O
vazio de Pedro
Manhã de sábado, 4
de março deste 17. Em menos de dez dias, é a minha quinta visita ao Cemitério
Jardim das Palmeiras para aquela despedida quase muda, aquele sentimento de dor
resignada, sob o tempero da falta de palavras adequadas e de gestos esparsos. O
abraço, este sim, simboliza energias permutadas, ou melhor, a comunhão das
dores e do empenho na busca de conforto.
Esta foi a vez de
Pedro, um moço bonito, no esplendor dos 45 anos, inteligente e presente. Meu
elo forte com ele e os irmãos é sua mãe, Eneida Pinto Vaz. Somos, ela e eu,
liames traçados antes de nossos nascimentos – costumo dizer que tenho amigos
escolhidos na adolescência e na fase adulta, tenho amigos de infância e tenho
uma amiga de nascença: Eneida. É que nossos pais e mães conheceram-se
adolescentes e consolidaram a amizade pela vida afora (dos quatro, resta apenas
Dona Célia, mãe de Eneida).
Casamo-nos muito
jovens – Eneida alguns meses antes de mim – e acompanhamos os nascimentos de
nossos filhos, e estes tiveram, também, a amizade de infância e adolescência.
Foi com os nossos pais, Zé Pinto e o meu velho Raé (José Pinto Neto e Israel de
Aquino Alves) que acompanhei, aos quatro anos, a primeira serenata, com a
missão de cantar ante as janelas amigas, naquela prosaica e bucólica Caldas
Novas, pelo começo de 1950.
Já adulto,
herdando de meu pai a amizade com Zé Pinto, fizemo-nos, ele e eu, parceiros de
músicas, como a canção Sentimento
Pirenopolino (ou Manhãs Alegres),
entre outras. Ele era, na década de 1970, meu primeiro leitor e grande
incentivador para que eu estreasse em livros – e surgiu O Cerco e Outros Casos, que ofereci a ele.
Vida e tempo que
nunca param... em fevereiro de 1991, em pleno carnaval, morreu o Zé Pinto. A
dor, é claro, densa e forte, plantou-se no coração da Eneida – mas havia o
parceiro escolhido, Delermando Vaz, para lhe oferecer conforto. E o tempo, com
suas múltiplas intempéries, levou-se o parceiro de décadas, pai de seus quatro
filhos, pelos meados de 2011.
Agora, e dias após
ser internado, sob um AVC e já em coma, o caçula Pedro despediu-se da vida.
Dominaram-no os distúrbios do metabolismo – isso que causa a obesidade (ou
decorre dela, não sei). O trajeto daqui à sala do velório, a concentração
inevitável, inevitavelmente preenchida de boas lembranças evoca as já citadas
dores. As falas ao pé do corpo inerte fortalecem a personalidade agradável e
querida do menino Pedro e tornam-se um canteiro para a saudade prenunciada. O
peito parece pequeno para tantos sentires, que comprimem a bolsa das lágrimas e
forçam-me a sair quando alguém comenta sobre fechar a urna. Sinto o Zé Pinto, o
Lindolfo e o Padre Belizário, filhos da tão querida Dona Joana, e os imagino
ali, acolhendo o moço que lhes fora tão amado.
Faço coro com
todos os que procuram entender a não-aceitação desse evento triste, de uma mãe
sepultar o filho. Imagino o vazio da ausência, o lapso de amor e carinho, da
voz e das queixas – essas coisas de filhos ante a mãe – e também das carícias,
aquilo de impor a cabeça ao colo da mãe, de abrir o coração para as confissões
sinceras que só pedem compreensão e conselhos, perdão e muitos afagos de mãos e
de beijos.
Segue em paz,
querido Pedro! Você não estará só. E os que ficam lamentam sua ausência, sim,
mas hão de sempre fortalecê-lo com suas lembranças e preces.
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Luiz de Aquino é escritor, membro
da Academia Goiana de Letras.
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