“A escola militarizada é aquela
onde não
se discute, se obedece”.
5 pontos que colocam em xeque a militarização das escolas
Educadores
rebatem as narrativas do governo de que as escolas militares resolverão a
violência e que estudantes precisam de mais rigidez
Cinquenta e quatro escolas iniciarão 2020 no modelo cívico-militar. No
dia 12 de dezembro, o ministro da educação, Abraham Weintraub, se reuniu com os
diretores e coordenadores pedagógicos que atuarão nas unidades. “A escola
cívico-militar será o grupo de escolas mais qualificado no Brasil. O objetivo é
criar sim um grupo de brasileiros e brasileiras que na próxima geração vai
comandar esse país, resgatando os valores e trazendo técnicas novas, trabalho
novo para todos esses jovens”, declarou.
“Nasce uma referência na educação brasileira. Os senhores são parte
desse time que vai desembarcar o ano que vem. Infelizmente, existe muita gente
que quer que esse modelo dê errado. Eu vou defender esse modelo e vocês com
unhas e dentes, e vou trazer os recursos que forem necessários para que vocês
tenham sucesso”, emendou o ministro.
“Estive com 170 diretores e coordenadores de
educação, vindos de 22 estados e DF, para a capacitação/treinamento sobre
modelo de escolas cívico-militares. Em 2020, já começam a funcionar 54. Governo
Bolsonaro: devolvendo o Brasil aos brasileiros!”.
O programa se baseia em duas narrativas principais: a de que, sob gestão
dos militares, as escolas conseguirão resolver a
questão da violência – motivo pelo qual considera aplicar a
militarização em territórios mais vulneráveis – e a de produzir melhores
resultados educacionais, a partir de mais regras e disciplinas no ambiente
escolar.
Especialistas ouvidos por CartaCapital refutam
a tese e apontam fragilidades no modelo. Confira:
1.Escolas militares produzem melhores resultados do que as escolas
regulares
Os pesquisadores Alesandra de Araújo Benevides e Ricardo Brito Soares,
da Universidade Federal do Ceará, se debruçaram sobre os números das
unidades existentes no estado e fizeram algumas ponderações. De fato,
verificaram que, em testes de desempenho, os alunos de escolas militares
alcançam melhores indicadores. “No Enem de 2014, a pontuação média em
Matemática das escolas militares estaduais foi de 514,15 pontos contra 454,13
nas não militares”, aponta a pesquisa. A questão são as causas dessa
diferença. Uma delas está no fato de que as unidades militares recebem
mais investimentos do que as escolas regulares.
“As escolas do Ceará contam com alguma autonomia financeira, uma vez que
recebem recursos não só da Secretaria da Educação Básica, mas também da
Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social”, explica Alesandra Benevides.
Além disso, as famílias dos alunos são obrigadas a pagar uma taxa anual, o que
amplia as receitas. Com mais recursos, as escolas não militarizadas não
alcançariam índices semelhantes de aprendizado? Há ainda outro fator
importante: o acesso às escolas militares não é tão fácil. Uma espécie de vestibular
seleciona os melhores estudantes, processo inexistente nos demais
estabelecimentos públicos.
2.Escolas militares resolverão a questão da violência nos territórios
mais vulneráveis
Educadores atestam que o enfrentamento à violência tem que ser encarado a
partir de uma ótica correta e não resumido aos contextos escolares. “A violência
é estrutural e está ligada a diferentes demandas da sociedade que muitas vezes
não são cumpridas. Precisamos discutir a segurança da população, da comunidade,
do entorno onde estão não só as escolas, mas os centros de saúde, de cultura,
lazer. A violência está em todos os lugares por ausência de políticas públicas.
Discuti-la é avaliar o que se passa em uma sociedade refém da ausência do
Estado e o que de fato são ações públicas qualificadas que cuidem do cidadão, o
considere, pense na evolução de uma sociedade que reduza as desigualdades
sociais”, problematiza a educadora e doutora em educação pela USP, Irandi
Pereira.
3.Estudantes precisam de mais ordem e disciplina
O pesquisador da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais
(Flacso), André Lázaro, entende que as escolas não devem lidar com seus
estudantes a partir de uma linguagem violenta. “A escola não é ambiente de
obediência e hierarquia cega, mas de diálogo. A escola militarizada é aquela
onde não se discute, se obedece. Não se constitui cidadania se as pessoas não
pensam, se constitui ditadura”, sentencia.
Arroyo entende que o modelo pode impactar negativamente no
desenvolvimento de crianças e adolescentes e de suas identidades. “Uma das
formas das infâncias e adolescências se afirmarem é por meio de seus corpos. Eu
costumo dizer que não temos corpos, somos corpos. Trazemos nele a marca do
nosso tempo, o corpo é a marca de cada tempo, da identidade. O que eu quero
dizer com isso é que quando o menino usa boné, ou quando meninos e meninas
optam por usar adereços ou até por um tipo de corte de cabelo eles estão
simbolizando suas identidades, os corpos passam a ser afirmação de identidade,
entende? E aí vem a escola militar e diz: basta! Não existe cabelo, corpo,
nada. Isso é terrível, porque não reconhece as mudanças e as lutas que se
acumulam na infância, adolescência e juventude”, atesta. Ao que acrescenta:
“Hoje a infância tem voz, a adolescência é o tempo da afirmação, da orientação
sexual, das experiências que culminam, por exemplo, em tantos movimentos
organizados pela juventude. E se estamos diante de novos tempos para esses
indivíduos, a educação também deve ser outra. Ao tentar destruir identidades de
corpos, raça, gênero, se destrói a identidade humana e isso não é pedagógico”,
afirma.
4.As famílias querem as escolas militarizadas
Para Arroyo, a aceitação de algumas famílias ao modelo tem como pano de
fundo o fortalecimento de uma política de estado de medo, exceção e ameaça que
coloca em xeque a escola e a própria democracia. “Imagine só uma mãe que
precisa trabalhar e deixar o filho na escola, claro que ela vai querer
segurança. A questão é que se criou um clima de que a escola não dá conta de
seu papel e isso é totalmente intencional e político, faz com que essas
mulheres não confiem mais nas escolas e cedam à proposta da militarização.
Veja, o caminho democrático é sempre melhor, mas quando se cria a ideia de que
na democracia não há segurança, acabamos flertando com as regras, com as
posturas ditatoriais e isso também chega às escolas.
5.Escolas militares trazem mais segurança aos estudantes e comunidade
escolar
CartaCapital denunciou casos de violência cometidos por integrantes do corpo militar
que atuam em escolas de Manaus. Foram pelo menos um caso de agressão contra um
professor e três casos de assédio envolvendo uma estudante e duas professoras.
Embora encaminhados ao Ministério Público do Amazonas no início de outubro para
averiguação, o advogado das Associações de Pais, Mestres e Comunitários,
Ricardo Gomes, que vem representou grande parte dos casos questionou a conduta
da Secretaria de Educação e da PM.
“O que tem prevalecido até o momento é a omissão, prevaricação e o
corporativismo que impedem que as situações sejam investigadas com
imparcialidade. Como que um militar acusado de assédio pode continuar a
frequentar uma escola e conviver com crianças e adolescentes?”, declarou, à
época.
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Arroyo critica a violência atribuída naturalmente aos estudantes. “Não
são as infâncias que são violentas. Elas são sim violentadas pela sociedade,
pela pobreza, pelas favelas, pelas desigualdades sociais, de raça, gênero e
isso chega às escolas. Mas preferem ocultar isso, a olhar com seriedade. As
infâncias são vítimas de violência e respondem da mesma maneira às violações
que sofrem”, atesta.