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segunda-feira, novembro 30, 2020

Via, voo... vou!

 



Via, voo... vou!

 

 

Ah, Cotovia! Se Bandeira
me permite, vem de volta
dessa frugal aventura
de voar onde dá o vento.

Sei: voaste ao distante
e remoto, e perempto
e viste terras onde nunca
vai o triste.

 

Mas vem, Cotovia, e diz-me
de nunca mais voar tão longe.
Viaja, sim, mas me leva:
aonde voares, eu voo.
Ou vou!

 

*&*


Poeta Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.

domingo, novembro 29, 2020

Consolo

 


Consolo

  

Sem que me esforce por isto
e sem querer que aconteça,
o pranto me sobe aos olhos
deixando conforto no poço do peito.


Arranco com os olhos
a mágoa e o medo,
a dor e o enfado
que crescem depressa
como os vergéis
sob as águas de setembro.

 

Estas lágrimas
temperam-me a voz e jogam pra fora
o gosto amargoso de tantos fracassos.
Estas lágrimas
passeiam na pele como o resquício
das sensações que me assustam.

 

            Decerto me fazem
            menos tristonho,
            aliviam tensões.

 

Sem que me esforce por isto
às vezes choro à mera menção
de uma frase
ou ao gesto de afeto —
que toca os cabelos e amacia-me os sonhos.

 

Vem daí uma paz e, sem que eu queira,
nascem de novo
as lágrimas de sempre,
quando me sinto bem,
porque te sei próxima
e tão invadida
de mim.


*&* 

 

Luiz de Aquino, poeta, da Academia Goiana de Letras.

sábado, novembro 28, 2020

Determinação

 

Determinação

  

Sonhar de mansinho
como cavalgando o luar
sobre nuvens coloridas. 


Pensar no silêncio
todas as coisas singelas
que um raio de olhar
me sugere. 




Erguer-me aos páramos
onde cabelos escuros
amaciam caminhos
sem direção.

 

            Tudo conduz
            este corpo cansado
            a teus braços.

 

* * * * *

 Luiz de Aquino. Da Academia Goiana de Letras.


 

 

sexta-feira, novembro 27, 2020

Poema da aceitação

 


Poema da aceitação

 


Eu prefiro ficar de cá, cobrindo co’as mãos 
                     [a própria boca para evitar microfonia. 
Um dia, se me deixar levar, posso perder-me 
e sofrer, porque nunca perco a noção do tempo.


Esta noite,
sonharei contigo e vou ver-te neste sonho
onde estivemos antes, há poucas horas,
porque o tempo te parece enorme num instante
e posso saber-te distante
uma eternidade entre duas doses.

 

A angústia, eu sei, 
eu a criei 
e me apego a ela.


A mágoa existe,
cresceu em meu peito 
e não sou josés 
porque não fui o primeiro nem serei último.


A dor, por mais profunda,
não te interessa: houve dores maiores
e não as senti em mim. 


* * *


Luiz de Aquino, poeta, da Academia Goiana de Letras.

quinta-feira, novembro 26, 2020

Rendição

 


Rendição

 

Eu te vejo daqui
olhando fundo pelas lentes bifocais
que a idade exigiu
e concluo tristonho
pela total incompatibilidade
de gênios.
De repente, é um tal de tentar
descobrir novidades
num passado
que me turva a mente
e sugere tristezas.

 

Eu te vejo daqui
e sinto teu cheiro na ponta dos dedos
que te acariciaram (há pouco).
Então me descubro surpreso
por não estremecer
como acontecia antes,
quando te via nas ruas, nos bares...

 

Ah, querida,
que pena que os dias
transformaram meus olhos
que te olhavam bonito!

 

Agora,
é render-se no tempo
ante a força presente
do passado
que insiste em ressurgir.


* * *


Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.

quarta-feira, novembro 25, 2020

Alguém, se não vieres

 


Alguém, se não vieres


 

Eu preciso que me olhes nos olhos
e decifres a angústia
que te atrai e me tortura.
Eu preciso te dizer certas coisas
que se calaram em mim quando te vi
na manhã imprevista
e indecisa,
mas dizer estas coisas custa ânsias
incontroláveis.

 

Eu preciso de vez que te chegues a mim
e não me digas bom dia
e nem me cobres os dias e noites
da nossa ausência.

 

Eu preciso de alguém
que converse comigo
no amanhecer.


* * *

Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.

terça-feira, novembro 24, 2020

Semana inglesa

 

Semana inglesa

 

Te quero e desejo
por companheira;
te sonho e anseio,
é brincadeira!
Te sinto e sofro,
dor traiçoeira.

 

O que falta e machuca
é a voz brejeira
que afaga e acarinha
a pele inteira.

Só não sei como sou
pros teus sentidos
(boca, pele, nariz
olhos, ouvidos).

Coração bate inquieto,
sou só gemidos
quando sei dos meus beijos
já esquecidos.

 

Logo eu que te amo 
a semana inteira 
só me sei desejado 
até sexta-feira.

 

* * *


Poeta Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.

segunda-feira, novembro 23, 2020

Bernardo Elis, novamente.

 



Ao imortal caído

 

Falarei às rochas inertes das cachoeiras,
ao pó vermelho dos barrancos
e às águas borbulhantes dos rios inquietos.
Minha voz ferirá o tímpano das árvores
e ecoará no brilho efêmero da caliandra,
ouvirei histórias de lavadeiras, casos muitos
de soldados e putas, bênçãos de mães ingênuas,
prendas de mãos sofridas.

Lembrarei imagens rançosas
de sábados festivos e domingos preguiçosos.
A fuligem dos fogões da infância
forrará de silêncio uma lágrima teimosa
e farei um verso besta qualquer
que não fechará poema algum,
não abrirá a porta dos sonhos
nem me fará amigo dos poderosos
de cobre e de mando.

Serei farto também de odores saudosos,
como o das frutas maduras
preparadas para o tacho em que ferverá o doce
(alguma voz de pai, severa e grave, dirá de carinhos
mas não será para um filho distante, ausente ou triste). 


Haverá na lembrança o odor das fêmeas,
o odor químico das perfumarias e o mágico
dos frascos artísticos, mas haverá ainda
o odor onírico do desejo
em que um misto de doce e de acre
excita a carne do macho.

Noites tediosas das amplas cozinhas
à luz do borralho antigo:
Criadores de sonhos e imagens;
fazedores de casos contados em roda,
poetas não agem senão na essência inibida
dos viventes pensantes.

Tudo é forma de se construir saudades.

(Para Bernardo Élis, quando deixou de ser carne para se fazer encanto - dezembro, 1997).

  * * *

Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.

domingo, novembro 22, 2020

Bernardo Élis

Quinzena Bernardo Élis 


Minha fala para a QBE/2020


    O vídeo acima, gravei-o há poucos dias para integrar uma coletânea de depoimentos sobre o poeta, contista e romancista Bernardo Élis (1915-1997), um dos mais importantes escritores goianos, que presidiu a nossa União Brasileira de Escritores em Goiás, a Academia Goiana de Letras e ocupou a Cadeira n° 01 da Academia Brasileira de Letras. 
    Na década de 1990, publiquei  o livro BEG - Nossa gente, nossa história, no qual tive a graça de um generoso prefácio do amigo e mestre. Nesse vídeo, prometi que publicaria aqui o prólogo, como mais uma participação minha na Quinzena Bernardo Élis; essa iniciativa se marca pela data de nascimento do autor corumbaense - 15 de novembro - e a data de sua passagem - 30 de novembro.



Um Poeta escrevendo
sobre Banco

 

         Acabo de ler, como prometera, o livro de Luiz de Aquino sobre a vida do Banco do Estado de Goiás (BEG) ou sobre a vida no Banco do Estado de Goiás.

         O que me prendeu no trabalho (afora o encanto do autor) foi o fato de versar sobre um assunto bastante desconhecido para mim, que sempre estive ligado às letras e nunca ao mundo das finanças, especialmente o bancário. Inicialmente, digo que acho válida a obra não apenas porque é bem escrita, mas principalmente porque cogita de um aspecto da vida goiana ainda totalmente desconhecida. Aqui se vê o nascimento e o crescimento do estabelecimento bancário, com suas dificuldades e peculiaridades, mazelas e virtudes. BEG: Nossa gente, nossa história é uma galeria de figuras humanas vivas e lutadoras, tendo a animá-las o espírito admirável de Luiz de Aquino, o nosso querido poeta de tantos bons livros. Aliás, por mais que reprimisse, a veia poética do autor explodiu naquela quadrinha do capítulo intitulado Fevereiro, 1965, que diz:

 

                           Quando eu peço em minhas preces 
                           cada dia o nosso pão, 
                           acrescento no pedido 
                           a vitória do Adão.

                    (Apenas para explicar: esse Adão era um aprendiz de bancário que se "candidatava" a senador.)

          Na verdade, seria um livro intragável se não tivesse a animá-lo o dom de escritor que possui o autor e seu espírito muito especial de enxergar a vida com óculos coloridos, vislumbrando o engraçado, o macabro, o ridículo, o falsamente desagradável nas mais diversas e constrangedoras circunstâncias.

         Acho importante que esse livro venha alicerçar uma instituição goiana que se vem firmando progressivamente e que hoje já representa uma organização indispensável dentro do Brasil.

         Jamais, em tempo algum, procurei o BEG para utilizar de seus serviços ou para solicitar qualquer favor, talvez para meu prejuízo, sei lá! Aqui cabe uma restrição a essa minha afirmativa categórica. Quando na década de setenta disputava um lugar na Academia Brasileira de Letras, usava dos serviços do BEG, Agência Rio de Janeiro, e ali contava com um amigo muito especial, o sr. Macário (de Paiva Neto), que foi muito atencioso, delicado e generoso, auxiliando-me no que podia. No dia de minha posse, compareceu pessoalmente à solenidade e me ofereceu um presente - um jogo de canetas com o meu nome gravado, que conservo até hoje como lembrança inesquecível.

         Valho-me do momento para agradecer ao amigo Macário.

         O livro que acabo de ler é uma valiosa contribuição à história de Goiás, num de seus ramos mais desconhecidos e mais pobres que é o das atividades financeiras. No entanto, talvez, a de maior importância para o nosso desenvolvimento.

 

         Goiânia, 19-X-93.

***

         

Parte final do prefácio, no livro. Na foto, Macário de Paiva Neto
presenteia o novel acadêmico da ABL com um jogo
de canetas em  ouro.


* * *

Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.


sábado, novembro 21, 2020

O íntimo

 


O íntimo

 

Chegarei no silêncio da espera 
e abrirei a porta dos sonhos, estes nossos 
que antecedem o encontro e o beijo.

 

Nossas línguas, cúmplices, assinam o pacto 
inevitável e seguro de longos momentos 
de prazer e delírio.

 

Vamos bailar ao ritmo das nossas estrofes 
e levitar nossas peles eriçadas 
ao chão dos anjos.

 

E eu te beijo, muito e sempre, 
toda a pele, toda ela.

 



Vou te amar em desejo e sentimento, 
deliciar-me de seus picos e vales cálidos 
e embriagar-me do mel que colherei na fonte.

 

Entre nossas bocas e odores, 
fremiremos de gozo pleno. 
E já começamos a sonhar 
o novo êxtase.

 

*&*


 Luiz de Aquino, poeta. Da Academia Goiana de Letras.

 


 

sexta-feira, novembro 20, 2020

Cesinha Canedo


     

Toda morte nos entristece, muitas nos causam dor e uma estranha sensação de ausência. Cesinha Canedo se foi há pouco e me deixou neste beco de indecisão. Por isso, posto agora mais um poema no blog - um poema em que me refiro a ele e do qual ele gostava muito.

Revivência

 

Tenho tempo 
pra reviver vivências. 
Mona Lisa, moça livre, 
noite insone (Cesinha viveu na zona!).

 

Um Anjo Azul 
reina sobre o Lago 
das Rosas, 
a madrugada reinventa a vida. 
Há poesia, inocência e boemia.

 

Goiânia dorme, espera: 
adolescente renascente em gris, 
cãs precoces, sonhos revividos.

 

Quero acordar outra vez 
em plena Pedezesseis.


 #

 

Luiz de Aquino

O espaço


O espaço


Preciso de um ateliê... Sim, isso! Uma oficina para
a poesia. Tenho as ferramentas e aparelhos
ao dispor, porque aos poetas foi dado o
espaço sem limites e os cenários
de todos os seres. Mas só os
 poetas os percebem.




Tenho o céu, com Sol, quando dia, 
e tenho a Lua no céu das noites. 
 


Tenho um sentir de magia e feitiço 
ao render-me à luz dos teus olhos 
e ao calor de bom aroma dessa pele clara 
e doce, e muito desejada.



Tenho as mãos, estas minhas, 
a buscar as tuas num conluio de anjos 
em congresso (ou recreio).

 

Sonho-me a beijar tuas mãos. A palma, primeiro, 
e o vão dos dedos, como quem conta segredos.

 

E sonho que teus olhos sorriem 
o arrepio que te causa minha boca 
a atrever-se cúmplice, 
a pedir a tua para conspirar o amor 
de preliminares, exclusivo e claro. 
 


Então, peço aos anjos que fechem as portas, 
nossa oficina pede sigilo e proteção: 
anseio por tua pele nua, teus beijos ávidos 
e minhas mãos pedem espaço e liberdade.

 

                - Somos nossos, enfim!

 

*&*

 

Luiz de Aquino, poeta, da Academia Goiana de Letras.

quinta-feira, novembro 19, 2020

Dos dons e da Lua

 


Dos dons e da Lua

   

Um dom deu-me Deus
e sei no Sol de não ser só
um pobre poeta e pessoa.

 

Ao tempo de antes e tarde
pensei as penas, prendi-as
em mãos macilentas;

 

Devia despir-me de dores,
molhar-me em olhos vermelhos,
nadar em noites e nadas.

 

Dom de dor e deveres,
canto de calma e de canários,
lavados em luar e Luanes.

 

&*&

 

Poeta Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.

quarta-feira, novembro 18, 2020

Feitio de sorte ou morte

 


Feitio de sorte 
ou morte

 

Magia mais forte é mandinga,
feitiço e feitio
de mudar a sorte.

 

Não há regular-se ante o tempo
nem inventar o amor insensível:
amor é poção de morte.

 

Ou de doer (quem não fenece
é poeta).

 

*&*


Luiz de Aquino, poeta, da Academia Goiana de Letras.

terça-feira, novembro 17, 2020

Mãos de afago e deleite



Mãos de afago
e deleite


− Que vãos? Vãos entre paredes
nas ruas desertas
de pacatas cidades?
Ou verdes vãos
entre montes solenes
da Pátria querida?

 

− Tenho mãos
que amansam vãos. Não esses...

 

− De que vãos, então, falais
senão os vãos em nada vãos
do cenário auriverde?
E como, dizei-me,
amansar o que é de natural
e não se faz feroz?

 

− Tenho mãos que amansam
os vãos indóceis das coxas fêmeas.

 

Vãos amados, bem fornidos,
carnudos e tenros,
curtidos em óleos nativos
de profunda entranha
(por isso, são doces e acres,
feito poções de boa conserva).

 

Amanso os cálidos vãos das fêmeas
com as mãos de afago e deleite.


Ilustrações: Poly Duarte

& & &


Luiz de Aquino, prosador e poeta. Da Academia Goiana de Letras.


 

segunda-feira, novembro 16, 2020

Feito Amor

  

Canto de Amar. Capa de Ross, 1986



Feito amor

 

Eu quero gostar-de-você.
Um gostar-de-você tipo assim,
coisa nova, por mais antigo seja pra mim
gostar-de-você.

 

Eu quero gostar-de-você
outra vez como sempre
e sentir tua pele e teu cheiro
feito coisa de aconchego,
feito coisa de acalanto.

 

Gostar-de-você sob a luz das estrelas
e na intimidade do abajur
feito como era antes
de perdermos as cabeças.

 

E assim,
gostar-de-você feito sombra em lua cheia,
feito meia-noite-e-meia,
feito um choro de alegria,
amanhecer ao meio-dia.

            Feito nós dois
            sendo o mundo inteiro.


Em 1986, publiquei Canto de Amar. Era o tempo dos ótimos botecos goianienses, com a melhor MPB e um ar de lirismo no ar, com incontáveis casais enamorados, consumidores da boa música e da poesia sincera. Conheci o poeta Hércules Martins, que reapareceu ontem, mostrando-me fotos: a capa, a dedicatória e um poema escolhido por ele - justo este Feito amor. L.deA. 

* * * 

 

Luiz de Aquino, poeta e prosador, da Academia Goiana de Letras.

Uníssonos



UNÍSSONOS

 

Vem. O teu sorriso à porta
e o beijo me dizendo oi
serão formais e formal
estarei com a mesa posta
(haverá teu uísque e canapés
como gostas
e gostarei de te ouvir dizendo coisas
em que não crês,
em que sabes que não acreditarei).


Vem, vem rever teus retratos
e calçar os chinelos virgens ainda
dos teus pés
que tenho saudade de beijar. 


Haverá flores pela sala
e na cama os lençóis
que não usaste.
Estaremos medrosos
do que possa ocorrer
e recusarás minhas mãos
em tuas coxas.


O beijo, relutarás em aceitá-lo
mas me beijarás também
com o mesmo fogo,
como sempre nos calcinamos
no amor exclusivo
de tanto amor.

 

Vem. Vem rever meu sorriso
e ouvir meus gemidos
uníssonos aos teus
no gozo único,
já que jamais acharemos
parceiros tão iguais
como o fomos.

* * * 


Luiz de Aquino, poeta e prosador, da Academia Goiana de Letras.

sábado, novembro 14, 2020

Novembro, manga e voto

Serra de Caldas, Caldas Novas.

 

Novembro, manga e voto

 

Novembro vai-se a meio e eu
não pensei no Natal, ainda,
tão ocupado de sucessão!


Mas é novembro. Na minha terra,
a chuva encharcou a serra,
reverdeceu encostas calcinadas
nos primeiros dias de outubro
(o fogo, às noites, novelo dourado
enfeitando o negrume do céu).


É novembro, tempo de manga,
morango e maracujá — mas o pequi
me encanta:
drupa dourada, óleo doce,
cheiro e flor do meu cerrado
que a queimada quer sumir.


É novembro, manga e voto,
chuva e choro; choro
a falta de alguém
que me afague os cabelos
e me fale de coisas como
chuvas hibernais
e o sibilar no final
das palavras em plural.

 

Meu coração antecede ditames
legais
e se abre pra contar
que te elegeu sem concorrência,
sem ideologias,
sem apuração.

 

* * *


Luiz de Aquino, poeta, da Academia Goiana de Letras. 

sexta-feira, novembro 13, 2020

Meu Pai

 


Meu Pai 

        Em 14 de novembro de 2011, Israel de Aquino Alves, meu pai, fez a passagem para o outro plano. Tinha 89 anos e poucos dias antes, muito feliz, tocava na festa de aniversário de Edith Ala, amiga da vida inteira. Nestes nove anos de sua ausência, nada preencheu o vazio que se fez em nossas vidas, nem o silêncio em seu bandolim.

 

Dedos ágeis esses teus, meu Pai.
Trazem sons que lembram cores
em manhãs de flor e sol, às vezes.

Trazem sons, em outras vezes,
para lembrar dores de amores.
É sempre bom te ouvir, meu Pai,
quando tocas, quando falas.

Esse falar tão pouco, esse quase
não dizer porque é preciso
nos deixar à vontade
para o acerto e os erros.

Nos erros, tens para nós os ombros,
sempre confortáveis,
e outras poucas palavras
para o reconforto; nos acertos,
o riso indisfarçável
do orgulho que engrandece,
da humildade quase beatificante.

Andam ágeis os teus dedos
apesar dos anos todos.

Olha, meu Pai, eu não preciso
um mero domingo em agosto
para te falar de coisas simples,
cristalinas e fáceis, 
como este sempre envaidecer por ser                                                             [teu filho.

            –  Toca outra valsa, meu Pai!

& & &

 Luiz de Aquino, poeta, membro da Academia Goiana de Letras.

quinta-feira, novembro 12, 2020

Nua Lua



NUA LUA 

 

Nascia vermelho
um quarto minguante
enquanto a estrada renascia sempre,
encurtando distâncias
na velocidade serena.

 

A noite ganhava um encanto
maior,
brotando de nossos corpos,
tão próximos e tão sós.

 

Na imensidão do tempo,
a paz inconfundível
que só os amantes tão amantes
sabem sentir.

 

Então
quebrei o encanto do silêncio
pra desejar num sussurro
a persistência deste amor
muito além
de nós mesmos.


 & & &

 

Luiz de Aquino, escritor de prosa e verso. Membro da Academia Goiana de Letras.

quarta-feira, novembro 11, 2020

Rio Quente e eu

Praça da Matriz, Caldas Novas, na minha infância.

Rio quente e eu 



Na minha terra existe um rio.
Pequeno curso, pequeno caudal
que deságua límpido
nas turvas águas do Piracanjuba.


Corre alegre, borbulhante,
mantendo constante
a água clara
a trinta e sete graus.

Persistente, meu pequeno Rio Quente!
Foi ele a imagem primeira
do que chamei de rio.


Rio Corumbá, em Caldas Novas.

Mas não é ele, ainda,
um rio de verdade. É ribeirão;
e na cidade (pouco mais que vila),
o Córrego de Caldas,
miúdo e manso: hospitaleiro
para o banho, farto de lambaris
de ingênuas pescarias.

Rio mesmo
é o Corumbá, violento e forte.
Vem do norte
e reforça o Paranaíba,
que nasce em Minas.


Rio Pirapitinga, Caldas Novas.


Rios são assim, feito a vida. Tímidos
primeiro, crescentes depois.
E viram grandes
quando grandes somos também
tal como grande nos parece o mundo.


Saudade de ser córrego:
hospitaleiro e manso.







 

 * * * 


Luiz de Aquino, poeta e prosador, da Academia Goiana de Letras.

terça-feira, novembro 10, 2020

VILA BOA DE GOIÁS



 Três sinais de devoção a Vila Boa de Goiás

 

I – Fetiche


Joguei na estrada
o peso incômodo de afazeres:
fiz-me despojado das angústias.

Vim ver a lua quase plena
despontar perto da cruz
na elevação de Dom Francisco.


Vim veloz, sobre rodas roçando asfalto.
Trouxe os pés de beijar as pedras das ruas e
os ouvidos de encantar-me a alma ao
                                    [rumor do rio Vermelho.



II - O sol

O sol nas pedras (é manhã de agosto)
alegra o tempo de se contar histórias
e de se ouvir conceitos pela luz das letras.


Abri antenas de sentir presenças
e escutar fuxicos.

Beijei o sol no verde alegre das folhas
e no vivo das cores do ipê.



III - Cruz do Anhanguera




Cruz mortiça de madeira velha
na cruz das ruas. Logo ali,
Casa Velha da Ponte, no caminho do Rosário.

 

Cruz de bênçãos, velho madeiro que se
                                                        [tem de história
onde existiu em fé e taipa a Igreja da Lapa
que as águas do rio Vermelho levaram
                                                    [de volta ao barro.

Da Lapa, só lembranças.
E o sussurro ingênuo das águas
colhe bênçãos da velha cruz.


* * *


Luiz de Aquino,  poeta; da Academia Goiana de Letras