E
por falar em saudade...
Há 40 anos o
Brasil perdia Vinícius de Moraes. Costumo evitar a palavra perda quando da
morte de algum grande vulto, mas se o desenlace acontece enquanto a pessoa vive
uma fase produtiva, e dela seus admiradores e parceiros ainda esperam muita
coisa – aí, sim, a sensação de perda é inevitável! Lembro que o genial Dorival
Caymmi deixou a vida após os 90 anos e, ainda que a comoção nacional tenha sido
intensa, conclamei meus amigos e leitores a agradecer ao céu, que o cedeu a nós
por quase um século. Mas Vinícius de Moraes se foi “antes do combinado”, como
costuma dizer Rolando Boldrin: tinha 66 anos, naquele 9 de julho de 1980.
Uma coincidência:
14 anos e cinco meses após, seu parceiro Tom Jobim finalizou a jornada terrena,
aos 66 anos também.
Vinícius tornou-se
conhecido antes de completar 20 anos, tido como um prodígio na poesia. A fama
precoce, definiu o próprio poeta, não lhe fez bem: “Me deu uma certa soberba,
eu achava que era um poeta genial, essas coisas. Mas depois – contou ele no que
se tem como a última entrevista, ao jornalista Narceu de Almeida Filho –, uns
dois ou três críticos me puseram no meu lugar, direitinho. Um deles foi João Ribeiro
(professor no Colégio Pedro II). Ele me fez
uma crítica muito boa, mas também muito severa, como quem diz: Olha,
menino, trabalhe mais com o verso livre, os seus sonetos são muito bons!”.
O outro crítico
era Manuel Bandeira – poeta e, como João Ribeiro, professor no Colégio Pedro II
– que também foi severo ao analisar os poemas do jovem Vinícius. E num momento
posterior, Otávio Tarquínio de Sousa “escreveu também um rodapé muito bom, me
colocando em minha devida posição. O Mário de Andrade, igualmente, me deu umas
porradas muito bem dadas. Isso tudo me ajudou muito”, declarou o poetinha.
Em outubro de 1939,
a Grande Guerra eclodira na Europa. A Universidade de Oxford dispensou seus
alunos, dentre eles o bolsista brasileirinho Vinícius de Moraes, que aguardou
em Portugal o navio em que voltaria ao Brasil. E foi lá, em Estoril, que ele
compôs o Soneto da Fidelidade:
De
tudo ao meu amor serei atento
antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto...
antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto...
Certamente,
naquele tempo de espera o sonetista não imaginaria que os versos finais
Que não seja
imortal posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure”
Mas que seja infinito enquanto dure”
seriam infinitamente repetidos tanto nas
declamações em saraus e salas de aula quanto nas cantadas improvisadas e milhares
de situações pelo mundo lusófono.
Tinha eu 10 anos
de idade quando, recém chegado ao Rio de Janeiro, ouvi uma música
surpreendente; o nome: A Felicidade; e os primeiros versos eram
Tristeza não tem
fim / Felicidade, sim.
A voz, salvo
engano, era de Agostinho dos Santos. A canção, com melodia de Tom Jobim, tomou
conta da cidade e veio a ser o primeiro sucesso internacional da dupla. E foi
tema do filme Orfeu Negro, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes e,
ainda, ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, sendo o primeiro filme em
língua portuguesa a ganhar um Oscar – em qualquer categoria!
Também naqueles
anos de 1950, o poetinha Vinícius de Morais tomou por parceiro ninguém menos
que J. S. Bach! A histórica Jesus, Alegria dos Homens ganhou ritmo de marcha-rancho
e teve seu nome mudado para Rancho das Flores:
Entre as prendas
com que a natureza
Alegrou este mundo onde há tanta tristeza
A beleza das flores realça em primeiro lugar...
Alegrou este mundo onde há tanta tristeza
A beleza das flores realça em primeiro lugar...
Para mim – garoto
sensível e com o agravamento da saudade dos pais e irmãos, que ficaram em
Caldas Novas – as surpresas não acabavam. Uma das mais marcantes foi, em 1959,
quando João Gilberto gravou Chega de Saudade, ostentando no rótulo de um
setenta-e-oito-rotações o gênero “bossa nova” pela primeira vez.
Àquela altura, nos
meus 14 anos incompletos, descobri que, por mais encantadoras que fossem as
canções de Vinícius, não deveria mais me surpreender.
******
Luiz de Aquino, da
Academia Goiana de Letras.
12 comentários:
Que texto maravilhoso.
Durante muito tempo, vez por outra ainda tenho esse sentimento descrito no verso: "Tristeza não tem fim, felicidade sim".
Parabéns,Poeta!
Excelente sua crônica! Com a devida aquiescência compartilharei no meu Facebook. A homenagem está à altura do Poetinha.
Excelente sua crônica. Compartilharei com a sua aquiescência. Justa e bela homenagem ao querido Poetinha . Zanilda Freitas- poeta.
De Poeta para Poeta emana a ternura do olhar cativante de busca pelo outro e ali deixando o seu cheio de esperanças e certeza que o amanhã será um lindo dia...Parabéns Poetas e suas vidas de infinitude.
Amei.Nao sou nenhuma entenda em poemas e versos, mas só de saber que por trás deste homem DURÃO, existe um menino sensível, que gosta de, além de escrever,gosta de flores e belas musicas. Parabéns. POETA.Com o tempo arrancarei mais coisas que vão me surpreender. "Tristeza não tem fim / Felicidade, sim". Sua amiga Kita
A beleza das flores... surpreendem-me, como sua crônica.
E uma sensação, de aconchego envolve-me.
Como melodia agradável, leio cada palavra,
e surpreende-me o existir amiudado.
Posto que, emana dos "grandes",
a leveda do existir terreno.
Obrigada!
A beleza das flores... surpreendem-me, como sua crônica.
E uma sensação, de aconchego envolve-me.
Como melodia agradável, leio cada palavra,
e surpreende-me o existir amiudado.
Posto que, emana dos "grandes",
a leveda do existir terreno.
Obrigada!
Amei. Através do texto, pude conhecer um pouco mais o meu poeta preferido.por trás deste homem maduro, existe uma criança sensível. Que gosta de poemas,músicas, flores e nos versos "Tristeza não tem fim /Felicidade sim". PARABÉNS
Adorei chefe!!! Também me apaixonei pelo poetinha ainda menino mas foi quando ele é Tiquinho fizeram seu impagável "A Arca de Noé", lembro-me bem das geniais músicas infantis e da figura com um cinzeiro derramando e um indelével copo de whisky!!!
Que maravilha poder viver um pouquinho de uma época da cultura brasileira que se eternizou por sua qualidade tão bem construída por expoentes como Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Manuel Bandeira, Mário de Andrade e tantos outros grandes nomes. E que beleza nosso querido poeta Luiz de Aquino ter tido a chance de vivenciar o presente da efervescência daquele tempo e neste atual tempo-presente nos brindar com este presente de homenagem. Obrigado e salve salve o nosso grande Poetinha, patrimônio cultural de nosso belo Brasil!!!
Gostei muito do seu Blog... já visito há algum tempo e encontro coisas boas aqui! Muito bom!
Luiz, recebi seu convite para ver a crônica e o tarefismo doméstico me distraiu, mas hoje dei um pulo na cadeira quando me lembrei. Então, vim correndo, já antevendo seu capricho em pesquisa e cuidados, como é do seu feitio e eu já sei. Acredita que foi além do esperado? Achei seu elogio a Vinicius de Morais um primor. De fato, a velhice vai sendo jogada cada vez mais para a frente. Caso a covid-19 não me leve, pretendo ir além dos 65 anos que completarei no dia 12 de setembro. Se não me engano, acho que você é de 15 de setembro, ou estou enganada? Vinicius de Morais foi bom, e seus poemas têm grande qualidade e poder de comunicação, assim como a sua homenagem. Parabéns aos dois, ao inspirador e ao autor.
Postar um comentário