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quarta-feira, abril 28, 2021

Tempo e distância

Estação de Marechal Hermes: a ponte entre a morada e o Colégio.

 

Tempo e distância


Poesia chegando lenta
nos anos doces da infância.

Poesia cantada
era rima afagada
em cordas e acordes
- feliz serenata!

Meu berço natal,
a mínima aldeia das águas termais
- meu sempre Goiás.

Praça da Matria, Caldas Novas, em 1950




Poesia eram versos
das valsas boêmias,
ingênuas canções:
- acalentantes violões

A mesma praça, em 1956.

Eram tais os anos da infância:
escola, igreja, rua,
cascalho, a terra nua,
frutas no pé, o córrego manso,
folguedos, traquinagens,
afago de mãe, brabeza de pai.
- Lembrar traz saudades, ai!

Irreversíveis os anos, triste crescer.
Adolescência, espinhas,
colégio severo, leitura proibida,
olhar de malícia, menina de fita,
as pernas à mostra, o sangue a ferver.



O trem de todos os dias... 


Dor de saudade, a família distante,
o uniforme, as provas, o trem escaldante,
o ritmo das rodas de ferro
nos trilhos de ferro e o canto,
o canto cantante
gritando poesia:
          falta o verso,
                   falta o verso,
                             falta o verso...

"Eu era feliz e não sabia",
cantava Ataulfo Alves.
Poesia entrava discreta
na mente do negro poeta.

(Difícil distinguir negro e poesia,
somos Brasil de amor e de grei).


Fiz-me vate por amor e índole,
faço versos viandantes,
estrofes de rimas falsas,
poemas de amor e revolta.


A prole toda, em 1995...


Poemas meus, os dos tempos
do cantar amadas indiferentes,
poemas meus de fazer triste
a alvorada, de atormentar o pôr do sol.



Poemas de atrair amadas, poemas outros
de reconstituir romances. Poemas vários,
bem humorados, poemas amargos,
de grito e revolta ante o injusto,
o títere, o tirano, a fome e a dor
dos esquecidos.

Meus versos, andarilhos,
correram mundos,
molharam-se de mares.
Criaram asas, ganharam ares,
voaram o tempo.


Ofertei-os a amigos antigos,
a novos pares, leitores novos.
Escrevi-os em guardanapos de bares,
cadernos de amigos, paredes e tetos
das casas boêmias.

Em livros, tornei-os solenes,
conquistei notícias, recitei-os nas rádios,
nas tevês e em palanques.
Vendi-os de mão em mão,
de porta em porta, de bar em bar.
- Voltaram a mim, em cartas e carinhos.



O trote do trem pedia poesia,
o peito infante, arfante, amando,
musas meninas espargindo alegria.
Alma criança, gestos marotos,
desejo nascente:
- Saudade é musa exigente.

Os livros correram distâncias,
ganhei carícias de jornais longínquos.
No éter, viajei satélites
artificiais, tornei-me "bites" na Internet.
Meus versos navegaram
além dos mares, das estradas, das matas.
- Retornam sempre sob novos comentários.

Viajam longe, muito longe, meus versos.
Deixam a esteira de espuma
no mar virtual de ondas ininteligíveis
para o poeta geógrafo.
Mas sonho vê-los história
no tempo que me suplante,
conduzindo além do tempo
a poesia no transpor milênio!



*   *   *
Poeta Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.


 

Poema apresentado na Eispoesia - Vila do Conde – Portugal, evento promovido por ocasião do 30º aniversário de morte do poeta José Régio (abril de 1999).

16 comentários:

Prof. Cosme Juares disse...

Lindo versos que tratam da metalinguagem poética e grandes momentos nostálgicos.

Zanilda Freitas disse...

Que retrospectiva magnífica!

Rosamábile Marques de Jesus disse...


Lindo poema - e a ilustração da Estação condiz muito ao tema!

Ramde Sevla disse...

Maravilha!

Luiz de Aquino disse...

Na segunda foto, a legenda saiu com um errinho de digitação: "Praça da Matria, Caldas Novas, em 1950". O certo é:
"Praça da Matriz, Caldas Novas, em 1950".

Gugu disse...

Reminiscências... como é lúdico cobrar o tempo que se teve e que Não se tem. Como é doce viajar nas lembranças mais puras do nosso tempo para ajudar-nos a imaginar a construção do tempo que nos resta no que nos permite ainda nossa capacidade de fantasiar a nossa vida.

Bernadete França Jufer disse...

Lindo demais, Poeta. Quantas lembranças!

Bernadete França Jufer disse...

Muito lindo,m Luiz.Lembranças de uma vida, de maneira tão poética!

Elenice Vaz. disse...

Lindo poema e as ricas ilustrações de alguns desses momentos vividos por você! Maravilha! Boas lembranças...

Bete Jufer disse...

Lindo.Simplesmente lindo.

Bete França Jufer disse...

Poema muito bonito. Recordações intactas de um tempo que passou, mas que continua vivo na lembrança do poeta... que o transformou em poesia!
As fotos são ilustrações preciosas desta época.

Maria Helena Chein disse...

Tempo e distância
A poesia chegou trazendo a infância, a mocidade, os sonhos e a própria poesia recitada aqui e longe, perpetuada nos livros que existirão para sempre.

Nazareth Freitas disse...

Tudo lindo! Mas a poesia Tempo e distância me fez chorar. Muito tocante.👏👏👏👏👏

Laurita Da Luz Cardoso disse...

A infância que não volta.

Sônia Elizabeth disse...

Lembrancas...lenitivos...poesia.

Nádia Maria Vinhas disse...

Que linda homenagem a sua infância/juventude... fiquei te imaginando no uniforme do Pedro II, assistindo aulas naquelas salas que deixam saudades... o trem, tudo tão bem descrito, detalhado, percorri contigo parte da tua juventude, senti tuas emoções... "saudade é musa exigente", ...adorei meu poeta... meu amigo querido!