Bonita e só; é madrugada!
Helena é uma bela e jovem mulher. Filha de amigos,
conheci-a nos primeiros anos de sua adolescência e há um bom tempo não nos
falamos. Preparava-me, nesta manhã de sábado, para redigir minha crônica
domingueira quando, pelo Facebook, saltou-me aos olhos o seguinte texto
desabafo:
“Imagine a cena: uma
mulher, nos seus trinta e poucos, voltando pra casa, no carro dela, as quatro
da manhã, de uma sexta (ou sábado). Qual o maior perigo que ela poderia
enfrentar? Talvez um bêbado descontrolado furando sinal? Mas não. Não em
Goiânia.
Aqui, ela tem que
negar, veemente, que não quer sair com um desconhecido pra tomar uma no Caldos
24 horas, que a persegue pela T-9 quase inteira e que não aceita um não como
resposta. Aqui, ela tem que temer, pois um 'homem' (e aqui vai entre
aspas, porque, pra ela, esse homem não passa de um moleque) não admite que uma
mulher NÃO QUER qualquer que seja a coisa que ele quer. Aqui, ela tem que dar
uma desesperada básica, pois o cara supõe que uma mulher sozinha precisa,
desculpe a expressão, de pica. Aqui, o ‘não’ não tem sentido e a vontade alheia
não é respeitada. Aqui, infelizmente, a liberdade não é tão liberta assim.
Ah, vão dizer, o que uma mulher sozinha estava fazendo na rua
uma hora dessas? Respondo: o que ela quiser!
E assim, perpetua-se a cultura do machismo, pois uma mulher
sozinha TEM O DIREITO DE IR E VIR A HORA QUE ELA QUISER! Apenas precisamos de
uma cultura em que ela possa se sentir tranquila e que não será assediada no
exercício dessa liberdade, que é dela.
E não, não é da violência urbana que tenho medo, e sim da
violência de gênero, que, infelizmente, viola muito o meu ser”.
***
Lamentavelmente, Helena, esse mal é nacional – passível de
acontecer em qualquer cidade brasileira! Os desprovidos de boa índole veem aí
não uma pessoa – mas uma caça desejosa de ser abatida.
É revoltante! Esse mesmo sujeito, noutro momento, é bem
capaz de discutir questões sócio-políticas e econômicas, falar de moral e bons
costumes e mostrar-se racional e respeitável entre os amigos, os conhecidos e
seus familiares. Haverá ele de, numa situação similar (mas envolvendo sua irmã
ou filha), se indignar com a afronta que um "imbecil" proporciona à
mulher sozinha e haverá de "aliviar" o drama repreendendo a mulher
perseguida com o que você, Helena, evidenciou – "O que você estava fazendo sozinha na
rua a essa hora?".
É um delinquente! Ele está por um fio de cabelo para enquadrar-se
entre os meliantes que agridem, assaltam, quebram vidraças ou, pior ainda,
matam mulheres pelas ruas apenas por serem jovens e belas, como esse satânico
Tiago que já acumula perto de 200 anos de condenação (e faltam cerca de 30
homicídios pelos quais ainda será julgado).
A questão não é de leis - estas existem, sim. O problema é
a educação, a formação moral, o aprendizado em casa, que precisa ser refinado
na escola e controlado pela sociedade. Esta, infelizmente, professa a defesa da
liberdade indefinida, ou absoluta e ampla, o que leva um tipo desses a
escudar-se no argumento de que "ele quer", então "pode
fazer". Viver em sociedade implica a prática do respeito a todo tempo.
Se em lugar desse imbecil fosse um sujeito educado o
bastante para oferecer-lhe um sorriso, um boa-noite (na madrugada não se diz
bom-dia) e uma rosa, talvez um verso, e se se prontificasse a segui-la em
caráter de proteção (se necessário), certamente brotaria daí uma amizade ou uma
história romântica.
Mas isso, infelizmente, é para muito poucos.
*****
Luiz de Aquino é jornalista e escritor,
membro da Academia Goiana de Letras.
3 comentários:
Texto doutrinário e moralizante, gostei muito. Quando o homem está em plena força de sua macheza ou na efervescência hormonal, ele precisa mostrar a si mesmo o que lhe foi inculcado por outros como grandes "valores", dos quais o sexo é apenas um. Daí surgem várias consequências, inclusive o desrespeito a nós, mulheres. Meu Deus, como nos enojam certas investidas!
O pavor cotidiano ao estarmos na rua se torna quase um desequilíbrio emocional, olhamos o indivíduo como "nosso próximo ",e somos; (mulheres), como presas....
Assim o temor se transforma em ridículo. ..mas sabemos pelo olhar. .mesmo que este seja o mêdo....mesmo assim como enfatiza no texto, ao relatamos um fato desta ordem,a pergunta é sempre a indagação de nossa culpa (feminina) :tipo: -O que fazias na rua, nesse lugar ? .Nesta hora, ou porque você foi?
Prefiro acreditar que a vítima estivesse com os vidros fechados, o ar ligado e ouvindo boa música, mudando o itinerário para Delegacia de Polícia mais próxima (conduta que já adotei, em situação parecida, às 23 horas, há alguns anos). Sei que nada justifica a abordagem do "imbecil", mas convenhamos que o risco era previsível. Sou mulher "pra lá de madura" e, por isso, desconfiada em relação a certos comportamentos. Não tecerei mais comentários.
Postar um comentário