Um
beijo nos Andes
Tenho muita
vontade de cometer, ainda, umas poucas viagens na vida que ainda viverei – com
a certeza do tempo mais exíguo a cada dia. Uma delas, a Portugal; outra, a
alguns países africanos de onde trouxeram os povos pretos escravizados que, num
destino de infinita grandeza, retribuíram deixando-nos a riqueza de sua cultura
e o embelezamento da nossa gente brasileira. Mas uma outra encanta-me e, sem
dúvida, instiga-me muito – quero conhecer os Andes, mas não por paisagens da janelinha
do avião. Quero pisar as pedras e as neves, sentir de perto a floresta
amazônica no Peru, conhecer seu povo.
Há em Goiânia um
grupo de poetas que, amiúde, viaja para o Chile e o Peru, motivados pela magia
que nos causam as viagens, mas com o mote inevitável da poesia. Assim, ora vão
os nossos até lá, ora vêm os chilenos e peruanos – ou uns e outros, em separado
– até Goiânia.
A cada regresso,
são muitas as histórias encantadoras vividas e contadas, com o inevitável toque
da poesia a florear os casos – ou causos, que bons goianos somos nós. Ora algum
dos nossos é destacado lá com expressiva homenagem, ora um deles nos brinda com
um novo livro de poemas que logo ganha versão brasileira e sua competente
publicação – ou seja, os poetas de lá e de cá brindam-se mutuamente, com os
corações e os atos.
Numa das boas
histórias ouvidas dos nacionais viandantes pelas montanhas peruanas, veio a de
uma viagem de ônibus. É que no grupo goiano uma das escribas destacou-se por
agitar os ambientes: puxava cantoria e, se deixassem, formaria pares para
danças, ainda que os seus escolhidos sequer quisessem dançar.
Aquilo fazia a
goianinha viajora muito feliz! E na tal viagem, ela já fizera com que os
brasileiros no ônibus, naquele trajeto pelo interior do país, cantassem canções
escolhidas por ela, ainda que aquilo não fosse do agrado do grupo. Sabe-se bem:
as pessoas cedem, muitas vezes, movidas por uma coisa que os jovens dizem ser
“vergonha alheia”.
Mas daquela vez a
escritora foi um pouco além. Ela viu, num banco mais ao fundo, um peruano
típico, com seu traje característico – com chapéu e poncho. Caminhou no
corredor e chegou-se ao moço, parece que pretendia trazê-lo para junto dos goianos.
E aí veio a surpresa...
Peruanos são de
estatura miúda, no geral. E o moço que a professora escolheu levantou-se,
evidenciando enorme estatura. Assustada, a mulher estancou-se em silêncio. Foi
o tempo bastante para que o rapaz a erguesse do piso, elevando-a até que seu
rosto ficasse bem em frente ao dele, à distância mínima.
Assustada, a nossa
amiga não sabia o que dizer ou fazer, apenas balançava os pezinhos no ar. E o
moço, segurando-a com firmeza, trouxe-a para bem perto de si e aplicou-lhe um
prolongado beijo na boca.
Ninguém se meteu!
Ninguém achou que seria de bom-tom interferir num ato daqueles, e o moço só a
pôs no chão, com admirável delicadeza, quando lhe faltou o fôlego, exibindo um
sorriso de felicidade.
E a nossa heroína
recolheu-se ao seu lugar, silenciosa e assustada, ante os risos eufóricos dos
amigos. Quando conseguiu falar, ela apenas pediu:
– Não contem nada
disso lá em Goiânia!
Mas, como é comum
acontecer, o fato seguiu a sina das delações que se tenta manter em sigilo –
alguém sempre acha um modo de “vazar”.
Alguns dos
participantes desse grupo e uns poucos dos que tomaram conhecimento do
atrevimento do feliz peruano estão, por estes dias, atentos – muito atentos:
buscam saber até quando a pessoa se manterá discreta nos eventos, em lugar de
provocar todo mundo para cantar e dançar, como é de seu agrado.
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Luiz de
Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.
Um comentário:
Faça sim as viagens que deseja, poeta Luiz de Aquino. Pretendo ir fazendo isso aos poucos, se Deus permitir. E sei que será sempre muito discreto.
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