Tempo inteiro para amar
Planto pinças no tempo memória, busco arquivos remotos e junto cores de auroras quando me acometo de amor. Mas de amor sou assaltado a todo instante, porque é este o sal dos meus instintos.
Para um 12 de junho, ano qualquer, pintamos o dia de arco-íris, de aurora polar e calor amazônico. Egoístas, fechamos nas mãos as mãos com que sonhamos. Abrimos vinhos e sorrisos, aquecemos em banho-maria o coração de Eros e Afrodite. Não existem lugares disponíveis nas casas de jantares nem nas de encontros de pares. As peles nos são eriçadas, os olhos se vestem de ternura e esquecemos os males quotidianos.
Vou à estante de poesia. Busco três livros, não preciso de mais, por agora. São poetas femininas (poetisas, no dizer de antes de Cecília Meireles), gente da minha esquina próxima, meninas vividas e amadas, e amantes conscientes de seus eleitos merecedores de versos (sim, porque não é qualquer humano merecedor de versos, muito menos se femininos).
Em “A dor da gente”, escolho duas estrofes de “Segredos de amor”, quando Leda(ê) Selma canta:
Na sala rosa
o abajur acende
o desejo filtrado
da penumbra”.
(...)
E da madrugada
estrelas vigiam nossa paixão
e ouvem segredos dizerem
promessas a meia voz.
Ah, o amor a meia voz! Acontece muito, eu sei. Mas acontece demais quando chega e, geralmente, desaparece depois de instalado. É assim que o amor se acomoda e vira intimidade, até (infelizmente) vir a ser presença incômoda. O amor “a meia voz” tem que ficar, tem que se repetir, renovando-se nas noites de “a sós” ou nos fortuitos encontros cruzados pela sala, na cozinha, no corredor. Quer melhor que roubar um beijo num momento desses? Assim, o amor nunca envelhece.
Viajo outro livro de poemas. Poetisa local (não que eu não goste de Cecília e Clarice, Lya e Martha, Adélia e outras mais, mas estas me são próximas), elejo Maria Helena Chein, em seu livro “Todos os Voos” (que feio o que nos impõe o Acordo... “Vôo” é mais bonito de se ler). Ali, acho o poema “Propósitos” e destaco esses versos:
...
Não venhas com tua boca
de salmos e beijos,
tornar-me confusa
a cada oração que recitas
em minha alma e meu colo.
Vem, como amigo,
pronto para ouvir
trinados e rugidos
de meus dilúvios.
Amor de dilúvios! Belíssimo! Um achado! A evocação, ainda que negativa ( “Não venhas...”), sugere distância. Amor distante tem tempero diferente, sobrevive às lembranças e aos reencontros. Vivi amor de longo intervalo, e que belo não me foi o reencontro!
E, para fechar este curto espaço de um tema infinito, vou ao futuro, a uma década nonagenária, Berenice Artiaga, com o seu livro “Poentes Interiores”. Em “O Retrato”, ela diz:
Ele está me olhando sem me ver.
Prisioneiro da vida já distante.
A fé, a esperança no futuro ali guardados
Nos olhos mortos há longo tempo.
Não gosto de vê-lo assim preso no retrato.
Sim, Berenice, “filha do tempo” (mas o tempo não te alcança, não é?), é triste ver o amor contido num retrato... Mas amor é isso, amar é assim: ter por perto, conservar distante, guardar no tempo.
E ainda assim, a gente ama. Muito. E sempre.
17 comentários:
Amigo Luiz: Como é bom ler sobre o amor nestes tempos de caos.Um abraço poético.Jurema
Ah, meu amigo poeta, como é bom roubar alguns minutos de nós mesmos e mergulhar na poesia com "tempo inteiro para amar". Parabéns a você e às poetas revisitadas. Abraços.
O amor é tema recorrente para todos que escrevem. Não temos como fugir dele. É muito bom amar, apaixonar, falar desse amor, ler sobre o amor, sempre.
Que bonita sua crônica, Luiz. Um abraço.
Belo Texto! Grande poeta!!! Parabéns! Seu blogger, maravilhoso...Ireci Maria
Meu Deus, isto aqui transpira beleza!
Parabéns pelo belíssimo espaço.
Que tal honrar-me com uma visita?
http://otelicesoares.blogspot.com
Quanta sensibilidade, Luiz! Realmente "Egoístas, fechamos nas mãos as mãos com que sonhamos"... Gostei dos poemas feito intertextos na crônica.
Abraço, Aíla
Olá Luiz,
Começarei pelo fim, onde a vista de uma janela é poética por dentro e por fora. O "mensageiro do vento" pendurado toca e depois leio os trechos dos poemas dessas lindas poetisas (eu também prefiro "poetisa"). Elas são criativas, mas se pudesse escolher, eu diria que me encantei com a última começando pelo fim.
Beijos, querido, tenha um bom dia!
Bom dia, meu querido poeta, Luiz de Aquino!!!
Quanto primor na sua crónica de hoje! Sensilvelmente chorou-me a alma de poeta! É grandioso ler suas criações poeticas e faz bem para o ego.
Meu caro poeta, deixo-lhe meus verdadeiros aplauosos!
Cordialmente,
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CARLOS MÁXIMO
Ah, o amor. Tão necessário e tão esquecido atualmente. Parabéns Luiz por mais essa pérola.
Forte abraço
Diva Ribeiro de Morais
Ótimo, rico!
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Um abraço.
Li, até os que ainda não tinha tido tempo. Como sempre ótimos seus escritos. Adorei as poetas e seus comentário.
Parabéns. Fique em paz
Abçs
Cristiane Arantes
Adorei essa sua crônica, Luiz, e a Leda Selma, com seus segredos, que me encantaram....
Que todos possam viver o amor em sua plenitude, pois sem amor e paixão, a vida perde toda a sua beleza.
Especialmente divina a presente crônica. Encantada, Aquino... encantada!!!
Gostei desta crônica a começar pelo título TEMPO INTEIRO PARA AMAR.
Depois, pela beleza do que você escreveu. Pelas duas poetas lindas com
seus versos e por eu estar junto delas, nesse mar de amor que é a vida
dos apaixonados. A nossa vida.
Obrigada, muito.
Beijos.
Maria Helena
Nossa, Luiz, que lindo! Independente dos poemas de suas amigas, o texto é um belo poema. Adorei! Obrigada pela colher de sopa.
Beijocas. Lêda
Disseste com muita propriedade, querido Luiz, que o amor distante também pode ser mais duradouro, e que torna o reencontro ainda mais prazeroso!
Tempo inteiro para amar é uma realidade que vivenciamos cada dia, apesar dos infortúnios que nos cercam, mas o coração daqueles que amam a poesia sempre encontrarão um tempo para amar!
Obrigada por presentear-nos com essas pérolas!
Um beijo!
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