Páginas

terça-feira, agosto 01, 2023

Seis décadas em Goiânia

 


Seis décadas em Goiânia

 Para Emílio Vieira


Em 1963, justo no dia 31 de julho, deixei Caldas Novas, às 7 horas para, numa viagem de cinco horas, fixar-me em Goiânia; a cidade era, para mim, uma incógnita. Sete anos e meio antes, eu deixara Caldas Novas rumo ao Rio de Janeiro, onde me preparei para o Exame de Admissão e pude, pois, cursar o ginasial (segunda fase do Ensino Fundamental de hoje).

Estava, então, já matriculado no Liceu de Goiânia, oficialmente chamado de Colégio Estadual de Goiânia – mas esse nome só aparecia nos papéis oficiais. As aulas, obviamente, começariam no dia seguinte, o sempre referenciado primeiro de agosto. Entrei no histórico prédio – afinal, já existia desde 1937, ou seja, estava no 26° ano de funcionamento e Goiânia, naquele ano, festejava 30 anos de sua Pedra Fundamental. Descobri, naquele mesmo primeiro de agosto, que eu estava no segundo mais antigo colégio em funcionamento ininterrupto no Brasil, considerando-se que o CEG (sigla oficial) era a continuidade do Liceu de Goiás, criado em 1846 pelo então presidente da Província de Goiás, o Barão de Ramalho. Aquela informação encheu-me de orgulho, especialmente por eu supor que seria, sim, o único brasileiro a ter sido aluno dos dois mais antigos colégios do país – dentre os que jamais fecharam suas portas.

Aquele foi um dia de conhecer gente nova – moças lindas e (a maioria delas) muito falantes; rapazes mais discretos, mas, tal como as garotas, olhavam-me com uma curiosidade incômoda (para mim). Alguém antecipara a notícia de que chegaria um novo colega, vindo do Colégio Pedro II. Em pouco tempo, revelei-me uma decepção: eu não era sábio, não era carioca, era pobre, vestia-me mal aos sábados – um dia de exibicionismo em que o uniforme era dispensado.

Devo dizer que os adolescentes (dizíamos, então, meninas-moças e rapazinhos) goianienses eram, em maioria, altamente burgueses; eu vinha de um colégio em que não era raro de se ter o filho de um ministro ou de um banqueiro ao lado do filho de um comerciário do longínquo interior de Goiás – eu – ou do filho de um motorista de lotação – Paulo Fernando, o meu melhor amigo desde aqueles tempos.

Na turma, recordo-me de alguns nomes: Liane, Maria Zélia, Carlota, Beatriz, Lílian, Guaracy... E os marmanjos Mário Alberto, Emílio Vieira, Francisco Taveira, Ciro Palmerston, Samuel, Tinoir, Elci... Professores queridos – alguns excessivamente severos (ou severas), como Maria França e Ofélia Jaime de Pina. Dona Ofélia, identificando-me em sua primeira aula, conclamou a turma a “dar nossas boas vindas ao entrante”; e a partir daí, era com esse quase apelido que as meninas se referiam a mim, mas os rapazes foram mais receptivos.

Justamente naquele semestre, Ciro e Emílio anunciavam seus livros de poemas – ambos estreantes – para muito breve; Ciro fez sua festa em dezembro e Emílio, pouco tempo após, mas já em 1964. Os dois eram membros do Grupo de Escritores Novos (GEN). Resumo: daqueles (calculo eu) trinta estudantes, quatro se fizeram escritores: Emílio, Ciro, Elci e eu

Consegui emprego num escritório, o patrão era engenheiro e construía um prédio de apartamentos na Rua 15, quase esquina com a Alameda do Botafogo. Exigia tempo integral, por isso fiquei muito pouco tempo ali, não queria trocar de curso e apenas um colégio na cidade oferecia o Clássico, no turno matutino. Então, empreguei-me como cobrador da recém criada Pousada do Rio Quente; depois, arranjei-me noutro – vendedor externo na Livraria Cultura Goiana, de Paulo Araújo; andava muito, vendia pouco (melhor seria vender esporas de porta em porta, pois esta era (e é) a capital de um Estado essencialmente agrícola).

Mas havia concursos. Fui aprovado no Ipasgo e no Banco do Estado de Goiás; fiquei no BEG, pois teria jornada de seis horas, enquanto o outro tinha jornada de oito horas. E esse foi, sem detalhes, o percurso de um ano e meio, no comecinho de minha vida goianiense. E me tornei, de fato, um Cidadão Goianiense, com diploma da Câmara Municipal, datado de 16 de setembro de 2010, um ano após o título equivalente que conquistei, também sem o ter pleiteado, da Câmara de Vereadores de Pirenópolis.

O intervalo entre 31 de julho de 1963 e hoje inclui toda uma formação, a vivência valiosa como bancário, como professor (por poucos anos, pois os dedos em riste elegeram-me para a deduragem: abandonei o magistério antes que me complicassem com as forças); caí em “desvio de função” e me fiz jornalista. Aposentei-me como bancário em outubro de 1995; continuei a jornada de jornalista, de assessor de imprensa e, ainda, em funções similares no serviço público até 31 de dezembro de 2018. Desde então, este feliz goianiense restringe-se ao ofício de escriba, colhendo grandes alegrias.


*   *   * 







Luiz de Aquino é 
membro da União
Brasileira 
de Escritores em
Goiás e 
da Academia
Goiana de Letras.

14 comentários:

Nasr Chaul disse...

Ótima Relembrança, Aquino. Trajetória, Liceu, GEN, Emílio… BEG. Podia fechar com algo sobre nosso Etrusco, a quem dedicou. Que tal?

Leda Selma, poeta. disse...

Reminiscências, com cheiro de saudades, o passado com sua história trasladada para o hoje, em passos marcantes, 60 anos de amizade, Bodas de Diamante, que lindo e emocionante! Parabéns, confrade!

Ubirajara Galli disse...

Parabéns, Aquino, pela poética crônica memorial que visita seus 60 anos de vida goianiense. Emocionante leitura.

Anônimo disse...

Uma trajetória para se orgulhar. Você fez história e tornou-se escritor reconhecido. Destaca-se na poesia e na prosa, participa dos movimentos culturais, é crítico, sempre traz boas idéias. Parabéns!

Maria de Fátima Gonçalves Lima disse...

Parabéns, Luiz de Aquino, sempre gostei das suas crônicas. Você é um cronista primoroso. Sabe escrever uma narrativa de cunho historiográfico sem ser enfadonho e piega com o passado ou fatos. Escreve crônica sabendo o que diz e sem medo de ser feliz. parabéns, confrade.

Anônimo disse...

Me fez voltar no tempo… Também fui aluno do Lyceu, de 1977 a 1983, e da Banda Marcial dali, de 1977 a 1992. Desses seus amigos, conheço alguns, ainda que não sejam da minha geração. Destaco, aqui, Francisco Taveira, que considero um grande amigo e que me deu um “cumpadi”: Francisco Taveira Neto.
Ass: Henrique de Oliveira

Geraldo Coelho Vaz disse...

Parabéns, Luiz de Aquino, pela sua narrativa. Muito bom historiar sua vivência e a sua luta para conquistar um lugar ao sol. Você é um vencedor e está colhendo os frutos do trabalho digno e honrado, registrados dentro do conceito do ser humano. Gostei e sugiro que escreva as suas andanças por este Brasil a fora. Abraços.

Augusta Faro disse...

Parabéns Luiz de Aquino gostei muito de sua narrativa Valeu

Fátima Lima disse...

Parabéns, Luiz de Aquino. Sempre gostei das suas crônicas. Sabe construir uma narrativa de caráter historiográfico com primazia e faz como um mestre que domina o que diz.

Maria Helena Chein disse...

Luiz, Lu, que delícia ler sua crônica!

Anônimo disse...

Parabéns, Luiz de Aquino. Degustei pari passu cada pedacinho da poética de sua crônica. Ler quem sabe escrever é um descanso. (Adélia Freitas)

Emílio Vieira disse...

Querido amigo e confrade Luiz de Aquino!

Gratíssimo pela sua histórica crônica a mim dedicada, rememorando nossa trajetória comum desde o tempo do Liceu em Goiânia.

Devo também a você a minha indicação para a AGL com acolhimento de outros prestimosos amigos que se manifestaram, inclusive Lêda Selma, conferindo perfil acadêmico a este modesto poeta municipal.

Esses dias estou cumprindo repouso em razão de uma pequena cirurgia a que me submeti e espero poder comparecer na próxima sessão de homenagem à nossa saudosa confreira Ana Braga.

Gratidão, meu amigo, e um caloroso abraço!

Abílio Wolney Aires Neto disse...

Sou leitor das crônicas e poemas do jornalista e escritor Luiz de Aquino. É impressionante como ele escreve bem e a mensagem e casualidade que os escritos trazem!

Anônimo disse...

tem uma história bonita, você!