falta de esquema tático, de melhor escalação, por não se trabalhar por objetivo – por mil coisas! Mas para que sofrer, gente?

Perder e ganhar são os resultados de qualquer disputa; o empate, este sim, é um resultado inglório. Garra, concentração e força de vontade são ingredientes indispensáveis que se unem ao talento e terminam em competência – e foi o que faltou.

Agora, o que nos falta é a máxima do inesquecível e sempre adorável Sócrates, triste e precocemente falecido há pouco tempo; numa de suas últimas entrevistas, ele disse que aceitar a derrota é parte do jogo; um “chocolate” também é parte disso. E arrematou com muita sabedoria: “Sofrer por quê? É só um jogo”...


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domingo, julho 06, 2014

Nada a lamentar








Imagens: Internet

Nada a lamentar!


Recebi, minutos antes de me pôr a escrever estas linhas, da professora Graça Tostes (amiga de infância, aquele tempo feliz de nossas lembranças, num recanto feliz do Rio de Janeiro – o meu inesquecível bairro de Marechal Hermes), um interessante texto sobre o fim de algumas coisas muito importantes hoje: os correios, o cheque, o jornal, o livro, o telefone fixo e – pasmem, que eu fiquei pasmado! – a música. 

Gutemberg e a prensa


Há mais coisas, mas de menor peso no nosso quotidiano. Temos, todos os que lemos, um apreço inestimável pelo livro, considerado por muitos o mais perfeito design já concebido, pois preserva a mesma forma há cinco séculos. Mas quantos somos nós, os leitores, em todo o mundo? E ainda que, juntos, formemos uma percentagem pequena na humanidade viva, temos de admitir que somos muito mais hoje do que há 500 anos.

Mas a música? Será que desaparece mesmo? Não acredito. As artes são manifestações espontâneas do bicho sapiens, a gente estuda para saber mais e para produzir cada vez melhor, para evitar repetições etc. O texto a que me refiro vem com a linguagem de Portugal – a construção das frases, os verbos flexionados sem gerúndios, e o telefone celular chamado de telemóvel são fortes indicativos.

Na Europa, sabemos, a música popular, por exemplo, não tem transformações há muito tempo; e do lado de cá do Oceano Atlântico – isso me foi despertado por um amigo há 35 anos – somente nos EUA e no Brasil a música passava por evolução (naquele tempo não vislumbrávamos que as gravadoras viriam impor à sociedade a música digerível pelo intestino, sem gastar tempo no estômago para ser notada pelo cérebro).

Entendo os argumentos de sustentação listados pelo autor do texto – omitido na mensagem via Net, como é comum. Um desrespeito a quem pensou e escreveu, argumentando, despertando a discussão que agora me envolve. Os correios desaparecem porque já não se escrevem mais cartas; o jornal, porque os jovens não lêem jornais, os adultos informam-se em noticiários eletrônicos e os jovens trocam informações entre si, sem critério seletivo do que informar e receber, o que os conduz a guetos de isolamento que podem sugerir o retorno à barbárie – ao menos à uma barbárie calcada na tecnologia dos tablets e celulares (ou telemóveis).

O livro... Bem, sobre esse já expus o que penso. Os aparelhos de tevê, ou televisores (a que chamamos, na intimidade, de televisão), também já começam a sumir de cena porque os portáteis de agora juntam câmeras (de foto e cinema), telefone, receptor de tevê e computador. No Brasil, ao menos, o complexo a que chamamos de correio tem incorporado serviços que o tornam uma superagência prestadora de bens variáveis.

Tudo bem, mas por que nos preocuparmos? Há cem anos, começava a desaparecer da lista de profissões e empregos a figura indispensável (para a época) do acendedor de lampiões – e os lampiões de gás (a gás) foram tema de belíssima valsa de Zica Bérgami (1913-2010), gravada pela divina Inezita Barroso.  Os bancários (fui um deles por 30 anos) também estão desaparecendo, pois os bancos inventaram um modo de fazer com que o cliente “trabalhe” no lugar dos antigos profissionais.

O tempo muda, o homem muda, o mundo muda, a vida muda. Substituímos sempre as coisas, as profissões e os apetrechos que criamos para “facilitar” nossas vidas. Triste mesmo é pensar que o homem, na busca pelas facilidades, perca referências no intrincado processo de aprimoramento social, fechando-se cada vez mais em si, ignorando seus iguais e caminhando de volta para a caverna – cheia de luzes e tecnologia de ponta, mas cada vez mais fechada, essa caverna... É que o futuro já chegou!


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