De
falácias e maldades
ou:
Ao mestre, com carinho
Essa coisa a que
chamamos de previdência surgiu no Brasil ainda no século XIX (19, para os novos
e os pouco curiosos), com a construção das estradas de ferro. Tratava-se de um
fundo ou caixa para amparar as viúvas dos operários das ferrovias, por razões
fáceis de se entender. Os funcionários do Banco do Brasil, ao ver aquela
importante providência, cuidaram de aprendê-la e criaram a sua caixa (ou
fundação), a PREVI, em 1904.
Em 1923, Eloy
Chaves criou a previdência aberta ao trabalhador brasileiro, e em 1931, Getúlio
Vargas, meses após instalar-se no Catete, comoveu-se com aquela medida (e todo
aquele dinheiro) e decidiu que o governo federal não podia deixar todo o
trabalhador brasileiro sem aquele benefício – e encampou a previdência.
Nos primeiros anos
da ditadura por revezamento instituída em 1964, o primeiro plantonista, marechal
Castelo Branco, entendeu que deveria fundir todos os Institutos de Previdência
(eram por categorias profissionais; eu era filiado ao dos Bancários, o IAPB) em
apenas um. Mas a iniciativa inaugurada por Getúlio (não a previdência, mas o
hábito de sacar grana do fundo previdenciário) continuou e, pasmem, consta que
apenas um presidente não meteu a mão naquele mar de grana – José Sarney!
Nos últimos anos,
ou seja, nestes mesmos da redemocratização, inventaram-se muitos impostos e
taxas agregados à previdência, mas o volume arrecadado não chegou aos cofres do
seguro social, pois foram alocados sob outros títulos contábeis. Isso,
associado aos saques desenfreados “justificados” por vários argumentos, criou
outra figura – o rombo da previdência.
Agora, vem a nós o
canto da sereia das maldades. Um pacote a que Temer e seus 40 (ministros e assessores;
são 40 ou mais, pois até mesmo o gabinete de Ali Babá, se existisse hoje, teria
algumas centenas de áulicos) intitulam Reforma da Previdência.
Isso não é
reforma! Esse pacote é pura armação contra o povo contribuinte – cada vez mais
contribuinte e menos povo, menos assistido – sem o constrangimento de quem age
contra quem os sustenta. Os governos são formados, sempre, aqui e em qualquer lugar,
por ninhos de serpentes sem memória, seres capazes de picar para matar quem os
alimenta.
Os professores,
talvez a classe mais atingida por esse pacote de maldades, serão os mais
prejudicados. A Nação brasileira sabe de como são tratados os mestres no Japão,
sabem da dignidade com que são referenciados os professores na França – enfim,
em muitas partes do mundo os educadores são vistos com respeito e tratados com
dignidade. Menos aqui. Haja vista a prática generalizada, em todas as unidades
federativas, de se mandar que a Polícia Militar espanque professores em seus
movimentos reivindicatórios – mas ninguém mandou nem os comandantes tiveram
iniciativa de espancar as mulheres dos amotinados no Espírito Santo, dias
atrás. E os policiais militares, geralmente mal remunerados também, conseguem
melhor tratamento do que os da Educação. O projeto dessa malfadada reforma
destaca os militares com alguns privilégios (os federais – mas esses benefícios
chegarão às Polícias e aos Bombeiros Militares, é de justiça).
Agora, os mestres
brasileiros, das redes públicas e dos estabelecimentos privados, irão às ruas
contra a proposta de emenda que escravizará os mestres de todas as nuanças empregatícias,
públicos e particulares.
A PM vai, de novo,
bater nos professores – é assim em todo o país. E alguns serão feridos, poderão
ter sequelas ou coisa pior – algo que não aconteceu com “as mulheres dos
policiais militares”, as porta-vozes do motim capixaba. Mas o presidente Temer
tem agido com habilidade, agradando os partidos de sua base de apoio e conta
com a inequívoca aprovação da reforma.
Meu receio é de
que estejamos à beira de uma segunda Queda da Bastilha. E a nossa Bastilha pode
ser qualquer dos palácios brasilienses, sei não.
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Luiz de Aquino é escritor, membro
da Academia Goiana de Letras.
2 comentários:
Fico imaginando uma professora dos primeiros anos, lidando com crianças de cinco e seis anos, aos 60 anos sentada no chão brincando com 30 alunos. As de 40 não aguentam, que dirá...
Caro Luiz, excelente reflexão! Parabéns por sempre debater acerca da forma com que nosso país trata os seus professores. Assim é o Brasil, país sem educação. Obrigada pelo "ao mestre com carinho," tal tratamento amenizará, um pouco, as pauladas que, com certeza, receberemos durante a luta pela nossa dignidade. Mara Rubia
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