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sábado, julho 24, 2021

O caçula dos nossos Luízes

Luiz Fernando 



– o caçula dentre os Luízes de Aquino

 

Ele chegou com o Sol, as seis e meia deste hoje, 11 de fevereiro, 2021. Como era esperado!

O pai (meu filho Fernando) escolheu seu nome ainda na adolescência, e minha nora Flávia o gerou com esse tipo de amor que nós, homens, só entendemos um pouco, nunca por completo, quando nos pomos na condição de filhos. E seu irmão grandão, o Daniel, participou em silêncio e brilho nos olhos desde a notícia da gravidez.

Na linha direta de Luís José de Sá, que se tornou Luís Tomás de Aquino por escolha, inaugurando nova família em Meia Ponte (Pirenópolis) dos meados do Séc. XIX, passando por meu avô Luiz de Aquino Alves, somos nada menos que oito com Luiz no prenome (dois são netos meus, pois Luiz Henrique já se aproxima dos 25 anos), mas tem também José Luiz...

Vô Luiz (1898-1977), tio Luizico (Luiz Tomás de Aquino Alves, 1925-2011), Luizinha (Luiza de Aquino Alves, 1945), eu (1945), Luiz Antônio (1953-2015), Luiz José de Aquino Alves (1962) e Luiz José Neto (2017)... Tantos Luíses!

Israel, meu pai, com um tom de molecagem na voz, afirmava que “nenhum Luiz presta” – e narrava os Luíses da família, desafiando-nos. Entretanto, e por maiores que sejam os meus defeitos (ninguém os conhece melhor que eu), orgulho-me dos meus Luíses, o Luiz Henrique (1996) e, agora, o Luiz Fernando: o primeiro nos dá mostras de sua personalidade, sua boa conduta de moço trabalhador e carinhoso; do pequenino Luiz Fernando, aguardo as definições que virão nos primeiros anos para melhor compreendê-lo.

Se me compete abençoá-lo, Luiz Fernando, sei que tenho muito amor e energia para tanto.

 

(A grafia Luiz é bem brasileira; diz a regra que o nosso nome deve ser escrito com S: Luís – mas predominância do Z consagra a nossa escrita)


Luiz Fernando com o Vô Luiz de Aquino



domingo, julho 18, 2021

Amor passageiro

 Leia também em: 

https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/contos-da-pandemia-16-amor-passageiro-de-luiz-aquino-341565/


Pintura de Almada Negreiros



Amor passageiro


Tocava meu queixo
com a ponta dos dedos,
puxava o meu olhar e,
apaixonada, cantava
para o meu encantamento.
(L.deA.)

 

Acabo de me vacinar contra Covid-19. Cumpro essa rotina, agora com dose única, desde que, após três anos, a vida retomou a rotina, ainda que as pessoas adotassem novos procedimentos para a proteção individual ante a nova doença, surgida nas primeiras semanas de 2020. Ao deixar o posto de vacinação, vejo-a chegar com o pai numa cadeira de rodas. Lembrei-me de quando os vi, naqueles dias iniciais da vacinação, em fevereiro de 2021.

Era o tempo da prolongada quarentena, imposta pelo rigor da pandemia que assolou o mundo e a humanidade em plenitude. Uma ordem comum espalhou-se por todo o planeta, pelos lugares aonde chegavam notícias e temores. Nos primeiros dias corria-se às notícias, ora no rádio, ora na tevê, e todo o tempo possível voltava-se à busca de novidades.

Vieram as mortes. Uma em São Paulo, outra mais no Rio, outras alhures e tentava-se alcançar proteção, evitar que o mal atingisse o que se tinha por próximo – mas pouco tempo se deu até que a moléstia se aproximasse. E vieram os casos graves, as primeiras mortes, a incerteza quanto ao tratamento e, súbito, a morte também chegou perto. A solidão do recolhimento era como a tábua do náufrago: a única esperança de salvação.

Álcool em gel; álcool líquido a 70 graus. Máscaras que, rapidamente, sumiram do mercado e dando lugar à criatividade de costureiras profissionais, além da mobilização em famílias para a feitura da nova peça indumentária, que rapidamente se fez tão usual quanto qualquer peça de roupa no uso quotidiano.

Então, fez-se preciso preencher os dias. Trabalhos domésticos, velhos discos e filmes e os indispensáveis livros. A releitura. Alguns livros ainda não lidos. Livros adquiridos entre amigos e parentes, muito por ler, pois! Mas os dias ganharam cores mortas e odores à beira do insensível. O refúgio escolhido: livros de poemas e romances – uns com o peso bem medido dos temperos inusitados, outros insossos como as frases comuns das pessoas inexpressivas.

Foram muitos os meses até que surgisse a grande esperança – a vacina. Houve o empenho da imprensa e dos médicos, pressão da Organização Mundial da Saúde, e muita gritaria antes que démarches fossem iniciadas. Por fim, as primeiras doses e um programa de prioridades quanto a quem seria vacinado primeiro. Aos meados dos meus anos quarenta, sabia que teria de esperar meses e meses até sentir a agulhada no braço para a primeira dose do imunizante. Mas, como repórter, estava sempre em pontos da linha de frente das ações – e, daquele dia em diante, os postos e as filas para a vacina eram a minha pauta.

Corria a terceira semana, ou a quarta, quando a vi. Descia do carro e dava alguns passos até a porta direita, que abriu e acolheu aquele homem, de poucos cabelos grisalhos e alguma dificuldade na locomoção. Deu-lhe, com graça, o braço esquerdo e lentamente caminharam à recepção; em poucos minutos, sorrindo feliz a moça filmava, com o celular, as ações que culminaram com a picada e a injeção segura do líquido salvador no braço do pai – sei porque ela o chamou, como que festejando.

Saquei o telefone e liguei-o para a entrevista, com som e imagem. Nome, idade, profissão... A filha antecipou ao homem idoso e aquela voz deixou em mim uma esperança legítima. Legítima, sim: ela falava comigo como se pretendesse falar mais e, por isso, surpreendi-me ao lhe pedir o número do celular, ao que ela atendeu de pronto, sem receios nem barreiras. Por três ou quatro vezes eu liguei; e pelo menos em duas ocasiões ela chamou. E por sentir que era bem recebido, propus um café.  

O primeiro encontro foi rápido, inusitado... No próprio carro à porta de sua casa. Sem medos nem zelos, ela aceitou a porta aberta; entrou e passou-me a mão esquerda, que colhi e beijei, atraído por um perfume delicado, estonteante. Não percebi o instante em que, tirando a máscara e removendo também a minha, ela me beijou. Acho que me mostrei um tanto surpreso, talvez assustado, ao que ela me tranquilizou:

– Você sugere confiança – ao que retruquei:

– Não se cuida?

Sim, ela se cuidava. Costumava ler meus artigos no jornal e acompanhava meu trabalho na televisão. Por isso dizia confiar, mas insisti em propor cuidados.

Não adiantou muito. Já nos beijávamos com sede e lascívia. Ouvi frases de despertar-me delírios, justo após, com decidido atrevimento, acariciar-lhe os seios.

– Eu me excito com muita facilidade – disse ela.

Com delicadeza e segurança, toquei-lhe o peito direito e fiz descer a blusa; divertida, ela explicava com indisfarçável felicidade:

– Vê que meus mamilos são pretinhos? Tenho raízes, orgulho-me delas!

As circunstâncias eram arriscadas, um namoro avançadinho no carro, à luz do meio-dia em rua movimentada... Interrompemos os toques e combinamos para mais tarde. Corri para casa, cuidei de arrumar o apartamento para recebê-la.

À noite daquele mesmo dia, trouxe-a ao meu miúdo e aconchegante apartamento no Marista. Apartamento de solteiro namorador, sempre cuidei de manter à mão boa bebida e comidinhas várias para antes e depois do amor. O ambiente era favorável – afinal, era indispensável preparar o clima de romance – e de amor, quem sabe?

Soube. Eu ansiava pelo beijo morno e molhado, o passeio mútuo das línguas cúmplices, a textura e a temperatura da pele morena. Entre um beijo e outro, ela dizia coisas e eu também murmurava ternuras.

– Vai conhecer melhor meus morenos.

Ela falava dos detalhes afros de sua pele: além dos mamilos e aréolas, os pelinhos bem tratados, aparados, bem como as axilas depiladas e escuras, atestando a origem.


Tanto mais se amorena
quanto menos roupa tem,
e eu lhe beijo esses morenos
porque sei que me faz bem.

 

Por outros momentos, noites ou dias, e outros locais, em viagens escolhidas, amamo-nos com uma intensidade incomum, feliz e árdua. Mas em poucas semanas as rotinas retomaram nossos dias e nosso tempo. Não sei em que momento nos demos conta das ausências, dos silêncios, das mensagens interrompidas. E não mais nos vimos.

Agora, ei-la de novo num posto de vacinas. Trazendo o pai. Cuidando dele.

Afasto-me discretamente... À simples visão de uma cena repetida senti tremerem-me as pernas. Acho que, mais tarde, devo lhe telefonar.

Ou não?

 

Pintura de Marc Chagal

 *   *   *

Luiz de Aquino