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terça-feira, julho 21, 2020

BECAPE DA MEMÓRIA


BECAPE DA MEMÓRIA 


 
Comentando com o autor







O escritor Herondes Cezar, nascido em Piracanjuba, berço de Léo Lynce e João Accioly, traz-nos um livro de memórias em que revive lembranças da infância na zona rural, até que a família se muda para a cidade. Estudante, comerciário, professor e bancário, bacharel em direito e crítico de cinema - tais vivencias vêm a ser ingredientes para o exercício perfeccionista da escrita. Devorei o livro em três ou quatro etapas, a poucas horas de intervalo e deliciei-me. 
Seguem, pois, para o autor, as minhas impressões, considerando que nascemos a intervalo de poucos dias e em municípios vizinhos, naqueles tempos do término da Segunda Guerra Mundial. 







Herondes, concluí a leitura! Excelente, meu amigo!

Suas memórias foram tão nitidamente registradas que nos passam, a todo passo, uma plasticidade incrível! Tanto nos cenários dominantes de sua infância quanto nas andanças por Nova Iorque, seu talento de narrador conduz o leitor pela mão, como um parceiro de cada aventura.

Solicitei-lhe o livro por dois motivos - a minha curiosidade em lê-lo e uma certa ansiedade por re-encontrar o nosso bom e velho amigo Zé ("Pinto às ordens", lembra disso?). Não resisti à tentação de ler para minha mulher a história dos livros emprestados.

São muitas e muitas passagens maravilhosas! Você tem um poder de realçar as pessoas... Bem, uma surpresa, que me encheu os olhos de lágrimas, foi o texto sobre mim. Fiquei entre rir e chorar, não consegui lê-lo em viva voz - passei o livro para Mary Anne, que gostou muito!

Minha mulher é filha de um locutor que marcou época em Goiânia, Antônio Gregório, conhecido na intimidade por Gorinho ou Gorim. Ele atuou em “O Azarento”, no qual você foi peça importante para viabilizar o set em Piracanjuba.

Um registro: no período de 1962 (ano em que entrou em vigor a LDB que tirou o Latim do ginásio e flexibilizou demais os currículos escolares) até 1972 (quando os militares impuseram uma reforma do ensino que uniu o primário ao ginásio, criando o Ensino de Primeiro Grau, e acabou com Científico e Clássico, pondo em seu lugar o Ensino de Segundo Grau), o nome Colegial saiu do circuito; só em 1996, com a nova LDB do FHC, foi que surgiram os nomes Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Dei boas risadas em alguns momentos... Especialmente na sua gafe com Ronaldo Cagiano, hehehehehehe. Emocionei-me com suas lembranças de fatos comuns em nossas vidas e com pessoas também comuns tanto na sua quanto na minha jornada, como Roberto Fleury Curado, Willy Pereira da Silva, Prof. Gomes Filho (prefaciou o meu primeiro livro), Prof. Hélio Furtado do Amaral, Taylor Oriente e tantas mais! A Magda, de sua mocidade em Piracanjuba, é a cantora Maguinha?

Você conta também do Concurso Sérgio Porto de Crônicas, em que o Roberto Fleury me colocou no júri. Notável como você descreveu o Roberto de um modo tão sucinto e pleno, ao mesmo tempo. A propósito, uma das vezes em que o Zé Pinto o citou para mim foi com a revista Ficção em mãos, que você lhe passou para que ele me entregasse. Ainda a tenho aqui nos meus alfarrábios.

E, moço, como você reuniu coragem para aquela "campana" no Pier 16, hem? Ah, eu não ficaria sozinho num lugar daqules, numa cidade desconhecida, jamais! Teria ido não só ao Cirque du Soleil, mas até ao Beto Carreiro!

E, enfim, seus artigos de crítica... Olha, eu gostaria muito de detalhar mais passagens, especialmente de sua infância, mas (poxa) estou falando com o autor e já o aborreço demais por realçar alguns momentos.

Seus artigos são, igualmente, de leitura gostosa, deslizantes - e cheia de visgo, pois prende-nos atá a última palavra. Aqui, quero dizer, nos artigos, sai de cena o cronista, o homem da narrativa, dando a vez (e a voz) ao crítico, o analista, o observador por excelência. Neste item, meu amigo, não tenho o que comentar, é seara em que sou estranho (e isto me lembra um provérbio da nossa infância, que você recorda na voz de sua mãe: Boi em pasto alheio berra como vaca). Não tenho envergadura para tal apreciação – já o Lucas, meu filho mais novo, é, como você, apaixonado por cinema.

Porém, fora do livro, quero dizer, feito uma feliz pichação na parede de lado, aquela carta da Sevilha Nogueira para você. Um depoimento desses, meu caríssimo, vale por um diploma registrado no MEC! Meus parabéns!

E, ainda, devo dizer que senti falta do inestimável autógrafo! Mas não o cobro, o mimo daquele texto sobre o poeta de boa memória vale por ele (mas não sei porque acham que tenho boa memória).

Hidrolândia, 19 de julho de 2020  


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Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras


quarta-feira, julho 08, 2020

E por falar em saudade











E por falar em saudade...


Há 40 anos o Brasil perdia Vinícius de Moraes. Costumo evitar a palavra perda quando da morte de algum grande vulto, mas se o desenlace acontece enquanto a pessoa vive uma fase produtiva, e dela seus admiradores e parceiros ainda esperam muita coisa – aí, sim, a sensação de perda é inevitável! Lembro que o genial Dorival Caymmi deixou a vida após os 90 anos e, ainda que a comoção nacional tenha sido intensa, conclamei meus amigos e leitores a agradecer ao céu, que o cedeu a nós por quase um século. Mas Vinícius de Moraes se foi “antes do combinado”, como costuma dizer Rolando Boldrin: tinha 66 anos, naquele 9 de julho de 1980.

Uma coincidência: 14 anos e cinco meses após, seu parceiro Tom Jobim finalizou a jornada terrena, aos 66 anos também.



Vinícius tornou-se conhecido antes de completar 20 anos, tido como um prodígio na poesia. A fama precoce, definiu o próprio poeta, não lhe fez bem: “Me deu uma certa soberba, eu achava que era um poeta genial, essas coisas. Mas depois – contou ele no que se tem como a última entrevista, ao jornalista Narceu de Almeida Filho –, uns dois ou três críticos me puseram no meu lugar, direitinho. Um deles foi João Ribeiro (professor no Colégio Pedro II). Ele me fez uma crítica muito boa, mas também muito severa, como quem diz: Olha, menino, trabalhe mais com o verso livre, os seus sonetos são muito bons!”.

O outro crítico era Manuel Bandeira – poeta e, como João Ribeiro, professor no Colégio Pedro II – que também foi severo ao analisar os poemas do jovem Vinícius. E num momento posterior, Otávio Tarquínio de Sousa “escreveu também um rodapé muito bom, me colocando em minha devida posição. O Mário de Andrade, igualmente, me deu umas porradas muito bem dadas. Isso tudo me ajudou muito”, declarou o poetinha.


Em outubro de 1939, a Grande Guerra eclodira na Europa. A Universidade de Oxford dispensou seus alunos, dentre eles o bolsista brasileirinho Vinícius de Moraes, que aguardou em Portugal o navio em que voltaria ao Brasil. E foi lá, em Estoril, que ele compôs o Soneto da Fidelidade:

         De tudo ao meu amor serei atento
         antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto...

Certamente, naquele tempo de espera o sonetista não imaginaria que os versos finais
Que não seja imortal posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure”

seriam infinitamente repetidos tanto nas declamações em saraus e salas de aula quanto nas cantadas improvisadas e milhares de situações pelo mundo lusófono.

Tinha eu 10 anos de idade quando, recém chegado ao Rio de Janeiro, ouvi uma música surpreendente; o nome: A Felicidade; e os primeiros versos eram

                Tristeza não tem fim / Felicidade, sim.

A voz, salvo engano, era de Agostinho dos Santos. A canção, com melodia de Tom Jobim, tomou conta da cidade e veio a ser o primeiro sucesso internacional da dupla. E foi tema do filme Orfeu Negro, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes e, ainda, ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, sendo o primeiro filme em língua portuguesa a ganhar um Oscar – em qualquer categoria!

Também naqueles anos de 1950, o poetinha Vinícius de Morais tomou por parceiro ninguém menos que J. S. Bach! A histórica Jesus, Alegria dos Homens ganhou ritmo de marcha-rancho e teve seu nome mudado para Rancho das Flores:

        Entre as prendas com que a natureza
        Alegrou este mundo onde há tanta tristeza
       A beleza das flores realça em primeiro lugar...


Para mim – garoto sensível e com o agravamento da saudade dos pais e irmãos, que ficaram em Caldas Novas – as surpresas não acabavam. Uma das mais marcantes foi, em 1959, quando João Gilberto gravou Chega de Saudade, ostentando no rótulo de um setenta-e-oito-rotações o gênero “bossa nova” pela primeira vez.



Àquela altura, nos meus 14 anos incompletos, descobri que, por mais encantadoras que fossem as canções de Vinícius, não deveria mais me surpreender.


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Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.