O amor ante a morte
(*)
A semana foi de
amores e mortes. Considere-se a semana desde a noitinha da sexta-feira, 13 de
julho, e termino-a algumas horas antes de se fecharem as 168 horas dos sete
dias, até porque não preciso de todas essas horas (no intervalo, muitas foram
as horas gastas com ocupações menores ou não-afins). Nas primeiras horas, o
belo de cores e arte, de história e alegorias, de música e de movimento ora
calculado, ora espontâneo; em meio a tudo, a vaia.
E vieram os jogos
do PAN do Rio, uma festa de Brasil e Américas. Mas vieram as cores terríveis do
choque e do fogo: a expectativa da chegada feliz deu lugar ao espanto e vez ao
susto, à dor e ao desespero: não havia como morrer. A tragédia vaiava a vida.
O senador Antônio
Carlos Magalhães, satélite de todos os poderes nos últimos 50 anos da vida
política brasileira, não estava naquele avião; mas também deixara a vida a
poucas horas do fim da semana. Alguém me fala em “fecho de um ciclo”; discordo,
porque esse ciclo já começava a se fechar desde quando ele teve de renunciar
para não ser cassado. De novo evoco o belo e a poesia... Sem texto, não há
poesia; e a beleza, não existiria se o homem não a concebesse, não tentasse
sempre recriá-la.
A morte do homem
público diz respeito à história; as mortes de centenas de passageiros do avião
da TAM causam comoção nacional, ainda mais quando vemos as chamas do querosene
espalhado a expandir-se por papéis e outros inflamáveis. A dor é única, é
brasileira, ecoa em cada família e em cada grupo de trabalho ou de passeio, de
esporte e de ócio. É uma dor que cala fundo no peito da gente, mas é social.
Dor individual fica
por conta dos parentes e amigos dos que se foram. Como a dor que se espargiu
entre filhos e netos de Dona Valeriana, a octogenária mãe dos meus amigos
Aidenor e Hildenor Aires. A mulher simples que, nos anos 50 do século passado,
deixou o sertão oeste da Bahia e chegou à emergente capital nova de Goiás, onde
trabalhou como pôde para educar seis filhos.
Daquela prole
emergiram filhos dignos. E bem definiu o poeta Aidenor, à beira do sepulcro, ao
evocar a vida de lutas árduas de que resultaram os filhos vitoriosos: “Ela foi
como as mães e avós de muitos de nós aqui”, disse o poeta, “mulheres que não
precisaram de cesta básica nem das esmolas dos governos para criar seus filhos
com dignidade e honra”.
Dona Valeriana é
daquela geração da década de 20, frutos de um severo após-guerra; a mesma leva
que se viu buxa-de-canhão da II Guerra Mundial, os homens conduzidos aos
“fronts”, as mulheres obrigadas aos sacrifícios inerentes aos estúpidos
conflitos bélicos.
Bélico... de
“bello”, guerra em latim; o mesmo latim que nos deu belo, de “belle” (adjetivo
“lindamente”). Não há morte bela, ela sempre nos traz o trágico, a dor e um
inarredável sentimento de solidão. E saudar a morte é ofício dos vivos. Dizem
que a morte só dói entre os que ficam. Mas os que ficam, quando têm os
conceitos que Aidenor conhece bem, entendem que a vida tem seu tempo, e o tempo
de Dona Valeriana fechou-se na noite de quinta-feira, 19 de julho, 2007. Teve
tempo de ver a cidade que escolheu para viver e criar os filhos render-se aos
méritos de Aidenor.
E ela, agora, se
apresenta ao criador com a simplicidade de Irene, preta e boa, de Bandeira.
Pela vida que viveu, certamente ouvirá de Deus: “Você não precisa pedir
licença”.
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(*) Esta crônica foi publicada em 22/07/2007,
neste meu espaço no DM. Escolhi repeti-la para comparar os tempos em uma década
e, a um só tempo, homenagear meus amigos (filhos de Dona Valeriana).
Luiz de
Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.
2 comentários:
Luiz de Aquino:que beleza de crônica, amigo! Ouso dizer que, a cada artigo seu ,que leio,
vejo um Luiz diferente. Nesta , que acabo de ler,
senti o amigo
sempre pronto a compartilhar
os momentos de dor e alegria. Gosto de ser sua amiga virtual.
A poética da morte é bela, mas ainda assim, terrível.
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