Páginas

sábado, outubro 27, 2018

Entre Talentos: de Mariana Paiva e Ursulino Leão

DM, 26/10/2018 (Opiniao Pública)


Entre talentos


Uma moça bonita apareceu na telinha do computador, propondo que eu a aceitasse entre os meus contatos de Facebook. Fui ao perfil da moça, vi que é escritora e, como costumo fazer, acolhi-a. Em seguida, expressei-lhe boas-vindas e ela respondeu de um modo muito gentil, com um texto que reduzirei ao essencial:

“Olá, poeta Luiz”, começou ela, Mariana Paiva, para continuar num tom afetivo e receptivo, lembrando que há 22 anos (ela, na época, tinha apenas 13 anos), trocamos prosas a partir do site Jornal da Poesia (criado e mantido pelo poeta cearense Soares Feitosa), usando os “chats” da UOL. E continua: “você chegou a me mandar seu livro Razões da Semente (que) guardo com carinho até hoje”. Ela viu, entre postagens alusivas à eleição, um comentário meu – “e vim ver se era você. É. Fiquei tão feliz!”, concluiu.

Ora, moça, quem ficou muito feliz, mesmo, fui eu! Que alegria para um poeta septuagenário, incrustrado no anonimato da Província Goiás, saber que bastou um pouco de conversa – no que seria um embrião das mídias sociais – e um livro despretensioso para que este poeta se tornasse lembrança e, como ela me diz agora, até mesmo referência!

Mariana Paiva, hoje, é jornalista e escritora. E foi muito além de mim: já é mestra e conclui doutorado! Neste emaranhado de más notícias, de truculentas mensagens desafiadoras das liberdades e quando sentimos a Nação ameaçada por xenofobia, racismo, revogação de direitos e vantagens arduamente conquistados, agressões contra mulheres, homossexuais, pretos e velhos e a vulgarização de conceitos que visam à implantação do arbítrio e da extinção do Poder Judiciário, uma jovem assim se manifesta!

Nunca a vi pessoalmente, nunca trocamos mensagens de voz, mas se o tempo quase me fez esquecer a menina baiana que gostava de poesia, meu livro ficou ao alcance de suas mãos e, bem, ela disse:

– Hoje sou escritora, tenho livros publicados e vim agradecer! Você me ajudou a ver que era possível!

Nos meus primeiros tempos de aspirante a escritor, contei com a simplicidade de notáveis orientadores. Eram futuros colegas, como Anatole Ramos, Carmo Bernardes, Yeda Schmaltz, Bariani Ortêncio, José J.Veiga e outros mais. Entres estes, um jovem, mais moço que eu: Brasigóis Felício. Outros havia que nos olhavam com desdém e desconfiança, como quem se nos achassem incômodos (de alguns desses ouvi auto apresentações curiosas, como “Sou um medalhão”).

O poeta Aidenor Aires lembra, com felicidade, que chegou um tempo em que, sem perceber, começamos a substituir aqueles antigos amigos mestres, passando a segurar o facho que clareia o caminho dos novos caminhantes das letras. Com a mensagem feliz que me passou a menina que hoje já me ensina, saboreio a sensação de ter feito algo de útil.
Giro minha cadeira e confiro a pilha de livros de novos autores a quem tive a alegria de abrir a primeira porta – e olhe que tais livros são apenas aqueles em que os novos autores pediram-me um texto para apresentá-los ao seu novo meio. São dezenas, mas de alguns mal me recordo (perdemos o contato).

Finalizo o momento de alegria com um tom de despedida – refiro-me ao nosso irmão mais velho Ursulino Leão, romancista inspirado e companheiro indispensável. Deixei de citá-lo acima porque já o tive ao alcance já na maturidade da jornada. Admirava-o à distância, lendo suas crônicas e acompanhando sua carreira jurídica, sua vida política e sua liderança como presidente da Academia Goiana de Letras.

Sobre ele produzi, não há muito, crônicas de bem-contar, porque não haveria outro modo de referir-me a ele. Nos últimos dias, entre tudo o que colheu em seus 95 anos de excelente convívio, desabrochou algum mal proveniente do cansaço do tempo. A medicina foi até onde pôde, e o Criador apiedou-se de suas dores.

Ao meu modo, querido confrade, tento reproduzir seus feitos de orientador de novos autores. Assim, imagino-me lembrado entre os que citei aqui, posto que nos ocupamos, todos, de preservar este nosso ofício de contadores dos fatos e das emoções em sua roupagem mais refinada, isto é, dando aos textos o primor das boas letras.

******

Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

quarta-feira, outubro 03, 2018

Eleições e pesquisas


Batom nas pesquisas



O noticiário da tevê, no albor deste 2 de outubro, trazia a madorra das falas desnecessárias a tentar narrar os dramas intermináveis do transporte urbano, a persistência dos roubos em que bandidos em motos qualificam trabalhadores como vagabundos e continuam, os repórteres, a dramatizar, com a desfaçatez dos canastrões, a angústia das dores do povo esquecido que, agora, é visto como massa votante – porém, sem a dignidade de cidadão que clama por respeito.

“Será sepultada a menininha de quatro anos, vítima de tiros que matadores a mando de alguém num presídio desferiram ao matar, também, o tio da criança”. “A agenda dos candidatos a governador...”. “No terminal Padre Pelágio os passageiros sofrem...”. Pronto. E daí? Ah!, falta falar de acidentes: “Na BR-060, um idoso foi atropelado”...

Esqueço a tevê e abro o jornal, releio o artigo Retrato de Goiás sem retoques políticos, de Batista Custódio (edição de segunda-feira, 01/09). Batista faz análise da campanha para o governo de Goiás, mas desliza para a História e destaca os quatro grandes líderes dos últimos 100 anos no Estado, esses que “fizeram” seus sucessores sem sequer perceber que estes tomavam assento na inevitável continuidade das gerações, renovando o fazer político e exercendo sua liderança, um a um, cada qual a seu tempo, que a máquina do tempo não pede combustíveis, não exige lubrificantes, não sofre oxidação nem sofre panes.

Alguns estragos, porém, acontecem no decurso das práticas humanas, e o tempo os absorve sem dar mostras das avarias. Qualquer dano se transforma em subsídios para os dias, semanas e anos pósteros, que o passado não tem reparos, não carece de revisões.

A cada líder no exercício de seu mandato ou de sua direção há de estar preparado para os embates, os desafios e os rigores do posto ante a massa votante e exigente de feitos. Ao bom político é importante prevenir-se, pois, como li em algum lugar, nos últimos dias, a palavra pronunciada não tem rascunho. Um bom líder há de ter bons assessores – pessoas aptas a mostrar-lhe os riscos dos desvios, as falsetas iminentes, o perigo das más interpretações e o perigo das péssimas companhias.

Batista Custódio começou assim: “Todo chefe de governo é circulado de corruptos. Eles vão se aproximando na doçura dos elogios e irão distanciando Suas Excelências dos amigos sinceros na opinião. Fazem-se de serviçais aos governadores e servem-se da servidão do governo a eles”.

Estes são os áulicos, os que se barbeiam duas vezes ao dia e se perfumam várias vezes. Não duvidam que decorem frases inteiras de algum autor pouco lembrado, e as repetem sempre que têm oportunidade, procurando impressionar seus ouvintes e, sobretudo, o governador.

Batista continua: “Tornam-se eminências pardas dos bastidores íntimos dos governadores e viram (cada um) homem-forte do governo. Aparentemente amáveis, são mais perigosos que um escorpião furtivo na discrição da cama. Até as primeiras-damas se valem da sua aprovação prévia nos pedidos ao marido”.

Faltou dizer, Batista, o quanto cada valete desse baralho exercita para mascarar-se de competência, fingindo exercer o papel para o qual foi contratado, mas que, na realidade, praticam somente aquilo a que se propõe: “Fazer negócios” (entre aspas, porque é a frase pronunciada por um desses, recentemente, a propósito do que realmente faz em sua pasta). Em negócios há sempre alguém que lucra; nos governos, lucra o contratado, lucra quem o contratou e perde o Erário – sempre!

Mas o articulista Batista Custódio bem os define: “Levam vantagem até nos prejuízos, ora com uma ternura de santo, ora com a finura de um espinho, roubam no governo e furtam do governador. Trancam segredos e guardam com eles as chaves que fazem do governador seu prisioneiro inlibertável no inconfessável”.

Quanto à cadeia dos quatro grandes homens deste pouco mais de um século (de 1909 até estes dias), Batista demonstra como cada um formou o continuador de seu papel na História de Goiás da seguinte forma:

“Antônio Ramos Caiado entregou Goiás mais evoluído do que recebeu o estado. Pedro Ludovico transmitiu Goiás mais modernizado do que entrou o Estado. Iris Rezende engrandeceu Goiás mais do que o estado que lhe fora passado. Marconi Perillo trouxe Goiás para o futuro mais universalizado do que buscou o estado ali no presente”.

Para mim, excelente síntese de 100 anos da nossa história em apenas cinco linhas. Outros houve nesse interregno – e até mesmo a liderança de Totó Caiado em Goiás se deu sem que o líder exercesse o governo do Estado; ele preferia ser senador na Capital Federal, ali, sem dúvida, a vitrina era mais ampla. Totó deságua, pois, em Pedro Ludovico, que preserva as divergências e rejeições com o grupo que lhe fora adverso; e o poder de Pedro é bruscamente quebrado pela onda do golpe militar de 1964, que, por sua vez, sofre a entrada fulgurante de Iris em 1982 para, em 1998, o cetro simbólico ir parar nas mãos do moço Marconi.

E esta semana, ou melhor, estes quatro dias que antecedem as eleições podem equivaler, como preconiza o autor do artigo, a abertura para um novo momento. O resultado virá, sem dúvida, da vontade soberana do eleitorado, sem chance para armações desastrosas que, noutras épocas, marcaram a vida eleitoral brasileira, mas que, nem assim, conseguiram impedir que essa mesma vontade popular determinasse os novos rumos.

Enquanto isso, vivemos a dança dos números das incontáveis pesquisas. Sequer temos tempo para analisar uma, a seguinte já nos é chegada e confundem nossos cálculos e tentativas de prognósticos. E são tantas essas pesquisas de intenções de votos que a manipulação salta aos olhos.

A sondagem encomendada por grupos interessados em resultados (e até mesmo por candidatos) chega-nos com vícios e falácias. Ora é um candidato de prestígio intermediário destacando-se como possível eleito, ora é um dos mais prestigiados sendo deslocado para o Z-4 – parafraseando a linguagem do futebol.

E esses maquiadores das planilhas supõem-nos bobos a acreditar em tudo o que nos chega. Ora, nós não cremos sequer em suas promessas, como acreditar nessas máscaras que, a rigor, não passam de meros batons em tons dégradés?

Volto aos áulicos de gabinete, pessoas que inevitavelmente passam também pelos comitês de campanha, e de novo recorro aos conceitos do Batista Custódio: “Governador não se dá bem com intelectual pensador e de caráter inquestionável no verdadeiro. Pessoas assim são éticas, não servem para as fofocas brindadas nas adegas inebriantes de poder nos celestes do envaidecimento vulgar”.

E, ainda e novamente, do mesmo artigo:

“O bajulador é um mestre que disfarça as aparências. Maquia-se ao gosto dos engodos. O vulgo vê-os como puxa-sacos. Isso é o apelido. O nome no passaporte na alfândega das altezas é puxa-vaidades. O único jeito de flagrar sua identidade é vasculhá-los no semblante. São os homens com cara de mulher puta, ou de moça de convento, ou de garbo imperial”.

******

Luiz de Aquino, especial para o DM
                                                                      

Jávier Godinho


Jávier Godinho (1936-2018):


“Com ele, morre um pouco
de cada um de nós”




Essa frase chegou-me ao telefone, confirmando a notícia que as redes sociais já espalhavam. E concordei: afinal, conheci um pouco de Jávier nestes anos que se alongam desde que, em 1963, comecei a lê-lo nas páginas do jornal Cinco de Março, onde atuava também Anatole Ramos, Jurandir Santos, Carmo Bernardes, Geraldo Vale, Zoroastro Artiaga e tantos outros.

O convívio, porém, se deu com a frequência das rotinas na redação do DM. Se o considerava excelente no texto dos artigos semanais e nas orações diárias da Hora do Angelus, da TV Anhanguera, descobri um bom chefe, um jornalista tarimbado que sorvia a notícia. Sua competência nas pautas que distribuía aos repórteres, na edição do jornal, na racionalização do fechamento e, sobretudo, na harmonização presente em todas as relações humanas mostraram-me, enfim, uma pessoa digna de admiração, respeito e, ainda mais, alguém com quem se pode (e deve) aprender sempre.

Já se vão muitos anos que conheci também sua mulher, Stella, e os filhos – em especial os meus coleguinhas Iuri e Aulus, de quem colhi os sentimentos em texto com que fecharei este desabafo.

De Stella, sem cerimônias, indaguei um pouco de indiscrição: quis saber como se conheceram, como começara o namoro que se estende por mais de meio século: “Ah, eu era muito novinha! Ele namorava uma menina de Buriti Alegre cuja casa era perto da minha. Quando eles passavam diante da minha casa, ela o beliscava porque ele ficava olhando para mim”.

De tantos olhares e beliscões, em breve o namoro de Jávier com a moça de Buriti Alegre entristeceu-se, e ele pôde, então, aproximar-se de Stella. “Foram quatro meses de namoro, quatro de noivado e nos casamos – eu tinha 18 anos”, conclui Stela Rincon Godinho.

Fora do ambiente do trabalho, desfrutei também dos conhecimentos ricos de Jávier sobre a doutrina kardecista. Excelente orador espírita, proferia palestras e participava de mesas-redondas sobre os temas religiosos, além de escrever artigos memoráveis, impregnados de amor a Deus e às pessoas.

É do meu jeito entender a vida – e a morte – um certo desprezo pela frase feita “É uma grande perda”. Em lugar disso, gosto de pensar e dizer que “Foi uma dádiva viver o mesmo tempo que ele” – como bem disse seu filho Aulus. Nascemos para morrer e o importante, dizem alguns filósofos, é preenchermos o intervalo com grandes feitos. Jávier foi um desses homens. Ele nos deixa a sua vida de 80 anos de bondades, de companheirismo e de bons exemplos, como cidadão e como colega, como comunicador e como pai e marido – logo, não há perda, mas um ganho enorme para todos nós!

Ficará um vazio, como a peça que se remove e não se tem o que a substitua. O jeito é arrumar a máquina da vida, ocupar seu espaço nos dias e ter a consciência de que aos sobreviventes cabe preencher esse vazio.

Vá em paz, Jávier, pela luz que seus passos na Terra geram nesse Plano Maior onde agora você está!

Amém!

                                          ******************



Luiz de Aquino, especial para o DM