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domingo, dezembro 30, 2018

Frases que marcam nossa História






A História em frases


Ganhei de Natal, do meu filho mais novo, o Lucas, um livro muito interessante. Ideia ótima do autor e, cá para nós, tema inesgotável no mesmo feitio: A História do Brasil em 50 frases, de Jaime Klintowitz (Ed. LeYa, 2014, 464 páginas). Ele escolheu frases pronunciadas em circunstâncias marcantes da nossa História – claro está que ele próprio poderá, caso queira, escolher outras 50 e sempre outra série mais ad infinitum, ou outrem haverá de fazê-lo sempre – a ideia está lançada, pois!

O autor esclarece que não escolheu uma ordem cronológica – antes, preferiu selecionar as frases por segmentos como: Dos desbravadores; Das batalhas e revoltas; De reis, príncipes e imperadores; De místicos e visionários etc. Isso nos permite ler o livro na “ordem direta” ou aleatoriamente (em caráter randômico) – foi o que escolhi.

Inicialmente, fui à frase atribuída ao general De Gaulle, então presidente da França, aquela famosa que sequer foi dita pelo presidente galalau, herói da resistência francesa na II Guerra: Le Brésil n’est pas um pays serieux. Em seguida, escolhi uma inesquecível frase do imperador Dom Pedro II sobre o ofício de professor.

Na minha mais tenra juventude, ou melhor, na adolescência ginasial, lembro-me da frase nos seus termos legítimos:

– Não fora imperador, quisera ser mestre-escola...

Há poucos anos, escolheu-se transformar a frase em linguagem atual e as conjugações em tempo mais-que-perfeito foram... modernizadas:

– Não fosse imperador, desejaria ser professor. Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro.

Sob esta última forma, a frase chegou ao livro de Jaime Klintowitz – claro que sem perda de conteúdo, mas com a remoção do brilho castiço de quem, bom conhecedor do idioma, dava-se ao capricho de bem construir suas falas.

Sou adepto e ferrenho defensor da atualização da língua escrita. Resisti, enquanto pude, à desagradável mudança da grafia que nos impôs uma longa negociação internacional. A bem dizer, insisto que somente editores e impressores (empresários, não os trabalhadores dessas áreas) foram interessados nessas mudanças, com as sempre complicadas regras do uso de hífen na formação de palavras compostas. Entendo que as duas grafias deveriam persistir por duas ou três décadas e ao termo desse tempo os lexicógrafos finalizariam o processo.

Contudo, mudar palavras e eliminar tempos de verbos são, para mim, tentativas de se formar novas palavras e grafias sem respeito ao andamento regular da Linguística e da Gramática. Jamais gostei, em quaisquer dos segmentos da ordem social, de medidas impostas “de cima para baixo”. Já não nos bastam neologismos desagradáveis como “tratativa” em lugar de “acordo”, “empreendedorismo” em lugar de “empreenderismo” e “abusividade” em vez de “abuso”?

A linguagem do mercado – incluam-se as práticas profissionais na Bolsa de Valores, nos cursos de MBA, na relação entre instrutores e alunos nas “capacitações” (antes era “treinamento”) – anda se sobrepondo à língua coloquial e, perigosamente, contaminando a língua culta. A expansão “democrática” das redes sociais torna aceitáveis grafias errôneas e, inevitavelmente, a pronúncia regional. Isso, se por um lado consolida a língua como uma só forma, deteriora o regionalismo que, até há bem pouco tempo, era razão de orgulho das populações (que o digam, muito especialmente, os sulistas e os nordestinos).

Profissionais de rádio e tevê, por aqui neste aprazível Centro-Oeste (tem hífen ou não?), já se referem, por exemplo, à Avenida E (no bairro Jardim Goiás, em Goiânia) como “Avenida Ê” – ainda que, por força da mesma origem paulistana, citem o hipermercado Extra como “éstra”, e pronunciam o nome da empresa que sucede a CELG (a nossa Centrais Elétricas de Goiás) como “ênel”, enquanto os coleguinhas de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro falam, corretamente, “enél” – esse “ênil” jamais será tomado como regionalismo, é claro!

Mas, bem, eu falava desse livro – que não é novo, pois que o exemplar que recebi foi tirado em 2014. Recomendo-o, pois, aos leitores que gostam da nossa História pátria – e de seus agentes (os 50 da lista de Jaime Klintowitz são excelentes!).

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.


Escola para o futuro




Educação inovadora



Desde os turbulentos e plúmbeos anos de 1970, quando me expurgaram das lides do magistério, voltei-me para duas ocupações que, cada uma em suas peculiaridades, supriram em mim o frustrado sonho de infância de dedicar-me ao ensino: a literatura e o jornalismo. Articulista e cronista em periódicos desde 1967, não foi difícil absorver a prática da coleta de dados e fatos, da redação, do copidesque e da revisão (hoje, totalmente em desuso – e o resultado é a péssima qualidade dos textos que nos ferem olhos e ouvidos), além da fotografia e da diagramação.

Uns tempos antes da minha estreia em livro, há exatos quarenta anos, eu já retornara às escolas. Não como professor, mas como convidado para discorrer sobre literatura e, com o passar do tempo, sobre vários outros temas que, indiscutivelmente, se inserem no complexo da formação dos cidadãos.

Há três anos, arrisquei: voltei às salas de aulas como professor. Senti-me motivado e empolgado, mas esbarrei em limitações do meu intrínseco equipamento de comunicação: meus ouvidos não colaboraram e desisti do retorno.

Refiro-me ao Colégio Vicare, em Hidrolândia, iniciativa arrojada dos meus queridos amigos Sirlene Gonçalves Xavier e Luiz Fernando Martins. A nova escola surgiu como uma súbita ilha vulcânica no mar bucólico da cidadezinha simples e acolhedora em que resolvi morar. O colégio surgiu com equipamentos de alta tecnologia, de modo tal que seus alunos, em era de informática, se sentem bem ambientados.

Periodicamente retorno à escola e sempre sou surpreendido com excelentes novidades. Da vez imediatamente anterior, Sirlene mostrou-me uma novidade: adotou-se ali a prática da Meditação, num empenho inusitado em Goiás, caminhando para nivelar o Vicare a escolas do mesmo nível de países de ponta, como França, Estados Unidos, Portugal e tantos mais.

Desta vez, a diretora do colégio conta que os petizes (gosto de palavras em desuso, sim) têm envolvido seus pais, ensinando-os a meditar, também. E esses pais narram o novo vocabulário dos pequeninos (de pré-escola e primeiros anos do Fundamental): “Eles repetem as minhas palavras para os pais”, emociona-se a professora e psicóloga Sirlene.

Na sequência, ela me conta da adoção do Método Construtivista como ferramenta pedagógica. Parte-se do princípio da interação, ou seja, o aluno não é uma caixinha vazia em que serão colocados conhecimentos. Ele já traz consigo o aprendizado de casa e de sua comunidade, portanto o aprendizado se dá em dois caminhos. Muito do que o professor teria a ensinar o aluno já sabe e o procedimento é, pois, como uma troca, envolvendo aluno e professor e os demais alunos.

Em suma, é uma prática em que não se passa conhecimento, apenas – troca-se. O propósito é, enfim, ensinar e aprender a aprender. O professor não é, simplesmente, aquele que ensina, mas um mediador do conhecimento nas ações de interação dos alunos. Trata-se de uma filosofia de ensino inspirada no educador Jean Piaget (1896/1980).

A argentina Emília Ferreiro, obteve, em 1971, em Genebra, sob orientação do próprio Piaget, seu título de PhD em Educação e, de volta à Argentina, publicou o livro Psicogênese da Língua Escrita, em parceria com Ana Teberosky, defendendo que “a aprendizagem se dá através do todo para as partes e que cada criança aprende em seu tempo”.

Após a visita, e pelo fato de Sirlene haver citado Rubem Alves (1933/2014) e seu livro “A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir”, fui à minha estante. Ali estava o livro, editado em 2001 (devidamente dedicado a mim, em autógrafo de R.A.); nele, o mineiro de Boa Esperança (que viveu em Campinas, SP, até o fim de seus dias), discorre sobre a Escola da Ponte. Desse livro, de apenas 120 páginas, extraí referências para um trabalho de pós-graduação, nos primeiros anos da década passada. Claro, claro... comecei a relê-lo (gosto muito de releituras e de “dialogar” com as anotações que fiz na primeira leitura).

Emociona-me, também, ver o Vicare firmar-se em tão pouco tempo, marcar-se nesse empenho pela elevação da qualidade de ensino. Uma cidade como Hidrolândia, berço do cantor, instrumentista e compositor Ton Zêra, e dos escritores José Mendonça Teles e Marieta Teles Machado, poderá despontar-se, num futuro breve, como polo de boa educação, a despeito do empenho oficial em substituir escolas regulares por estabelecimentos sob gestão da Polícia Militar.

Entendo que tal medida é uma confissão de fracasso das autoridades que transferem escolas da tutela da Secretaria da Educação para os comandos policiais. Em lugar da militarização (fala-se que a mais tradicional escola de Hidrolândia será entregue à PM nos próximos meses), as autoridades têm o dever de investir com dedicação no sistema público civil de ensino.

Mas o que esperar de um prefeito que mandou encaixotar os livros da Biblioteca Marieta Teles Machado? E a população sequer lhe cobrou isso.

Bem! As dores morais ante o descaso das autoridades constituídas e a militarização do ensino em detrimento do estímulo à crítica e ao conhecimento amplo sem limites são compensados, em mim, pelas notícias sempre alvissareiras que me chegam do Vicare.

Ainda bem!


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Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras.