A visita do Pastinha
Luiz de Aquino
Os anos correm, céleres. Renovam a natureza, transformam a paisagem, marcam-nos a pele e os pelos, adormecem lembranças. Mas são os anos passantes que depuram-nos os sentidos e os sentimentos, permitindo-nos a maturidade seletiva a que os contemporâneos mais moços chamam de terceira-idade e eu teimo em repetir velhice.
Gosto de ser velho. Os mais velhos que eu censuram-me, dizem que me antecipo ao tempo. Mas já transpus o “cabo das tormentas” dos sessent’anos, ou seja, o IBGE qualifica-me velho, ainda que eu continue a sonhar como se vivesse uma eterna adolescência.
Um amigo da geração anterior, Isócrates de Oliveira, filósofo e diplomata, nativo de Pirenópolis, dizia, a mim e tantos outros, que “não é necessário envelhecer”. Gostei disso. E acrescento que, de fato, não é necessário envelhecer, ainda que os dias se acumulem em anos que se somam e nos roubam a melanina dos cabelos.
Entendo bem o saudoso Isócrates. De fato, é desnecessário envelhecer-se, porque os sonhos não envelhecem. E viver é sonhar, sempre. Quando moços, sonhamos com o futuro; na casa dos “genários”, sonhamos até mesmo com o que já vivemos. Foi assim que, retornando ao lar quando a tarde ia quase a meio, deparei-me com uma notícia e dois documentos: Mauro Jaime, meu velho amigo Pastinha, esteve aqui. Mary Anne tentou me chamar, mas o celular cumpriu o que se espera dele, ou seja, falhou.
Embeveci-me com os caprichos do irmão das noites. Mauro Jaime, que, feito eu, tem os pés na vetusta Meia-Ponte do Rosário (nossa amada Pirenópolis), sabe tanto quanto eu que boêmios não se fazem nem se tornam: nascem. E ambos nascemos boêmios (amantes da noite que jamais faltam ao trabalho quotidiano, ainda que a jornada de ofício comece nas primeiras horas matutinas). Boêmios são pessoas responsáveis e zelosas, apenas gostam da noite.
Mauro Pastinha deixou-me um mimo valiosíssimo: um cartaz de 1987, dando conta de que Anete Teixeira, que me foi companheira e amada naqueles anos em que nos fazíamos realmente adultos, homenageava Elis Regina no quinto ano do passamento da melhor cantora brasileira de todos os tempos. À minha mulher, ele disse, bem ao seu modo faceiro, que receava causar um constrangimento conjugal, trazendo-me lembrança da ex-companheira. Mary Anne disse-lhe que o passado é vida que não se apaga.
Mauro trouxe-me, ainda, outro presente: um DVD com que me agrada um novo amigo, ainda não visto por mim, mas com quem já permutei notícias e informações, o radialista e jornalista José Cunha. O disco, que vou ver já-já, contém um especial de ninguém menos que Toquinho, instrumentista e compositor da fina flor do nosso cancioneiro.
Eu, que vinha de palestras a estudantes da rede municipal de ensino, feliz por intercambiar com as crianças, sou, nesta quinta-feira (5 de novembro) em que escrevo para o domingo, privilegiado com tantos agrados. Lamentei não ter me encontrado com Mauro, mas já me comprometo com ele: vamos renovar o bate-papo, regando-o com goles gelados de boa cerveja.
Como antes. Como sempre. Como gostamos de conversar.
Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras, e escreve aos domingos neste espaço.
10 comentários:
Aquino, passei por aqui mais uma vez. É prazeroso ler suas crônicas e poesias, "velhinho". Um afetuoso abraço de amigo e admirador Edmar Oliveira (filho do mestre Tenório Leitão).
Oi,poeta!
Que coisa boa receber visitas tão saudosas, mesmo que não se esteja presente. Os mimos e as llembranças ficaram na sua casa ,esperando a sua volta, não é legal isso? Moço, e a Anete, quem diria, hein? Fomos colegas de classe no então Instituto Assunção, onde estudei em duas ocasiões, como interna, externa e semi-interna...( tá certo o tal hifen, aí?) Íamos no mesmo ônibus do colégio, que me apanhava ali perto da Alameda das Rosas , depois ia catando moças Goiânia afora, indo pela Av Tocantins onde pegava a Anete , a Lilian, a Stael ( de Jataí), a Lúcia Almeida, a irmã Mica, além das outras colegas ali da rua 8, Heloísa, Vânia e Marília Teixeira, Neusa de Paula....Ô saudade!
Obrigado, Edmar!
Obrigado, Sônia! Imagine, pois, você, a minha saudade... Ela me foi excelente companheira! Vivemos um belíssimo amor.
Gostei do comentário sensato de Mary Anne. De fato "o passado é vida que não se pode apagar", no entanto há passagens que doem tanto, que é melhor enterrar e fechar com concreto. É bom deixá-lo ir.
Querido amigo poeta... La madurez del cuerpo va en concordancia con la del alma. Siempre y cuando mantengamos vivos los deseos y anhelos,el futuro de la juventud estará asegurado. Un abrazo
O encanto de viver se encontra também nestes doces momento de prazer. Identifiquei-me muito com o texto. Adoro visitas inesperadas de amigos eternos.
Abraço e parabéns!
P.S. BEBA COM MODERAÇÃO! rsrsrs
Caro Luiz,
Obrigado pela crônica, assim fiquei sabendo notícias do Pastinha, velho conhecido das Antas.
Caso tenha oportunidade, dê-lhe um abraço por fim.
Americano
Ah, Americano, acabo de lhe enviar, por e-mail, o telefone do nosso amigo Pastinha.
Abraços! Marquemos uma cervejinha para qualquer hora dessas...
Nâo é necessário envelhecer... Concordo também, poeta.
Cada dia mais reflexivo os seus textos. Pessoalmente, eu gosto.
Poeta, realmente é delicioso ler todos os seus escritos, é enriquecedor a maneira como escreve.
Quanto ao comentário da sua esposa, foi de uma sabedoria admirável, fiquei com a frase dela na minha cabeça (como é verdadeira).
Parabéns e obrigada por nos doar um pouco da sua sabedoria.
Grande abraço!
Simone F. S. Arantes
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