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terça-feira, abril 27, 2021

Terrivelmente pela vida...

 Hoje não tem poema. Vai uma crônica recente

Terrivelmente pela vida, 

com dignidade!

 

Depois de fechar o verão neste segundo ano de pandemia, as águas de março estendem-se por abril como que a despedir-se do Planalto Central, hoje por demais desvestido de sua cobertura natural, o cerrado, para permitir a expansão desmedida do agronegócio porque alguns poucos, poderosos das finanças e com as patas fincadas na política, não se conformam com o equilíbrio em suas contas e bens materiais.

O poder das botas e da pecúnia busca fincar raízes em vários espaços. Tradicionalmente na proximidade com o governo da União, exercendo controle sobre governos estaduais e, com mais força ainda, o mando irresistível sobre as gestões municipais, como se não lhes bastasse, irmana-se a um segmento relativamente novo e em expansão: as igrejas evangélicas, que se multiplicam sem limites nem controles, com a influência mental sobre as pessoas de menor resistência intelectual e a cumplicidade dos que, dotados de maior informação e processamento, veem nisso a chance de crescimentos econômico e político.

É a volta a um estágio que nos lembra a Idade Média, quando os cardeais pesavam fortemente sobre reis e príncipes – agora são os bispos sem batinas nem paramentos. Essas igrejas, como se fossem partidos políticos, elegem vereadores e prefeitos, deputados, governadores e senadores e, por fim revestem de um estranho verniz protetor o presidente negacionista, radical e militarista-miliciano; e orgulham-se quando o mais alto mandatário ameaça o Estado ao dizer que colocará na Suprema Corte ministros “terrivelmente evangélicos”.

O primeiro que lhe coube indicar, Kassius Conká, mobiliza a Alta Magistratura por alguns dias ao afrontar decisão esclarecedora da própria Corte que, apenas interpretando o texto da Carta Magna, informa que prefeitos e governadores têm, sim, o dever (mais que o poder) de estabelecer regras e normas de defesa ante a pandemia – e o mais elevado colegiado jurídico do Estado Brasileiro, o STF, consome-se a ouvir discursos “terrivelmente evangélicos” para exigir realização de cultos protestantes (neopentecostais – que estão mais para a política que para o cristianismo) e missas católicas (não soube de exigências dos católicos quanto a isso) em regime presencial, acima das determinações municipais e estaduais.

Pior que tudo isso é o argumento do Advogado Geral da União e de ministros de Estado alegando que as decisões judiciais têm se mostrado anticristãs.

Oi?

Paro por aqui. Recuso-me a ofertar minhas delicadas orelhas e meu sofrido aparelho auditivo como vasos sanitários portáteis – de amplo uso até meados do século passado, mormente em períodos noturnos em solenes residências desprovidas do que hoje temos por banheiros.

Abaixo os “terrivelmente” – de quaisquer nuanças religiosas! O Estado é laico e o momento é de praga e de fome.

 

Luiz de Aquino
(da Academia Goiana de Letras) 


Um comentário:

Xexéu (cantor e compositor) disse...

Assino em baixo, Irmão!