Submersos
Lílian Maial
A chuva crava pingos-pregos na carne da palavra. Cala impiedoso deságüe. Total atrevimento, irrequietas águas. O Rio submerso.
A terra, ferida terra, sangra húmus e homens. Nada se move. O homem é grão. O lixo é o pão. Recende a lama, lágrima, escansão.
Um Rio celeste encharca a poesia. Respingam versos na falta de espaço. Entre prédios e barracos soçobra um infiltrado de (m)águas. Espirra, nos olhos do dia, o espanto desolado.
Na correnteza, um pequeno galho flutua o absurdo. Puxa a rotina e as certezas.
Afundadas em si, poças de esperança. Espelho d’água. Reflete e transborda. Arranca, joga e (des)mata.
Dói abrir a janela. A realidade inundada. Ao útero da terra retornam em silêncio.
A chaga se desvanece líquida.
Nada a fazer, senão lavar a sujeira, enxugar o grito, evaporar.
Navegar é preciso.
Choro de chão
Luiz de Aquino
Afora o desaforo das águas,
os rios que infestam
sem festa
o Rio, o Rio que a gente ama
das ruas à cama,
derramo-me de dengos
em seu colo que me prende.
Caem chuvas, cobrem-nos nuvens
densas de cristais que viram água
ou granizo a beijar o granito
dos belos morros por quem morremos
pouco a pouco, ou de súbito.
Transbordam canais, regurgitam bueiros
de rios submersos,
elevam-se os manguezais
a inundar quintais
no Rio inteiro!
Nas ruas e avenidas, não mais
o tráfico nem o trânsito. Águas
retidas de março invadem abril.
Chora o Brasil com tantos rios
a correr, como desafios
de versos em águas reversas.
Tanto fluir, tanto caudal!
Nada emito de mim,
mas vem-me a torrente
persistente, sempre presente
a afluir-me como os rios:
é poesia de dor e de lírica
muito mais que fatídica
de Lílian Maial.
7 comentários:
Como sempre...te lendo e adorando!!!
Mil beijos !!!!!
Luiz,
a tristeza ficou alegre,
o desespero em esperança.
a agonia em alivio.
porque o Rio, continuará lindo.
Que o CRISTO REDENTOR, nos proteja.
abraços.
edivaldo andrade
Luiz, dueto carregado de verdades doridas, mas tão bonitas que trazem aos olhos as águas que desaguam, parecendo injustas, sobre nosso Rio.
Poeta doador de minhas catarses, adorei ambos poemas; adoro especialmente seu estilo de jogar com as palavras: granito X granizo...
Tua pena é bela.
Luiz,
a tristeza do Rio e sua gente, as águas barrentas e sua gente,
os mortos e a tristeza de sua gente deixam-nos perplexos
com tanta dor. Você e Lílian choram a cidade nos belos e comoventes
versos, nessa poesia de luto, nessa poesia de alma lavada com
sentimento e pesar.
Bjs.
Maria Helena
Poetas,
Que linda parceria para tão dolorido pranto.
Do alto de Goiás vertem lágrimas que apaziguam - ou tentam - as águas necrófilas.
Abraços
Luiz Delfino
“A terra está viva!”
Já havia escutado antes e hoje ouvi novamente. Ambos os poemas são portadores do seu lamento, da sua ira, mas ao mesmo tempo existe uma doçura quase que resignante diante de tamanha força.
Ah, poeta, eu gostei tanto, que posso demonstrar dando pulinhos ao lê-lo. Dos seus, é um dos mais maravilhosos que li nos últimos tempos, com versos tão ricos e bem estruturados!
Meu carinho.
Marluci
Mas como é bonito seu dizer, o seu sentir,o seu viver,o seu transmitir.Meu dia ficou mais quentinho,aqui,em Portugal.Um grande beijinho.
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