Sempre digo e repito que não preciso de datas para festejar nada, nem para prestar homenagens. Não beijo quem amo somente em seu aniversário, não sorrio para o colega apenas no Dia do Repórter, ou da Imprensa; não exalto os professores somente em 15 de Outubro e não sou patriota exclusivamente em dias de paradas ou jogos da Seleção.
E o Dia da Mulher, para mim, é aquele em que o sol nos dá sua luz. Ou nas noites com ou sem luar.
Eis aqui, porém, um texto magnífico da minha amiga, confreira e muito irmã Leda Selma (que gosta de ser Lêda). Insuspeita, pois, por ser mulher, mãe, esposa, professora, poetisa, contista e cronista impecável. Divirtam-se e, se acharem por bem, apre(e)ndam! Eu aproveitei!
L.deA.
E POR QUE SIM
Lêda Selma (da Academia Goiana de Letras)
É, mal principia março e, a toda a brida, chega, de batom e
esmalte, botox e silicone, o cantado e recantado 8 de março, “Dia da Mulher”,
dia de se outorgarem comendas, títulos e mimos àquelas que, desde o finado
segundo milênio, caminham decididas, e quase imbatíveis, por trilhas nunca
dantes imaginadas, em busca de espaços e conquistas. E, depois da queima dos
sutiãs (bem antes do silicone), lembraram-se da lei da gravidade, imposta pelo
tempo, e retornaram os indesejados para o guarda-roupa e, em consequência, à
disposição dos interessados. Melhor prevenir que os ver despencar.
Um
só dia é pouco. Todos. No mínimo, incontáveis. Se for para questionar a função
da mulher nas várias vertentes da vida, 365 dias é absurdamente pouco. Nesse
caso, melhor inventar um tempo maior. Todavia, se for só para homenageá-la...
hum... os 365 já quebram o galho! Nada de dispensá-los.
Sou
contra o “Dia da mulher”. Acho-o apenas alegórico, discriminatório e inócuo.
Dia de luta? O que se resolve ou se decide nesse dia: a roupa para essa ou
aquela solenidade? Com qual sorriso se receberá a flor? Todos os dias são de
luta. E os resultados consistentes, reais e significativos vêm daí. Não somos
mais minoria, sombras, espectros, marionetes... Não estamos mais “atrás de um
grande homem” (e se o tal fosse pequeno, qual seria nossa posição?). Não
monopolizamos mais o “trono” de “rainha do lar”, há “rei” também nele. A
abolição daquela velha doutrina que relegava a mulher à categoria de “sexo
frágil”, outra conquista feminina.
Um
dia não nos basta mais. É bom que se lembrem de que o avental cedeu lugar ao
terninho; o fogão, à mesa de trabalho; a vassoura, ao teclado (éramos rainhas
ou bruxas?!), e estamos por aí, ativas, eficientes, “chefes” de família,
comandando, encabeçando listas de concursos, de vestibulares, de frentes de
trabalho. Presidentas, ministras já não são novidade (nem no Brasil). Mudamos
valores machistas e constitucionais, rompemos as barreiras das profissões
“masculinas”, tornamo-nos donas do nosso corpo, do nosso destino, do nosso
prazer. Abdicamos da condição de objeto sexual (só se é, hoje, por opção ou por
gosto). Conquistamos muito, mas, claro!, não ainda o bastante, bem o sabemos.
Apesar disso, não há motivo para que nos discriminem com o “Dia da Mulher”.
Existe o “Dia do Homem”?
No
passado, a instituição de um dia, com a chancela de “protesto”, para lembrar e
repudiar o massacre contra as mulheres americanas, primeira fresta de acesso
feminino à contextura real, foi válida. Mais que isso: um marco que abriu os
olhos do mundo para o verdadeiro “padecer no paraíso”, alcunha de ostracismo,
de não-direito à genuína cidadania, de confinamento a um mundo do tamanho de
uma casa, de uma mulher-mãe (abnegada, despojada, delicada...) e de
mulher-esposa (virtuosa, carinhosa, prendada...). Era só o que nos permitiam
ser. Abrimos as portas de inimagináveis amanhãs, escancaramos as janelas do
futuro, descobrimos a vida e reivindicamos nossos legítimos direitos. No
decorrer dos tempos. Não em apenas um dia: simbólico e anual.
Um
senhor disse-me: “Vou exigir que a mulher abra a porta do carro e puxe a
cadeira para mim. Ah! e depois, pague a conta do restaurante e do motel. Direitos
iguais, deveres também”. Aviso a quem interessar possa: não conte comigo nesse
item. Cavalheirismo sempre!
Independente
do dia 8 de março, minha homenagem às mulheres e, em especial, à minha mãe, de
grandezas tantas:
Carrego em mim
tantas marias
e em meu ventre,
sangue, estrelas e fomes.
Se me querem santa,
maçã ou serpente,
se me querem seda,
seios ou lua,
me mostro Maria
de todas as dores,
me torno Maria
de todas as cores,
me faço esfinge,
ou mulher simplesmente.
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