Glória,
para sempre
Depois
de um dia de eleições nas Mesas das duas Casas do Congresso Nacional, o menor
mês do ano só começou no seu segundo dia, sob grandes impactos nacionais:
somente nada menos que três grandes referências ocorreram na Polícia Federal,
com depoimentos do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, do senador Do Val e
do delegado de carreira da própria PF Anderson Torres, último ministro da
Justiça de Jair Messias Bolsonaro e secretário, por apenas quatro dias, da
Segurança Pública do Distrito Federal.
O
primeiro “pediu” para ser interrogado ao declarar que “na casa de todo mundo”
(no restrito universo dos áulicos e auxiliares de Bolsonaro) havia uma “minuta
do golpe”; perante as autoridades designadas para colher suas declarações, ele
“metaforizou” tentando esclarecer: disse que “era apenas uma metáfora”. Abro
parênteses: os gramáticos, os lexicógrafos, os críticos literários, os
professores em salas de aulas e os escritores e redatores em geral debruçam-se,
agora, sobre os conceitos das figuras literárias, de estilo e de linguagem,
buscando novos conceitos para “narrativa” e “metáfora”, que se tornaram modais
nas “narrativas” dos políticos e, por desdobramento, dos profissionais de
comunicação. Fecho.
A
agenda do dia, porém, foi alterada, subitamente, nas primeiras horas da manhã,
com a notícia da morte de Glória Maria, a pioneira repórter da televisão
brasileira, criadora de um padrão de trabalho novo e surpreendente, desde o
início de suas ações, ainda como estagiária, na TV Globo do Rio de Janeiro. Uma
cara nova, uma voz nova, um jeito novo de se apresentar ante as câmeras, dando
ao telespectador a sensação de “estar ali”, ao vivo, vendo e compreendendo
tudo...
Era
a quebra de hábitos que marcaram, na época, os canais de notícias: tanto nos
textos dos jornais e revistas quanto no modus operandi dos repórteres e
apresentadores, exigia-se que textos escritos e falas em rádios e tevês fossem
“padronizados”, o que sempre chamei de “pasteurização dos textos” (por
extensão, da postura dos colegas das mídias vocal e visual). Glória Maria
quebrou aquilo, impondo, espontânea e natural, o seu “modo de ser”, que logo
caiu no gosto do consumidor.
O
que agradada o consumidor cai bem nas preferências dos patrões. E foi o que
vimos. Não tenho, pois, nada a acrescentar a tudo o que li, vi em vídeos, ouvi
no rádio e vi no JN de ontem, 2 de fevereiro, num extenso e rico trabalho de
reportagem a muitas cabeças e corpos, para recordar e informar ainda mais quem
foi, até aquela manhã, a mulher mignon que se agigantava no ambiente de
trabalho, contaminando de energia e otimismo os colegas e de embalsamento os
sentimentos da clientela televisiva. Indiscutivelmente um ícone, ela abriu
caminhos para:
1)
a pessoa pobre buscando estágio (que logo se fez emprego registrado e uma longa
carreira de sucessos diários);
2) a pessoa preta a cursar universidade e fazer carreira sem desvio de função;
3) a mulher trabalhadora, especialmente em atividades de nível superior;
4) a definição do ofício do repórter de tevê;
5) a mulher preta;
6) o enfrentamento à misoginia, ao preconceito de raça e cor, à cultura do
subemprego para os "menos favorecidos" e à afirmação do conceito de
que o preto, a mulher, o pobre, o favelado – enfim, o que não tem "quem
indique" (o famoso QI) – é tão ou mais capaz do que o favorecido pelo
sobrenome, pela conta bancária do pai, pelo prestígio da família, por fatores
como os olhos e a pele claros possa realizar.
Nos
últimos 50 anos, ela é uma das mais expressivas "caras da Globo" – se
não a mais dentre todas. Vai-se com a comoção nacional, como o foram Garrincha,
Vinícius, Elis Regina, Clara Nunes, Nara Leão, Tom Jobim, Aldir Blanc, Elza
Soares, Jô Soares, Gal e Boldrin, Pelé...
Nossa!...
São tantos os que nos deixaram assim!... Restam-nos a esperança e a fé na essência
de outros valores, dentre, principalmente, os moços de agora. Estamos
reconstruindo o Brasil, preparando a nação em suas altas qualidades nas
ciências – campo em que os valores não atingem o gosto das massas populares –
quanto nos esportes, nas artes, nos ofícios das mídias. Vivemos, nos últimos
dez anos, instantes políticos conturbados que resultaram em quatro anos de
estagnação e retrocesso nos processos de continuidade positiva, tendo como pano
de fundo um gênero musical que não contribui com o refinamento das
sensibilidades nem com o senso crítico. É hora, pois, de retomarmos o antigo
caminho, o rumo do horizonte de luz e estímulo à crença de que, sim, podemos
fazer melhor.
*
* *
Luiz de Aquino, jornalista,
aprendiz menor.
13 comentários:
Concordo com você, mestre. Tempos melhores hão de vir.
Suas crônicas estavam fazendo falta.
Parabéns pelas lindas palavras sobre Glória Maria - uma profissional da qual sentiremos saudades…
Voltou com força, mestre!!! Ótimo o artigo sobre a Glória Maria.
ERRATA:
No início do quinto parágrafo, a palavra "agradada" tem uma sílaba a mais, o certo é "agrada". DECULPEM-ME!
Parabéns, que bom! Voltar à ativa é importante.
Prezado amigo e mestre.Feliz com seu retorno e que seja duradouro. Grande abraço.
Você sempre encantando com palavras.
Obrigada pela homenagem a Glória Maria.
♥️🙏
👏👏👏👏
👏👏👏👏
👏👏👏👏
Belo texto!
Sorte a nossa de termos um Luiz de Aquino nas nossas vidas,para expressar por nós o que nos vai na alma.
Parabéns, a Glória Maria é tudo o que vc disse. Entretanto, sobretudo a Rede Globo, aproveitou a sua morte para desviar o foco sobre a minuta do golpe.
Kesia Leonardo
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