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sexta-feira, abril 30, 2021

Mãos

 

Mãos

  

Meu pai tem mãos
de amaciar violão (feito as de Rabelo
e Emídio, Marcelo e João Bosco).
Minha mãe tem mãos-carinho
(como as de Mel e Iliana,
de Zaira e Mariana).

            Tenho mãos de escrever poemas
            de amor e coisas afins.

 

O mundo tem mãos que espancam e afagam,
esculpem e colorem. As de Marcos fazem sons,
as de meu pai criam acordes,
despertam amores, acalentam dores,
adormecem temores e acordam saudades.


 

            As minhas molham-se em molhos
            sensuais.
            Tenho mãos
            que amansam vãos.

 

 *   *   *

Poeta Luiz de Aquino



quinta-feira, abril 29, 2021

Êxtase

 

Êxtase

 





É assim que te quero: absorta,

olhos úmidos, atenta

a quem fala o que às vezes

nem queres ouvir.



Eu gosto do jeito maduro

com que te referes a papos

de bebuns de quintas-feiras.


Mas gosto inda mais

do sorriso claro que abres

em clave de lua

pra exibir tua voz

que me encanta.

 

*   *   *
Poeta Luiz de Aquino



 

quarta-feira, abril 28, 2021

Tempo e distância

Estação de Marechal Hermes: a ponte entre a morada e o Colégio.

 

Tempo e distância


Poesia chegando lenta
nos anos doces da infância.

Poesia cantada
era rima afagada
em cordas e acordes
- feliz serenata!

Meu berço natal,
a mínima aldeia das águas termais
- meu sempre Goiás.

Praça da Matria, Caldas Novas, em 1950




Poesia eram versos
das valsas boêmias,
ingênuas canções:
- acalentantes violões

A mesma praça, em 1956.

Eram tais os anos da infância:
escola, igreja, rua,
cascalho, a terra nua,
frutas no pé, o córrego manso,
folguedos, traquinagens,
afago de mãe, brabeza de pai.
- Lembrar traz saudades, ai!

Irreversíveis os anos, triste crescer.
Adolescência, espinhas,
colégio severo, leitura proibida,
olhar de malícia, menina de fita,
as pernas à mostra, o sangue a ferver.



O trem de todos os dias... 


Dor de saudade, a família distante,
o uniforme, as provas, o trem escaldante,
o ritmo das rodas de ferro
nos trilhos de ferro e o canto,
o canto cantante
gritando poesia:
          falta o verso,
                   falta o verso,
                             falta o verso...

"Eu era feliz e não sabia",
cantava Ataulfo Alves.
Poesia entrava discreta
na mente do negro poeta.

(Difícil distinguir negro e poesia,
somos Brasil de amor e de grei).


Fiz-me vate por amor e índole,
faço versos viandantes,
estrofes de rimas falsas,
poemas de amor e revolta.


A prole toda, em 1995...


Poemas meus, os dos tempos
do cantar amadas indiferentes,
poemas meus de fazer triste
a alvorada, de atormentar o pôr do sol.



Poemas de atrair amadas, poemas outros
de reconstituir romances. Poemas vários,
bem humorados, poemas amargos,
de grito e revolta ante o injusto,
o títere, o tirano, a fome e a dor
dos esquecidos.

Meus versos, andarilhos,
correram mundos,
molharam-se de mares.
Criaram asas, ganharam ares,
voaram o tempo.


Ofertei-os a amigos antigos,
a novos pares, leitores novos.
Escrevi-os em guardanapos de bares,
cadernos de amigos, paredes e tetos
das casas boêmias.

Em livros, tornei-os solenes,
conquistei notícias, recitei-os nas rádios,
nas tevês e em palanques.
Vendi-os de mão em mão,
de porta em porta, de bar em bar.
- Voltaram a mim, em cartas e carinhos.



O trote do trem pedia poesia,
o peito infante, arfante, amando,
musas meninas espargindo alegria.
Alma criança, gestos marotos,
desejo nascente:
- Saudade é musa exigente.

Os livros correram distâncias,
ganhei carícias de jornais longínquos.
No éter, viajei satélites
artificiais, tornei-me "bites" na Internet.
Meus versos navegaram
além dos mares, das estradas, das matas.
- Retornam sempre sob novos comentários.

Viajam longe, muito longe, meus versos.
Deixam a esteira de espuma
no mar virtual de ondas ininteligíveis
para o poeta geógrafo.
Mas sonho vê-los história
no tempo que me suplante,
conduzindo além do tempo
a poesia no transpor milênio!



*   *   *
Poeta Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.


 

Poema apresentado na Eispoesia - Vila do Conde – Portugal, evento promovido por ocasião do 30º aniversário de morte do poeta José Régio (abril de 1999).

terça-feira, abril 27, 2021

Terrivelmente pela vida...

 Hoje não tem poema. Vai uma crônica recente

Terrivelmente pela vida, 

com dignidade!

 

Depois de fechar o verão neste segundo ano de pandemia, as águas de março estendem-se por abril como que a despedir-se do Planalto Central, hoje por demais desvestido de sua cobertura natural, o cerrado, para permitir a expansão desmedida do agronegócio porque alguns poucos, poderosos das finanças e com as patas fincadas na política, não se conformam com o equilíbrio em suas contas e bens materiais.

O poder das botas e da pecúnia busca fincar raízes em vários espaços. Tradicionalmente na proximidade com o governo da União, exercendo controle sobre governos estaduais e, com mais força ainda, o mando irresistível sobre as gestões municipais, como se não lhes bastasse, irmana-se a um segmento relativamente novo e em expansão: as igrejas evangélicas, que se multiplicam sem limites nem controles, com a influência mental sobre as pessoas de menor resistência intelectual e a cumplicidade dos que, dotados de maior informação e processamento, veem nisso a chance de crescimentos econômico e político.

É a volta a um estágio que nos lembra a Idade Média, quando os cardeais pesavam fortemente sobre reis e príncipes – agora são os bispos sem batinas nem paramentos. Essas igrejas, como se fossem partidos políticos, elegem vereadores e prefeitos, deputados, governadores e senadores e, por fim revestem de um estranho verniz protetor o presidente negacionista, radical e militarista-miliciano; e orgulham-se quando o mais alto mandatário ameaça o Estado ao dizer que colocará na Suprema Corte ministros “terrivelmente evangélicos”.

O primeiro que lhe coube indicar, Kassius Conká, mobiliza a Alta Magistratura por alguns dias ao afrontar decisão esclarecedora da própria Corte que, apenas interpretando o texto da Carta Magna, informa que prefeitos e governadores têm, sim, o dever (mais que o poder) de estabelecer regras e normas de defesa ante a pandemia – e o mais elevado colegiado jurídico do Estado Brasileiro, o STF, consome-se a ouvir discursos “terrivelmente evangélicos” para exigir realização de cultos protestantes (neopentecostais – que estão mais para a política que para o cristianismo) e missas católicas (não soube de exigências dos católicos quanto a isso) em regime presencial, acima das determinações municipais e estaduais.

Pior que tudo isso é o argumento do Advogado Geral da União e de ministros de Estado alegando que as decisões judiciais têm se mostrado anticristãs.

Oi?

Paro por aqui. Recuso-me a ofertar minhas delicadas orelhas e meu sofrido aparelho auditivo como vasos sanitários portáteis – de amplo uso até meados do século passado, mormente em períodos noturnos em solenes residências desprovidas do que hoje temos por banheiros.

Abaixo os “terrivelmente” – de quaisquer nuanças religiosas! O Estado é laico e o momento é de praga e de fome.

 

Luiz de Aquino
(da Academia Goiana de Letras) 


segunda-feira, abril 26, 2021

Outono e tarde, Inverno

 

Outono e tarde, Inverno

 

Teu sorriso... 
ele chega feito luz, 
ilumina teu rosto e o ambiente.

 


Boca de pétalas rubras, 
ninho para beija-flor.

 

Quero ser teu beija-flor 
e brincar de aviãozinho...

 

Soltar minhas mãos, aeroplanas, 
a sobrevoar, rasantes, a pele suave e cheirosa 
com a agilidade das carícias

 

e o efeito das folhas a cair num outono 
feito esse, o que me felicita 
por te trazer a mim.

 

Fosse mago, 
cuidaria de ter-te perto, 
bem pertinho, ao alcance 
dos meus dedos para ofertar-te, 
em convite, proposta pura e bela 

 

de um passeio de mãos dadas: 
final de tarde ao sol

 

prenunciando a noite de ternura e abraços 
para o desabrochar dos beijos.

 


*   *   *
Poeta Luiz de Aquino


Por Laércio, 2005

 

 

 

 

domingo, abril 25, 2021

Bailarina

 Bailarina




Corpo no ar, esguio e sólido
ciente de tudo o que lhe é de direito
e suave.

Corpo cuidado e saudável, ornado de vestes.
Base de concretas e delicadas
sapatilhas.

Cabeça dotada,
isenta de dores e trauma,
apta ao domínio do espaço.

Ágil, leva o corpo ao ritmo
e às magias da trilha melódica
e faz das artes casamento
íntegro, impecável, perfeito!

Por momentos eternos
o baile acontece,
e tudo em volta se envolve
de encanto e leveza.

Os dias, as horas,
tudo o que vem depois e como foi antes,
volta à rotina, conduz a menina à dor do real.
É preciso sobreviver.

Mas para viver, há que ser arte!

*   *   *

Poeta Luiz de Aquino



sábado, abril 24, 2021

Canto de Véspera

Canto de Véspera



Canto próspero, este de abril.
Ouvi de Adélia os Oráculos
cantados em Maio. Aguardei
para estar outra vez
em Áries e Touro. Debalde:
não me afeiçoo ao plágio
e o pastiche, tal qual, enoja-me.

 

Eis-me, pois, Senhor, genuflexo e confesso:
é Setembro e canto
memorando Abril. Conclamo Adélia
e os Oráculos de Maio.
Predições em Libra
coroam meu canto de véspera.


É Primavera, Era de Aquário. 


     


   A página virada 
   abre outro Século, 
  inaugura Milênio.


*   *   *
Poeta Luiz de Aquino

sexta-feira, abril 23, 2021

Enquanto esta vontade

 Enquanto esta vontade

  


Direi esperanças
em todos os gestos.
Serei solidão
para nascer outra vez
enquanto durar esta vontade de ti.

 

Se pensar,
perderei esta noite
e teus beijos serão saudade vazia.

 

Melhor que te sinta
intensamente perdida
que esperar milagres.
Mas direi esperanças em todos os gestos. 


*  *  *
Poeta Luiz de Aquino 



 

quinta-feira, abril 22, 2021

Nas Minas, nos Gerais

 

Nas Minas, nos Gerais

 


Teus olhos, teu riso contido.
Carícias tão tuas,
calor peculiar.
Teus pés de carinho,
teus pés de caminho
(teus pés de parar).




Dá saudade:
viro o mundo ao avesso,
busco o tempo sem remorso,
acho o espaço dessa Minas,
e me afundo nos Gerais:
ver-te inteira,
recém feita mito e espera.
Xica da Silva revivida,
tez morena que enfeitiça.



*  *  *
Poeta Luiz de Aquino

quarta-feira, abril 21, 2021

Química morena

 

Química morena

 

Semeio meu beijo em tua língua.
Plantas em mim a seiva doce
que segregas, os olhos azuis
semicerrados: eriçam-me a pele
e os pelos e nos temos nos braços.


Amamos. Teu ventre, seara fértil;
meu sêmen é flor, pólen que colhes
para “reeditar o mundo”. (*)
Virá, ao tempo e à luz,
a morenidade que me antecede.


Virá o azul nos olhos,
como os que semicerras
desde o primeiro beijo
para eternizar-se por nós e pelo tempo
muito além de nossas rugas.


 *  *  *

Poeta Luiz de Aquino


  (*) "Reeditar o mundo": de Antônio Ioris, poeta gaúcho. 

terça-feira, abril 20, 2021

Reconciliação

 

Reconciliação



Não existe este gosto
de coisa esquecida
que o vinho insinua.

 

Não existe este olhar
de indiferença
que a noite (sem lua)
insinua.

 

No fundo, no fundo
existe um desejo
de te olhar nos olhos
e pedir perdão
enquanto espero
que me sintas presente
e me convides
para estar contigo.


*  *  *

Poeta Luiz de Aquino
(
1982)



segunda-feira, abril 19, 2021

Na esquina do tempo

 Na esquina do tempo

 


A espera doída
é momento eterno.
Até quando
estar nesta esquina
de um tempo incerto?
Ficar à espreita
do teu sorriso
e perder-me no gosto
do teu chegar?

 


É bom que te veja
por vezes
até que outros sóis
sorriam pra gente.

 

*  *  *
Poeta Luiz de Aquino

 

 

domingo, abril 18, 2021

Até o alvorecer

 Até o alvorecer



Deixa nascer a lua
e não me importarei
que a aurora te leve.
Deixa adormecer a noite
antes que te decidas partir.

 

Não lamentarei os destinos todos
do amanhã
se estiveres comigo.
Ouviste o silêncio?
Ele conta lindas histórias.


 

Espera. O sol não demora
e conta coisas quando chega.
Espera eu dizer outra vez que te gosto
e derrama esse mel dos olhos
pros montes dormidos
enquanto a noite
já é madura.


*  *  *
Poeta Luiz de Aquino


sábado, abril 17, 2021

As flores


 

As flores

 

 

 

As flores — ah, as flores!
Elas ficam aí, como alguém as pôs
e não interferem no silêncio
da imaginação.
De repente as descubro
e me envergonho
de as não ter visto antes. 



As flores,
elas ficam assim
como quem chegou pelos fundos
e fazem tudo pra nos fazer felizes,
apesar de tudo.


As flores, querida,
são o recado
que a gente tentou mandar
e não soube dizer.


*  *  * 
Poeta Luiz de Aquino


sexta-feira, abril 16, 2021

Além hoziontes

 


Além horizontes

 

A vida, esta minha, tem áreas
medidas em horizontes (é isso
de se olhar o céu beijar o chão).

 

A vida, esta minha, quer ir além.
Quer ver-te no céu além da linha
terra-e-céu, viajar nuvens e areias.

 

A minha vida
quer te amar além
montes e mares.

*  *  * 

Poeta
Luiz de Aquino



 

quinta-feira, abril 15, 2021

Horas nossas

 


Horas nossas

 

Nas horas de só
evoco teu nome:
eleva-se em torno
de mim e ao céu
um cheiro de sempre,
uma sombra de noite.

 


   Nas horas de só 
    escuto-te a voz. 
    Amolda-se a ânsia 
    do tato, o sabor de salivas 
    cúmplices 
    num beijo esperado.

 

    Nas horas de nós
    encontro-te minha e teu
    me sei por inteiro. 


Áureas horas 
essas nossas!


*  *  *
Poeta Luiz de Aquino