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sábado, maio 23, 2015

Asfixia financeira e tiro-no-pé



Asfixia financeira e tiro-no-pé


Os três primeiros itens dos cortes orçamentários (ou sei lá que apelido os economistas dão a isso) superam 50% dos 69 bilhões e 900 milhões de reais anunciados na última sexta-feira, com a solenidade de quem sobe ao pódio para ostentar uma medalha de ouro. Essas poses, esses anúncios e essas profecias político-econômicas fizeram parte da vida brasileira desde os tempos do tal Milagre Brasileiro (1973). E os planos mirabolantes repetiram-se ene vezes até 1994, quando a equipe de Itamar Franco concebeu e pôs em prática o Plano Real – de que Fernando Henrique adotou autoria, indevidamente.

Vivemos estes vinte anos sob uma certa paz, no tocante à inflação. Houve, sim, muita falsidade, como aquilo de congelar salários de servidores públicos, incluindo-se aí até mesmo os bancários do BB, que é uma Sociedade Anônima. Houve aquele crescimento galopante do valor do Dólar face ao Real, houve as indisfarçáveis negociações interpartidárias para se instituir a reeleição dos executivos (que ensejou o mensalão, criado e mantido pelo sucessor).

Houve os quatro anos primeiros de Dilma – o período maravilhoso que ela diz ter acontecido e que lhe rendeu a reeleição – apertada, na realidade – mas, já nas primeiras semanas, a reeleita revelou-se falsa como uma nota de R$ 3, isto é, mentiu muito e prometeu coisas impossíveis. A confissão se deu nas primeiras semanas após sua “re-posse” e fechou o libelo da campanha estelionatária com o anunciado corte de quase 70 bilhões – sendo R$ 17,23 bilhões (de R$ 31,74 bilhões para R$ 14,51 bilhões, 54%) no Ministério das Cidades, R$ 11,77 bilhões (de R$ 103,27 bilhões para R$ 91,5 bilhões, 11,3%) na Saúde e, ainda, o coroamento do projeto Pátria Educadora - R$ 9,42 bilhões (de R$ 48,81 bilhões para R$ 39,38 bilhões, 19,3%) na Educação.

Enquanto isso, o ídolo da presidente Dilma Rousseff, o presidente venezuelano Nicolás Maduro aprovou na última terça-feira, aumento de 50% para professores do país e autorizou discussões para adiantar contratações da categoria (confira o artigo original no Portal Metrópole: http://www.portalmetropole.com/2015/05/maduro-aprova-50-de-aumento-salarial.html#ixzz3ay3V6mqy.

Desabafo da professora goianiense Heliany Wirta:

Na "pátria educadora" cortam-se verbas da Educação, retira-se o FIES, espancam-se professores que lutam, retiram-se os poucos direitos dos trabalhadores... Tudo isso num governo que se elegeu com discurso de esquerda e libertário de um partido que se diz dos trabalhadores!

Os economistas sabem muito bem dar nomes ao dinheiro conforme sua origem, sua posse, o modo como é protegido e seu destino. Ele pode ser chamado de faturamento, renda, féria, poupança, produto, salário, jeton, honorário, imposto, arrecadação, receita, juro, emolumento, taxa, poupança, investimento, despesa, propina, gorjeta, gasto, aplicação e muitos, muitos outros nomes mais. O curioso é que a imprensa (nem sempre especializada) qualificou a reduzida verba da Educação como “gastos”.

Até onde se entende, em todo o mundo, os “gastos” da Educação são sempre “investimentos”.

Mas volto ao terceiro parágrafo destas linhas. Os três ministérios mais afetados – Cidades, Saúde e Educação, em ordem decrescente de sacrifício – simbolizam bem o descaso para com a qualidade de vida. O ministro da Fazenda já qualificou a farra com as verbas, no período anterior, como uma “brincadeira”, e foi repreendido publicamente pela presidente.

Resumo de tudo isso: se não foi brincadeira, foi algo muito pior! E a bomba explode no colo de quem provocou isso aí.

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

Educação, ciência e amor

Educação, ciência e amor


Manhã de sábado, apronto-me para ouvir uma palestra. O tema, “Neurociência e aprendizagem”, confiado à competência da psicóloga Kandy Gifford, especializada em psicologia infantil, pioneira em Goiânia. Ela demonstra, desde as primeiras frases, sua familiaridade com as crianças: as relações em família e em sociedade, as posturas e percepções dos pequeninos – enfim, um conjunto de coisas que entendo ser a Educação Infantil. Convidada (o termo melhor é intimada) pelo neurologista Luiz Fernando Martins, diretor de Ensino e Pesquisa do Hospital de Urgências de Goiânia (foi no auditório do HUGO que se deu o evento), explicou que recebeu o tema mas resolveu mudar o título para “Feridas que não cicatrizam”.

Ora: a Neurociência, diz a Wikipedia, “é o estudo científico do sistema nervoso”. E sob essa definição simples, acha-se a extensão de sua importância como “uma ciência interdisciplinar que colabora com outros campos como a educação, química, ciência da computação, engenharia, antropologia, linguística, matemática, medicina e disciplinas afins, filosofia, física, e psicologia”.

Gostei muito! Uma palestra que precisa ser estendida a professores e pais, os responsáveis diretos pela formação das novas levas de humanidade que em breve, muito breve, traçarão os rumos do mundo e produzirão para assegurar a vida e sua qualidade, a sobrevivência e sua conveniência. Educação, enfim – um item tão desprezado pelas autoridades nacionais nos três níveis de governo.

Kandy Gifford falou das vantagens e das inquietações do pensar e enfatizou que “o nascedouro do aprender está na relação mãe-bebê” (como sou goiano e antigo, prefiro neném). Essa frase remeteu-me à Encíclica Mater et Magistra (Mãe e Mestra), do Papa João XXIII, divulgada ao mundo católico em 1961 (algum ato falhou fazia-me crer que era de um século atrás, mas são apenas 54 anos). E lembra que o segundo passo inclui o pai.

Aprendi muita coisa. É certo que revivi muitos conceitos e aprendizados anteriores, mas muita coisa nova veio a mim, que me orgulho de ser um eterno aluno, um sujeito disposto a acrescentar sempre na minha sempre incipiente sacola de conhecimentos. E a palestrante traz uma riqueza de belas frases, frases eficientes no conceito de criança, no entendimento de pai e mãe – de educadores. E uma que marquei como das mais importantes é: “Agressão verbal faz tanto mal quanto agressão física”, à qual ela acrescenta outras de excelente efeito, como: “Educar é um ato amoroso”, para arrematar com essa máxima chocante: “As feridas da alma não aceitam remédios nem ataduras”.

Anotem aí, leitores queridos, mais algumas:

“A criança é uma pessoa, não uma réplica da mãe ou do pai”

“Estamos com tendência de medicar a vida” – e destaca o modismo de diagnósticos, dos quais muitos são precipitados e, por isso mesmo, inadequados. E ilustra magistralmente: “Tanto se fala em TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade)... mas se chegamos a uma escola na hora do recreio, todas as crianças ali estarão com TDAH”.

Os diagnósticos, diz a especialista, devem ser emitidos em análises interdisciplinares. E destaca o quanto é fundamental respeitar as crianças, respeito esse resulta do amor – e finaliza com a frase que absorvi sem disfarçar a emoção:

“Tudo na vida há de ser dosado, contido; mas amar é algo que se pode fazer com abundância. O único excesso que se pode ter na vida é o amor”.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sexta-feira, maio 15, 2015

Educação, no lar e na escola


Educação, no lar e na escola



Por quatro dias, a fuga de um menino de 15 anos e de sua namorada (da mesma idade) – ele de Goiânia, a mocinha de Brasília – tomou conta dos noticiários. Polícia mobilizada, pai e mãe do mocinho chorando diante das câmeras, apelando ao filho que voltasse logo...

Na manhã de quinta-feira, o fujão e seus pais expuseram-se no noticiário da tevê, ao vivo. A mãe e o pai eram só alegria pelo fim da aventura em que o filho decidiu encontrar a namorada pela terceira vez (apenas) e levou consigo o carro da família. O reencontro foi de alegria e felicidade, pai e mãe chorando – mas o menino, indiferente.

O fato é emblemático. Pais, dos que se sacrificam mesmo pelos filhos e, nesse empenho, deixaram de estabelecer limites. Há tempos que o professorado brasileiro reclama das famílias, que agem como quem despeja os filhos nos portões das escolas e esperam chegar ao fim da adolescência como adultos bem educados... Pelos professores!

Não é bem assim. Cabe à família proporcionar essa faceta da Educação que equivale ao respeito que cada qual há de ter por seu próximo – e os próximos mais próximos são os pais e os irmãos, obviamente! Se o aluno chega à escola com uma boa educação de origem, pode-se apostar num adulto apto a se relacionar bem em qualquer nível. Se não...

Uma das evidências da falta de limites ficou clara no fato de o menino pegar o carro. O pai admitiu que ele dirige há alguns anos, por ser apaixonado por carros. Já o namoro teve o terceiro encontro marcado por essa fuga romanesca – e isso parece dizer que também a menina desfruta dessa liberdade precoce concedida por pais sem limites.

Uma boa educação, de casa, implica forjar o cidadão com a consciência de que existe um tempo para cada coisa – e para todas as coisas. Isso de combinarem uma fuga, ainda que com tempo marcado para durar, com o furto do carro dos pais dele e o descaso de ambos para com os pais demonstra o tipo de pessoas que estamos oferecendo ao futuro. Mas, é claro, o que vimos desses pais, mais especificamente dos pais do garoto, deixa claro que também os avós desse adolescente falharam.

E a escola? O que podemos esperar das escolas em que alunos adolescentes chegam armados, ameaçam e agridem professores e funcionários, promovem lutas corporais? Em alguns casos há, também, o apoio dos pais a essas extravagâncias – ou crimes.

Em Goiás, ao menos, sentimos que grande parte dos pais e mães desejam que o governo transfira escolas para a gestão da Polícia Militar, pois assim a disciplina funciona e os meninos se comportam. Mas também é notório que grande parte dos ex-alunos, quando adultos, rejeitam a disciplina militar e as fardas (como acontecia, também, nas gerações anteriores, com padres e freiras impondo o rigor religioso que resultou em solenes ateus, mas com boa base acadêmica e de valores morais).

A escola pública civil, hoje, é povoada, em grande parte, por meninos advindos de famílias problemáticas, com pais e mães (quando os há) sem tempo nem condições psicológicas, intelectuais e mesmo morais de promover a educação dos filhos. E são estes os que põem os dedos nos narizes dos professores, muitos deles abnegados, exigindo que “deem um jeito” nos seus monstrinhos.

O tema é inesgotável, extenso, complexo e demanda muita conversa, muita discussão. Mas algo há que se fazer, e com urgência! No noticiário do rádio, ouço que “se o Brasil oferecer hoje uma boa escola aos estudantes de 15 anos, aproximadamente, em breve terá o PIB aumentado sete vezes”.

Mas... Nem assim! Nem mesmo alegando melhores rendimentos pecuniários, provando por 2+2 ou a+b, conseguimos convencer os governos de que a Educação é o instrumento de solução de todos os nossos problemas.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sexta-feira, maio 08, 2015

Em compasso de mudança






Em compasso de mudança



Há três anos, isto é, em 2012 (era maio, também), eu colhia caixas grandes nos supermercados e outras lojas onde poderia conseguir esses... dejetos. Sim, que o comércio dejeta essas coisas que os coletores de recicláveis juntam com critério. E eu me alistava entre tais coletores, mas com mais critério na seleção, pois procurava caixas em bom estado.

Estou outra vez nesse empenho. E a dedicação volta a ser a mesma, pois tenho de condicionar cerca de cinco mil livros para a mudança de casa, outra vez. Tomara que não faça isso mais vezes – afinal, estou para inaugurar nova fase, abandonando a condição de sexy-agenário para estrear o estágio dos hepta... Septuagenário, corrige-me o dicionário eletrônico.


Aos poucos, transfiro meus livros, uma coleção infindável iniciada há mais de 60 anos, para o novo espaço. Valho-me das incontáveis viagens desde este apartamento alugado até a casa financiada, conduzindo-os como as formigas transportam folhas. Pretendo evitar o que aconteceu há três anos, quando os transportadores despejaram muitas dezenas de caixas na sala, que se tornou um ambiente pós-terremoto (ou tsunami), numa balbúrdia que me ocupou por uns quinze dias, apenas para transpor os livros, um a um, com alguma coerência, para as estantes.

Móveis, roupas e utensílios pouco me incomodam. Mas livros... Os operários de mudanças sabem bem cuidar de louças e porcelanas, de espelhos e mobiliário, de pratos e copos que chegam intactos ao destino, mas tornam-se vândalos-mascarados quando o objeto é livro. Por que o livro desperta tanto ódio, hem?

Durante os primeiros anos da ditadura, os trogloditas autorizados a portar armas invadiam casas, jogavam todas as estantes ao chão, chutavam livros, listavam os de capas vermelhas e os de títulos suspeitos e, na dúvida, estraçalhavam tudo e muitas vezes os queimavam. Foram mais inimigos de livros do que os frades da Idade Média, que cuidaram de ocultá-los dos possíveis leitores para que estes não se contaminssem com as ideias... subversivas. Mas cuidaram de trancafiá-los em arquivos secretos e estes cruzaram o mar das trevas que foi aquele período.

Os inquisidores das décadas de 60 e 70 do século passado, no Brasil, foram mais cruéis com as publicações. E sua ojeriza aos livros contaminou os preguiçosos mentais (hoje mesmo uma ex-colega de trabalho “confessou”-me que não lê textos logos – algo como dez linhas na tipologia do Facebook – e a partir dela entendo que devo perdoar os que rasgam livros por não entender o que alguém quer fazer com isso (os livros). Vai daí, estou eu próprio dedicado a evitar prejuízo como o de 2012.

Num próximo momento, hei de levar também, e já, uma cadeira que minha mãe chamava de espreguiçadeira – estrutura de madeira, que podemos abrir e fechar, com um pano a servir de assento e encosto. E quando estiver distribuindo livros no novo espaço, os momentos de repouso serão curtidos a folhear algum exemplar e, talvez, um cochilo oportuno.

Quem sabe o coador, a rabinha e pó para o café? Ou a geladeira, com algumas garrafas de água de coco – ou cerveja – e um queijo para o tira-gosto? O celular emite e recebe bem, mas ainda não me lembrei de providenciar telefone fixo e banda-larga para a Internet.

Se puder dispor dos itens arrolados (uma “locutriz” da CBN/Rio falou “arraolados”; imaginei que ela pedirá ao redator que troque essa palavra difícil por “elencados” – que eu abomino). Ih, divaguei, mas já volto: se eu tiver os itens arrolados no parágrafo anterior, acho que fico de vez por lá, hem? É que em Hidrolândia a Lua nasce mais bela, os pássaros cantam livres, minhas árvores prometem mangas, abacates, pequis, barus e jabuticabas, e muitas outras coisas de que, eu sei, vou gostar muito!


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras. 

sábado, maio 02, 2015

​Pátria Educadora é isto?


Pátria Educadora é isto?



Ah, Pátria Educadora! Sim, esta que sofreu, de imediato, corte de sete bilhões de reais no orçamento, essa cujas universidades federais tiveram de retardar em até um mês o reinício das aulas e passam por agruras indescritíveis. Pátria Educadora que paga mal aos profissionais da Educação, que delega a estados e municípios parte das responsabilidades gerais com a Educação, possibilitando desvios de verbas e que permite escolas rurais funcionando ainda em salas multisseriadas, em taperas de pau-a-pique, sem espaços decentes nem carteiras, sem merenda nem respeito à dignidade de professores e alunos!

Essa Pátria Educadora que organiza o caos na concessão do crédito educativo – o FIES – de modo a não atender a demanda de estudantes pobres, carentes do crédito que pague seus estudos em escolas particulares – e a Constituição determina à União que proporcione o ensino superior.

Uma Pátria Educadora que há duas décadas protela organizar o Ensino Médio, esse período de três anos entre o fundamental e o terceiro grau perdido por ensinamentos desnecessários à vida prática, estressando estudantes com o excesso de disciplinas, tudo com vistas apenas aos vestibulares (agora, o ENEM).

E a Pátria Educadora estimula as escolas de nível médio a castigar seus estudantes com até 12 horas diárias de aulas em sete dias letivos na semana, com mais de vinte disciplinas! Nesta Pátria Educadora, o professor de escola privada é admirado e paparicado, mas se se apresenta como da rede pública, é discriminado e tratado como um pária. Eu sequer devia abordar tal tema.

Toda a nação brasileira e incontáveis localidades estrangeiras acompanharam o tratamento dispensado por governantes aos mestres que tentavam obter melhores salários e condições de trabalho, e o resultado foi o espancamento de professores pela Guarda Metropolitana de Goiânia, que “justificou” a violência por que os mestres não agendaram audiência; e uma batalha sangrenta em Curitiba, com a PM ferindo mais de 200 professores.

Na Pátria Educadora o orçamento sofreu cortes em quase todas os repasses, com ênfase para as obras públicas, a Saúde e a Educação – mas a verba dos partidos políticos foi triplicada!

Como a Pátria Educadora convencerá as nações amigas de que somos uma Nação séria? Esses últimos dias de abril, com o sistemático espancamento e a descarga de bombas de gás de efeito moral, gás de pimenta e balas de borracha visando os professores da rede pública simbolizaram bem o trato que os três níveis de governo oferecem aos Educadores.

É que a ação começou com a administração municipal de Goiânia (PT) espancando professores, continuou com a batalha campal de Curitiba (PSDB) e completou o quadro oferecido pelo governo da União (PT) que, por lhe faltar assunto ou temer as críticas, não houve, pela primeira vez na História deste país, desde 1930, o Dia do Trabalho ocorreu sem o tradicional discurso do Presidente em cadeia de rádio e tevê.

Ela, dizem, preferiu postar três discursos nas redes sociais da Internet...


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.