O
tal assédio moral
Há uns 40 anos, ou pouco mais, um
amigo presenteou-me com um livro que achei muito interessante: Relações Humanas na Família e no Trabalho,
de Pierre Weil (a edição nova custa algo em torno de 60 reais,
mas as antigas estão pelos sebos por preços a partir de R$ 4,00). A época em
que li essa obra ainda era marcada, nas empresas e órgãos públicos, por uma
hierarquia rígida que, em alguns casos, beirava o trato desumano – e muitas
vezes abusivo, por parte de chefes e patrões.
Era
o meu tempo no departamento de treinamento do Banco do Estado de Goiás e
buscávamos aprender e apreender práticas inovadoras nas relações no ambiente de
trabalho, mas esbarrávamos na má vontade dos chefes – aqueles velhos de 40 anos
ou mais, porque para nós, pessoas de 20 a 30 anos, todo aquele que percorria a
trilha etária dos “enta” era velho.
Atravessando
a Praça do Bandeirante, havia o Banco Real. Ali, ganhou fama de cidadão educado
um “contador” (como eram chamados não propriamente os contadores, mas os
gestores internos das agências bancárias) que oferecia um tratamento cortês e
lhano com a clientela, mas ríspido e intransigente com seus subalternos. Ficou
famosa a sua iniciativa de colocar uma pequenina mesa de datilografia ao lado
da sua para, ali, instalar-se um escriturário que tinha “o péssimo hábito de
conversar com clientes” ou, pior ainda, “de ser visitado por amigos” – bem,
este segundo item foi alegado pelo tal contador, mas houve dúvidas quanto à
legitimidade do argumento.
O
chefe bancou o bedel do funcionário por uma semana, ou melhor, pelos cinco dias
(ditos úteis) da semana. Nenhuma tarefa foi entregue ao empregado e nenhuma
pessoa, colega ou cliente, podia dirigir-se a ele. O contador registrou, dia a
dia, os horários de entrada do empregado, os 15 minutos diários permitidos para
o café da tarde – mas o fez em horário diferente do geral a fim de não permitir
contato de oralidade com nenhum outro colega. Na sexta-feira, o moço pediu
demissão.
O
contador foi festejado por alguns adeptos da disciplina rigorosa, e houve até
quem sugerisse que o caso fosse divulgado para ser mostrado em cursos de
administração de empresas etc., mas o moço, ainda que conduzido àquele
desfecho, recebeu orientação e procurou a Justiça do Trabalho, no que foi
vitorioso em virtude da pressão psicológica sofrida.
A
isso, hoje, dão o nome de “assédio moral”.
E
há também o tão badalado “assédio sexual” – destes, tenho muitas histórias, mas
é tema para outro dia. Ainda que já se tenha um conceito legal para essas práticas
abusivas, assemelhadas a atitudes comparadas com o que se fazia nos pátios e
nas senzalas até 1888, ainda há chefes que não respeitam sequer licenças
médicas de seus colaboradores. Num caso recente, vi uma amiga, com um membro
imobilizado em virtude de tratamento ortopédico, ter de se deslocar até o órgão
público em que presta o seu trabalho porque o chefe (quase que eu disse o
cargo) não entende que quando um trabalhador se ausenta, pelas múltiplas razões
amplamente definidas em leis, seu trabalho deve ser desenvolvido por outro
funcionário.
Não
discorrerei sobre os detalhes, estes interessam pouco. O lamentável é que o
funcionário em questão tem o salário (como sempre) aquém de sua competência e
do serviço que oferece, mas seu chefe imediato e o mandachuva do gabinete são
agraciados com rendas mensais nababescas – mas não conseguem desenvolver
providências inadiáveis e abusam da humildade ou do receio que tem a pessoa de
perder seu emprego, nestes tempos bicudos.
Paro
por aqui, antes que me traia e diga nomes e endereços.
******
Luiz de
Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras.
3 comentários:
Nomes são irrelevantes, amigo Luiz de Aquino. O que interessa são os fatos e a maneira como você os descreve, com sua verve literária.
Anônimo Sueli Soares, professora e advogada. disse...
Boa noite, poeta! Realmente, os tempos bicudos tornam as pessoas medrosas, não só no ambiente de trabalho como também em outros, nos quais as relações interpessoais são estabelecidas. Quando contarmos com o Judiciário imparcial e, por conseguinte, absolutamente confiável ("Sonho meu"), talvez eu já esteja distante do computador. Embora o nosso ordenamento jurídico estabeleça distinção, o assédio sexual em atividade laboral (sexual mobbing), pela conduta do agressor, merece a mesma condenação indenizatória que a moral. Mas como é tema para outro dia, vou respeitá-lo e aguardar. Abraços de uma sonhadora!
Há quem afirme estar com diarreia, ou reclame queixas vagas, ou diga estar com ameaça de aborto, ou então vai se consultar, ficando presente no local por uma hora e, em todos os casos, querer justificativa para se ausentar do trabalho tantos dias. Outros estão visivelmente doentes e deles é exigida a volta ao serviço. Trinta e sete anos de consultório me permitem conhecer os dois lados do balcão. Ser justo nem sempre é o objetivo, e mesmo quando é, pode-se passar longe disso. Abaixo os abusos de ambos os lados.
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