Ao imortal caído
Falarei às rochas
inertes das cachoeiras,
ao pó vermelho dos barrancos
e às águas borbulhantes dos rios inquietos.
Minha voz ferirá o tímpano das árvores
e ecoará no brilho efêmero da caliandra,
ouvirei histórias de lavadeiras, casos muitos
de soldados e putas, bênçãos de mães ingênuas,
prendas de mãos sofridas.
Lembrarei imagens
rançosas
de sábados festivos e domingos preguiçosos.
A fuligem dos fogões da infância
forrará de silêncio uma lágrima teimosa
e farei um verso besta qualquer
que não fechará poema algum,
não abrirá a porta dos sonhos
nem me fará amigo dos poderosos
de cobre e de mando.
Serei farto também de
odores saudosos,
como o das frutas maduras
preparadas para o tacho em que ferverá o doce
(alguma voz de pai, severa e grave, dirá de carinhos
mas não será para um filho distante, ausente ou triste).
Haverá na lembrança o odor das fêmeas,
o odor químico das perfumarias e o mágico
dos frascos artísticos, mas haverá ainda
o odor onírico do desejo
em que um misto de doce e de acre
excita a carne do macho.
Noites tediosas das
amplas cozinhas
à luz do borralho antigo:
Criadores de sonhos e imagens;
fazedores de casos contados em roda,
poetas não agem senão na essência inibida
dos viventes pensantes.
Tudo é forma de se construir saudades.
(Para Bernardo Élis,
quando deixou de ser carne para se fazer encanto - dezembro, 1997).
Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.
9 comentários:
Poeta, poeta quantas figuras dançaram em minha mente, " a fuligem do borralho escondeu uma silenciosa lágrima.. "
Emudeço-me.
Poeta, estou boquiaberta de tanta beleza.
As ricas figuras... O manejo com que elas conduzem a emoção!
Uauuuu!!!
Que sintonia! Obra,homenagem, estilo ,cronologia e conteúdos trabalhados. Seleção de palavras específicas. Uso de sutilezas entre o poeta e obra.... espetacular.
Foi publicado em livro, Primo?
Muito belo o seu poema, com referências à paisagem, as construções literárias de Bernardo Elis, sua imponente figura, o nosso Goiás e as nossas saudades, parabéns!
Seu poema é muito bom! Belíssimo! As duas primeiras estrofes arrebataram-me, as seguintes me confirmaram que eu lia um texto de um grande poeta! Pura sensibilidade!
RESPONDENDO A NILSON JAIME:
Sim, primo, está no livro "Sarau" - Goiânia, 2003, Edição do autor pela Editora Talento.
Maravilhoso. Acho que foi um dos poemas mais bonitos que já li de sua lavra.
Parabéns!
Que sintonia! Obra, homenagem, estilo ,cronologia e conteúdos trabalhados. Seleção de palavras específicas. Uso de sutilezas entre o poeta e obra.... espetacular!
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