Cronistas, professores e mestrandos em Letras da PUC Goiás |
Falar e escrever (II)
(Crônica publicada em maio de 2013,
republicada em agradecimento à atenção dos mestrandos de Letras da PUC Goiás,
pela acolhida que propiciaram a nós, escritores de crônica (Lêda Selma,
Leonardo Teixeira, Brasigóis Felício e eu), na III Jornada de Leitura da Literatura Produzida em Goiás.
Ah, língua
brasileira! Não haverá, jamais, acordo internacional capaz de propiciar ao
linguajar humano uma homogeneidade, seja qual for. Alegam os defensores do
famigerado acordo que a escrita, em língua castelhana, é padronizada desde a
Terra do Fogo, a fronteira Sul entre o Chile e a Argentina, até as margens do
Rio Grande, que separa México e EUA; e também nas ilhas oceânicas em que
pisaram os naturais de Espanha.
A escrita
será igual; a linguagem, não – afirmam. Sim, isso é perfeitamente compreensível,
haja vista termos aprendido que as vogais têm sons abertos – a, e, i, o u –,
mas, ultimamente, os coleguinhas jornalistas dos veículos falados referem-se à
Avenida Ê – mas até há bem pouco tempo dizíamos Avenida E (é). Sei que há forte
influência dos paulistanos e sulistas, presenças marcantes em Goiás desde o
início do agronegócio; então, porque eles falam “éstra” no que entendíamos, até
recentemente, como “extra” (ê)?
É certo
que apreendemos e incorporamos muito do que ouvimos de nordestinos, nortistas,
sulistas e cariocas, mas o sotaque de nossa herança passa, obviamente, por
transformações interessantes. Está desaparecendo, por exemplo, o modo de falar
das nossas cidades auríferas – Vila Boa de Goiás, Jaraguá, Meia-Ponte, Corumbá,
Santa Luzia, Bonfim... quem viveu os anos que vivi (estou na segunda metade da
minha década de 60) sabe que a musicalidade do falar goiano está muito
diferente, agora.
Brasigóis Felicio, Leonardo Teixeira, a coordenadora Fátima Lima, Leda Selma e Luiz de Aquino. |
Gosto de
ouvir nossas palavras cortadas, abreviadas; de uma, apenas, não gosto da
síncope: gueiroba em lugar de guariroba. Na escrita, alguns escribas, de livros
e de jornais, substituem a bonita forma pequi por piqui, alegando a pronúncia.
Ora: a gente escreve futebol e pronuncia futibol. E há quem banque o chique
escrevendo – especialmente como nomes próprios – theatro em lugar de teatro. E
falam “tê-atro”, em vez de tiatro, como seria o regular da nossa fala local.
Leda Selma e eu. |
“Vontá
dimbora durmi”, é frase comum no falar coloquial. E responder, gritando, a um
chamado com o infalível “Tô ino”, em lugar de “Estou indo” é goiano demais da
conta! Mas o que mais se nota – e a frase já se espalha por todo o país,
especialmente entre os entrevistados na tevê – é “O marrapossível”. É o que
respondem políticos e técnicos, delegados e coronéis, professores e populares
diante dos repórteres.
Ah, os
repórteres! Destes, no rádio e na tevê, ouço sempre e me divirto: “departamento
pessoal” em vez de “departamento de pessoal”. O mesmo se dá quando devem dizer
“corpo de delito” – o “de” é novamente omitido. E a moda, que saiu das falas
dos “da imprensa”, alcança agora advogados e delegados de polícia.
Meu livro de crônicas sob o tema da linguagem brasiuleira |
Na
escrita, porém, essa que foi “padronizada” pelo acordo entre os países de
línguas lusófonas, o bicho pega! Mesmo profissionais que deviam saber misturam
C com S, não sabem onde entra o Ç e usam X, SS e Ç como se isso fosse tão
normal quanto escrever Pollyanna ou Hytallo. Ou Rhackell.
* * *
Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da
Academia Goiana de Letras.
2 comentários:
Exclusivamente para o meu deleite. Bom encontrar essa estrada gostosa de boa análise de falas e pronúncias para eu passear.
Já conhecia o texto, ouvi-o sexta, na PUC, e reli-o agora. Muito bom, achei-o, já na primeira leitura, pois nunca engolimos o tal acordo, embora tenhamos que o praticar. Beijocas. Lêda
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