Aerofoto do Palácio das Esmeraldas; as duas grandes placas claras, na parte baixa, são as primeiras lajes do Centro Administrativo, em construção (1962 ou 63). |
Sessenta
anos em Goiânia
O
espelho é parceiro constante, peça mágica de encantamento e autoidolatria (para
os narcisistas). Mas é, também, um amigo disponível que, enquanto nos satisfaz
o ego com as chances de autoadmiração, aconselha-nos a tomar medidas e
decisões, sempre que necessário: “Corte o cabelo; barbeie-se; erga os ombros;
cuidado com a alimentação” etc. e tais. O espelho costuma, muitas vezes,
sugerir-me uma visita a velhas caixas de fotografias – e, na versão
contemporânea, a arquivos digitais.
Gosto
da minha idade (sempre gostei); e gosto do passado, esteio do agora e trampolim
para o futuro. Divirto-me com as imagens que despertam lembranças, e transformo
esses momentos em fabulosos exercícios da memória. Isso me desperta sorrisos e
risos, muitas vezes – noutras, surpreende-me com furtivas lágrimas incontidas,
valorizando as emoções que tais lembranças cutucam.
Cheguei
à fase em que raríssimas são as pessoas da minha vivência a quem consultar;
tornei-me, eu próprio, fonte de informações para os mais moços (amigos e
familiares), mas as perguntas dos filhos e netos, dos sobrinhos e primos nem
sempre encontram respostas em mim. Mas, penso eu, de uns tempos para agora:
“Isso não tem mais importância, ficou perdido naquele passado, foi sepultado
com os que se esqueceram de me contar”. É um modo de me perdoar por não saber –
ou de me poupar de alguma culpa, visto que, em tempo adequado, não me ocorreu
de tentar saber.
Bem:
não quero bater na tecla insistente de que “os velhos sabem tudo”; sabemos,
sim, de muita coisa, mas vejo e ouço o quanto os moços andam desinteressados;
pensam que tudo da vida está no gúgol, esse que quebra tantos galhos na
internet e que, erroneamente, vem substituindo as enciclopédias, tolhendo-nos
das melhores ferramentas tira-dúvidas; em breve, estaremos com muito mais
informações, porém muito menos bem informados do que seria possível.
Pelo mesmo ângulo: na década de 1950 e em 2011. |
Para
não perder o fio de meada, ou a luzinha no fim da escuridão, estala em minha
memória meus primeiros dias em Goiânia (em agosto próximo, festejarei –
sozinho, pois sei bem que isso só interessa a mim – 60 anos de minha chegada.
Bom
goiano, “de pé rachado”, asseguram-me a goianidade a tradição na família
paterna, com raiz na senzala do Engenho de São Joaquim, na vetusta Meia Ponte
que se tornou Pirenópolis. A famosa Fazenda Babilônia – nome que recebeu do
Padre Simeão, que a adquiriu dos herdeiros do velho engenho – teve o leito em
que o comendador Joaquim da Costa Teixeira ‘coabitou’ com a mucama Eufêmia de
Gouveia. Sua filha Maria Jesuína da Costa Teixeira casou-se com Luís Tomás de
Aquino, bisavós de meu pai. A outra vertente da minha concepção é a mestiçagem de
duas raízes italianas com caboclas bem nacionais: minha mãe era filha do Vô
Chico (Francisco Borgese) e da minha avó Inês, cuja pai era também italiano (o
Vô Donato, que alcancei; faleceu duas semanas após minha chegada a Goiânia,
tinha 97 anos). Acredito que essa miscigenação variadíssima me dá a composição
genérica do bom brasileiro.
Dois tempos, pelo mesmo ângulo: 1952 e início dos anos 2000. |
Voltando
a 1963, mais precisamente ao dia 31 de julho... Era pouco mais de meio-dia
quando desembarquei, ao lado de meu primo Rogério Cunha Ríspoli, na rodoviária
que, hoje, é um quartel do Corpo de Bombeiros. Estávamos ambos muito corados,
ou seja, a pele e a roupa cobertas com o pó vermelho da estrada desde Caldas
Novas até alcançar o asfalto da BR-14 (hoje, BR-153), nas proximidades de onde
hoje está a praça de pedágio, no povoado Floresta. Na manhã seguinte, inaugurei
minha condição de aluno do Liceu de Goiânia – nos papéis, Colégio Estadual de
Goiânia, nome esse que a população nunca assimilou; o nome Liceu de Goiânia,
extra oficial, constava até mesmo em algumas insígnias do colégio – um braço do
Liceu de Goiás, criado na antiga capital em 1846.
Minha
alegria só era compreensível para mim mesmo: eu vinha do Colégio Pedro II, do
Rio de Janeiro, o mais antigo dentre todos os colégios do país em atividade
ininterrupta; e o Liceu de Goiás ocupava, sem que muitos de seus alunos e mesmo
professores soubessem, o honroso papel de “o segundo mais antigo” na mesma
condição – a de jamais ter fechado suas portas.
O Liceu era assim e nos enchia de orgulho; aí fui aluno e, algum tempo depois, professor. |
Aqueles
cinco meses restantes, isto é, o segundo semestre letivo, foi de descobertas
valiosas para mim. Eu deixava o Rio em ano pré-vesperal de seu quarto
centenário e chegava à novíssima Goiânia, que festejou, em outubro, 30 anos de
sua Pedra Fundamental; integrei-me (com alguma rejeição por parte de alguns
colegas) ao novo colégio, convivi com jovens poetas na mesma sala de aula
(Emilio Vieira e Ciro Palmerston) e descobri-me aprendiz de ator com Otavinho
Arantes.
Tempo
de adaptação, de descobertas e aprendizados... Coisas que se plantaram na minha
memória; na época pareciam de menor valor, mas hoje têm a função de um alicerce
no começo da vida adulta.
13 comentários:
Prof Egmar Chaveiro:
A sua crônica - SESSENTA ANOS EM GOIÂNIA - é muito boa. O modo como você lida com a idade e com o passado parece-me lúcido e denso.
Ah, a significação do espelho superando o espectro narcísico é também rica e valiosa.
Acho que devemos aceitar a nossa condição de fonte. Fonte viva e aberta.
O seu texto chegou num lugar bom: é sereno, leve, equilibrado
Márcio Santana:
Excelente texto, meu amigo! Vc o descreveu com leveza e de uma forma agradável de se ler!!! Parabéns!!! 👏🏼👏🏼👏🏼
Rosália Perissé:
������������
Que beleza de crônica!!!!
Conheço todas essas sua histórias, aprendi a gostar delas.
Lúcia H Vieira:
Obrigada, texto biográfico inspirador! História de vida bonita!
Quando você chegou aqui, caminhava para Ribeirão Preto.
Desencontramos! Voltei a Goiânia em 1968. Fui para o IEG, terceiro ano. Daí colei grau e... trabalho, trabalho e trabalho!
Olhar ao céu tentando descobrir o rumo.
Vou reler seu texto!
João Marcello, Cantor:
Que lindas memórias!
Eu não sabia sobre o Lyceu de Goiânia ser o segundo colégio (em atividade ininterrupta) do Brasil.
Obrigado por partilhar!
Belas memórias, lúcidas é bem contadas 👏👏👏
Alice Prudente:
Belas e bem com contadas memórias 👏👏👏
Valdir Ferreira:
👏👏👏memórias afetivas, uma trajetória muito valorosa nesta nossa Goiânia. Também cheguei nessa terra em 1955, passei pelo Liceu de Goiânia em 1966.
Gostei muito de sua crônica.😍
Eliane Aquino Sousa:
Parabéns, mano! Que linda crônica! Como é bom saborear as suas histórias!
Prof. Antônio Celso:
Prezado mestre Luiz De Aquino, boa noite. Estou hoje aqui em sua terra natal a nossa Caldas Novas, (...) Bem , deixemos que o tempo passe, e quero dizer que cada texto por Você produzido mexe com o nosso passado, pois eu, que convivo há 77 anos com a Cidade de Goiânia, fico feliz em rememorar esses passados. Parabéns, mestre, e obrigado por ter este privilégio de voltar a alguns anos de muita alegria. Grande abraço!
Muito bem bem, Luiz. Continua com sua doce poesia bem cultivada em Goiânia.
Excelente crônica de um goianiense por adoção, que vivenciou mais da metade de ambas as vidas (do escritor e da capital que o acolheu). Muito do cotidiano de Goiânia está em suas crônicas jornalísticas, Aquino, que não é outra coisa que não História. Parabéns!
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