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terça-feira, abril 21, 2020

Idealismo e torcida. Serão a mesma coisa?


Bolha verde-amarelo


“Bolha” já foi gíria para 
designar “bobo”. Aprendi, nas 
experiências de repórter, que 
“bobo é quem segue o bobo”.




Ao longo daqueles 21 anos da ditadura, havia um rigor quanto ao uso dos símbolos nacionais. Existe lei específica que define quais são esses símbolos – bandeira, brasão, selo e hino - e como usá-los, porém o foco popular é para com a Bandeira do Brasil e o Hino Nacional Brasileiro.

Havia um rigor para se cantar o Hino e também para se portar ou hastear a Bandeira. Porém, o povo nas ruas desde aquele comecinho de 1984 popularizou tanto nosso Pavilhão quanto o nosso Hino. Desde a campanha pelas Diretas-Já, que mostrava a nossa vontade de votar para Presidente a bandeira ganhou simpatia popular – e o PCdoB chegou à Praça dos Três Poderes, num daqueles eventos, com uma imensa flâmula verde e amarelo sob a qual centenas de pessoas passeatavam festejando a perspectiva da democracia e da liberdade, que nos foi negada desde aquele primeiro de abril de 1964.

Houve uma passeata em que o Presidente Fernando Collor pediu que nos vestíssemos de verde e amarelo para demonstrar apoio a ele – mas trocamos as cores nacionais pelo preto, numa evidência de que não o queríamos mais – e isso foi como a “turma da pipoca” atrás das tropas que desfilaram naquele 7 de setembro, em 1991. Não demorou para que o processo de impeachment fosse apreciado no Congresso.

Mas em junho de 2013 começou uma nova moda – o verde e o amarelo nas ruas. A ideia inicial era evitar as bandeiras de partidos, tentando mostrar que queríamos soluções independentemente da hipocrisia das tais agremiações fisiológicas. E em lugar dos partidos, surgiram algumas organizações “patrióticas” que prometiam coisas por um Brasil melhor, “livre da esquerda” e dos riscos de “se tornar Cuba ou Venezuela”. Com isso, Cuba virou a Bruxa Madrasta e a Venezuela, o Lobo Mau.

E a massa ignara deixou-se seduzir pelo canto das sirenes, ops! Sereias! Abriram-se as gavetas e as camisetas que se vestiam em dias de jogos da Seleção tornaram-se uniformes de campanha.  E, de repente, essa gente que não sabe sequer o que é um conceito político ou diretrizes partidárias entendeu que tudo o que levava vermelho era “coisa de comunista” – e assim o PT também deixou de ser “trabalhista”.

Neste domingo, 19 – Dia do Índio e, para os militares, Dia do Exército – os torcedores do presidente trapalhão saíram às ruas. Curiosamente, e coincidentemente, nas cidades onde aconteceram carreatas em prol do fim do isolamento para se conter a expansão do Coronavírus dirigiram-se a uma unidade do Exército – em Brasília, sem constrangimentos, a escolha recaiu no Quartel General. E também coincidentemente foi para lá que o presidente Jair foi, após almoçar com os três filhos na casa do zero-três Eduardo. Saudou os presentes e resolveu discursar, usando como palanque uma caminhonete da PMDF.

Sem modéstia, o PR (como gosta de escrever o FHC, ex PR) falou como se reagisse a algumas faixas – todas iguais, sugerindo que foram confeccionadas numa mesma origem – que pediam “Intervenção Militar com Bolsonaro no Poder”. Outras propunham “AI5 Já” – e Bolsonaro não as contestou. Preferiu dizer que estava com eles, que queriam o melhor para o Brasil, que os três poderes precisam entender que são submissos ao povo e que não queria negociar nada!

Claro, claro... A massa em carrões de luxo foi ao delírio, entendendo que o presidente se comprometia com suas propostas – a de intervenção militar com Bolsonaro no poder e AI5 já! A massa em verde-amarelo absorvia os perdigotos de seu líder, que tossia e se limpava com os punhos e palmas das mãos – e estendia mãos aos do povo e também a militares e assessores, constrangendo-os (talvez).

De São Paulo, um vídeo de quase 30 minutos, de um grupo chamado Jornalistas Livres, mostrava a luta “democrática” de mauricinhos da década de 1980 e “patricinhas” da década de 1970. Os propósitos “da luta” eram os mais “democráticos” – a volta ao trabalho para tirar os “vagabundos” das suas casas e “movimentar” a economia, porque “essa desculpa de Coronavírus não cola mais” e outras pérolas do gênero.

Uma das primeiras entrevistadas usava máscara com a inscrição AI5 JÁ e admitia ter álcool em gel no carro. E as duas últimas estavam sem máscaras, mas admitiam que as usariam caso saíssem do carro: “Estamos aqui lutando pelo Brasil” diziam elas, e a que dirigia ainda valorizava “Meu filho não sabe que estou aqui, seria um problema”.

E tome verde-amarelo!

As reações, mesmo durante as carreatas, não demoraram: panelaços em todas as cidades onde elas ocorreram e mesmo em outras, justo nos instantes em que a televisão – ou as redes sociais – mostravam o que se passava. Pelas redes sociais, começou a circular o chamado “Fora, Bolsonaro”. As reações, em todos os quadrantes, não foram nada simpáticas. 

Resumindo: os patriotas de verde-amarelo que fazem carreatas pró-Bolsonaro e contra a quarentena da Covid-19 são, sem dúvida, empresários em defesa de seus interesses diretos, sem qualquer preocupação com a classe trabalhadora – essas pessoas que, trabalhando, enchem as burras dessa “classe”. Mas atrás deles há outros, igualmente vestidos com uniformes de torcida e, algumas vezes, embrulhados na bandeira do Brasil como se o manto pátrio fosse um xale da vovó. Esses são os imbecis que se alinham aos magnatas pensando que, assim, se confundem com os “poderosos”.


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Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.


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