Profissionais
descuidados
Gosto de ouvir rádio e tevê.
Principalmente noticiários e entrevistas, estas acerca de arte, economia,
política... Realidade, enfim! Mas esse “luxo” tem um preço, e não é barato.
Esse custo é ter de ouvir perguntas indevidas ou desnecessárias e conceitos
inadequados.
Dia desses, um jovem
assustado era entrevistado por um repórter de tevê, também jovem. O rapaz
assustado contou que ao deixar o trabalho na padaria, por volta de 20 horas,
foi abordado por um sujeito armado que lhe tomou a carteira com pouco dinheiro
e documentos e ainda o celular. E o jovem do microfone, o coleguinha foca,
perguntou, solenemente: “Mas quem foi que te tomou essas coisas? Foi o
ladrão?”.
Na maior rede de
tevê do país, os colegas também cometem deslizes imperdoáveis. Numa das últimas
edições do Fantástico, o repórter começou mal sua matéria sobre burocracia. Ele
se referiu a “um personagem importante – Sua Majestade o Papel”. Só que, em
lugar de dizer “Sua Majestade”, ele declamou, enfático, “Vossa Majestade o
Papel”. O moço, certamente, passou por avaliação rigorosa ao ser selecionado,
mas não sabe distinguir segunda e terceira pessoas na oração.
Em todos os veículos
impressos, o uso dos pronomes é feito em flagrante desrespeito às regras da
Língua – e os que praticam essas faltas alegam que “mesóclise é pedante”.
Mentira: na realidade, esses profissionais não sabem como usá-la. O mesmo
cometem quanto à regência dos verbos: “A comida que eu gosto”, onde falta a
preposição “de”. Fica-me a impressão de que a pessoa se refere à “comida que eu
gosto de cozinhar”.
Ah, na mesma grande
TV Globo, Alexandre Garcia e outros medalhões de igual envergadura já se
queixaram de quem não diferencia “este e esse” e suas variantes. Mas seus
colegas menos (in)formados vivem repetindo o erro, como a personagem Félix, na
novela Amor à Vida: “Eu sou o presidente desse hospital”. Nada contra o
excelente ator, citei-o por estar em maior evidência, pois a quase totalidade
dos atores tropeça em coisas assim.
Virou moda dizer (isso
é de repórteres e de âncoras): “Estava desaparecido havia três dias”.
Incomodam-me os dois verbos articulados no passado, quando a flexão “há dias” já
exprime passado. Ainda que alguns defendam como certa (?), a expressão soa ruim
e pode bem ser substituída por alguma outra que exprima o mesmo. Mas o que mais
me intriga são as referências a margens de rios, lagos e rodovias.
Para lagos, a melhor
expressão é orla. Reservemos margem/margens para rios e rodovias. Mas citar um
posto de combustíveis “localizado às margens da Rodovia Tal” não é certo. O
posto está mesmo em uma das margens, ou seja, “à margem da rodovia”. Se nos
referimos, por exemplo, à ocorrência de algo que marque as duas margens, como
vegetação, barranco ou areal, certamente diremos “às margens”.
A despeito de tudo
isso o que critico como práticas errôneas dos profissionais que têm a Língua
Portuguesa como sua ferramenta de trabalho – tanto na forma escrita quanto na
oral – devo admitir que as falhas começam em casa, nas famílias de menor
escolaridade ou convívio com a chamada “língua culta”. Mas a escola tem seu
grau de responsabilidade nisso. Os professores têm que ensinar o correto e
cobrar o aprendizado. Ou isso, ou responderão pelo crime de má-fé. Talvez até
de falsidade ideológica, já que são pagos para ensinar e não ensinam.
Liberar, com diploma
e tudo, o aluno que não aprendeu é condená-lo à marginalidade. Esse aluno,
quando jogado no mercado de trabalho, será discriminado pelos resultados nos
concursos. Os que tiveram melhores famílias, melhores hábitos (como leitura e
convívio com as artes) e melhores mestres serão sempre vitoriosos. Eu me
sentiria muito mal se meus alunos fossem os eternos reprovados, numa disputa
vital em que só os filhos das classes mais abastadas têm chances.
* * *
6 comentários:
Ótima crônica, Luiz.
Tantos erros, tanta ignorância que nos cercam de todos os lados. Há muito a fazer pela nossa língua. Mas quem há de?
Bjs. e um ótimo feriado!
Maria Helena
Valeu amigo poeta! Preocupa-me, também, as postagens nas redes sociais. Está virando moda escrever erradamente... . Um grande abraço. Paulo
Português é uma língua muito complexa , que me deixa sempre cheia de dúvidas, e me faz cometer muitos equívocos gramaticais.
Nunca sei como usar alguns pronomes algumas crases, por exemplo.
O uso do "em pé" e "de pé", tbém me confunde. "Os professores têm que ensinar..." Tbém não sei usar o "tem de" e "tem que". Ai ai, tenho muito a aprender...
Parabéns pela crônica! Trabalhar com a língua portuguesa não é fácil, sabemos disso! Você como jornalista, poeta, professor... e eu como professora. Fico entristecida com alguns colegas de profissão que pensam que somente os professores de Língua Portuguesa têm responsabilidade de ensiná-la... Tenho esperanças de que esses valores irão mudar e as cobranças sobre os professores de Língua Portuguesa e Matemática serão divididas entre as outras disciplinas, pois todas têm seu peso e importância! Gostaria muito que nosso atual secretário de educação lesse este texto e por meio dele pensasse um pouco mais na qualidade de ensino e não em índices!
Espero ansiosamente pelo próximo texto, abraços, Luane Rosa.
Adoro esse tema e aprendo muito com suas considerações.
Grande Luiz de Aquino. Sempre propondo reflexões críticas sobre a vida e suas relações linguísticas do cotidiano. É sempre um grande aprendizado ler seus textos.
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