Evocadores
do arbítrio
Uai!
As massas de carrões e motos de luxo arquivaram seus uniformes de torcida,
parece! Esta semana não foram às ruas para exigir o fim do isolamento, pregar
intervenção militar e fechar o Congresso e os Tribunais. Bastou lembrar que a exigência
por um “endurecimento de regime” é crime previsto na Constituição, informação
essa seguida do pito pela inconveniência de se fazer comício diante dos portões
de quartéis – e, mais ainda, que prevalecer-se da autoridade outorgada pelo
Povo para usar o pórtico do Quartel General do Exército é um desrespeito à
própria Força para recolherem seus “ideais exóticos”.
O
capitão, desprovido de seus galões há mais de 30 anos, ostentando a condição de
comandante-em-chefe não conseguiu se conter e decidiu se exibir. No resto daquele
domingo, há oito dias, e certamente pela madrugada adentro, o bom senso acendeu
uma pequenina lâmpada no cérebro do mais alto mandatário desta Nação e ele
amanheceu numa segunda-feira com opiniões divergentes da que marcou seu
malfadado discurso na tarde anterior.
Mas
o hiperativo não se conteve. O sabor da vitória sobre o cargo de Mandetta –
vitória de Pirro, diga-se – e a alegria de ter entronizado na Saúde um amigo de
fé, um médico que se tornou empresário e depois consultor, no Ministério mais
importante neste tempo de pandemia estimulou-o a tirar de cena outro auxiliar
cuja popularidade, tal como a de Luiz Henrique, ofuscava-o na altíssima cota
percentual de rejeição.
E
assim, Sérgio Moro caiu.
Caiu
do cargo, claro. E ao cair, saiu atirando e levou consigo o staff de seu
gabinete e uma importantíssima peça-chave, o diretor geral da Polícia Federal.
E Bolsonaro, que tinha em Moro, agora, não um fiel escudeiro (e, convenhamos,
Moro se postou bem como um fiel Sancho Pança ao omitir-se diante de vários
desarranjos do chefe), mas sim um vulto que crescia e o ofuscava. Tinha de se
livrar dele – e o fez com o devido estardalhaço, rachando a força popular de
que disponha.
Um
autêntico tiro no pé para alguém que tanto gosta de armas!
Os
três filhos portadores de cargos eletivos e vedetes de seu governo
regozijaram-se. E o presidente, que sentiu sobre si a forte luz dos holofotes,
aproveitou o ensejo para evidenciar mais um filho, o Zero-Quatro, rapazote
sorridente e feliz e, segundo o próprio pai, um terrível pegador que sequer
precisa sair do condomínio para entediar-se das conquistas.
E a
claque atenta aos aboios, essa que se traja de verde-amarelo para tecer loas à
ditadura, não apareceu mais. Algumas frustradas tentativas não surtiram
efeitos. E os bonecos humanos embrulhados no Pavilhão Nacional trouxeram-me à
memória os versos imortais de Castro Alves, no seu antológico Navio Negreiro:
Auriverde
pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
E concluo estas
divagações sobre o momento nacional, triste ante os riscos da nefasta peste,
ainda mais combalido pelas incessantes decepções que me traz o noticiário. E
volto a emprestar-me de Castro Alves, agora os versos finais desse Canto VI de
seu poema-libelo abolicionista:
Mas é infâmia
demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
*
* * * ** * * * * * *
Luiz de Aquino, da Academia Goiana de
Letras
Nenhum comentário:
Postar um comentário