Páginas

sexta-feira, agosto 11, 2023

LEODEGÁRIA, Doutora Honoris Causa

 





LEODEGÁRIA DE JESUS,


Doutora Honoris Causa

 

Ad perpetuam rei memoriam

Forte calor no fim da tarde, ainda que inverno, na Cidade de Goiás, a 16° de latitude Sul. Com toque de bom humor, num mês de julho, anos atrás, o professor e poeta Nasr Chaul comentou: "Em Goiás, temos apenas duas estações, o Verão e a rodoviária". Neste 8 de agosto de 2023, a cidade festeja o134° aniversário de nascimento de Leodegária Brasilina de Jesus (a grafia, no final do Séc. XIX, era "Brazilina"). 


Os termômetros marcavam mais de 30°C, mas a alegria era maior que tal incômodo: afinal, ali já estavam a Magnífica Reitora da Universidade Federal de Goiás, professora Angelita Pereira de Lima, com uma pequena e expressiva comitiva, para cumprir um ato definido pelo Conselho Universitário, que era a Outorga do grau de Doutora Honoris Causa a Leodegária Brasilina de Jesus: professora, jornalista e sobretudo poetisa (a seu tempo – limitado a 1889, ano de seu nascimento, e 1979, o de seu desenlace da matéria – as mulheres poetas ainda não haviam se decidido pelo uso de poeta também para o gênero feminino).

Leodegária, como sabemos, nasceu na Vila de Caldas Novas (1879), mas não tinha lembranças de sua terra natal, de onde saiu com poucos meses de vida; os primeiros anos e as primeiras letras têm por cenário a pequenina (então) Jataí; e de lá a família se muda para Rio Verde. Seu pai, o professor José Antônio, foi eleito deputado e, por isso, muda-se a família para a cidade de Goiás.


A Unidade Acadêmica Especial de Ciências Sociais Aplicadas (UAECSA) e a Unidade Acadêmica Especial de Ciências Humanas (UAECH), ambas do Câmpus Goiás da UFG, formularam a proposta que logo ganhou a adesão da Faculdade de Direito do Câmpus Colemar Natal e Silva da UFG, em Goiânia. O diretor da Faculdade de Direito, prof. José Querino Tavares Neto, lembrou que, ao concluir o Curso Normal no Colégio Sant’Ana (em cujo auditório realizava-se a solenidade de Outorga), foi impedida de ingressar na então novel Faculdade de Direito, o mais antigo embrião da UFG. O ato, então, no entendimento do diretor, buscava corrigir a lamentável decisão impeditiva da possibilidade de as mulheres cursarem faculdades; não fosse isso, Leodegária teria sido a primeira mulher a ostentar o grau de advogada em Goiás.


Profa. Luciana Dias

Em seu discurso, a secretária de inclusão da UFG, profa. Luciana Dias, fez uma síntese clara e explicativa da biografia de Leodegária, que viveu os anos finais da infância e toda a adolescência na então capital de Goiás. Destacou o clima adverso à sua família, de pessoas negras, fato agravado pelo posicionamento político independente de seu pai, vítima de uma doença que lhe dificultava os movimentos, ao mesmo tempo em que perdia a visão.


A família muda-se para Catalão e depois Araguari, buscando recursos para o tratamento do pai. Com a morte do professor José Antônio, muda-se novamente a família para Uberlândia. Leodegária viveu seus últimos anos em Belo Horizonte, onde faleceu em 1979, mas Luciana Dias enfatiza, como fecho: “Leodegária presente!” – evocando coro e palmas. 


Angelita Pereira de Lima,
Reitora da UFG.

A Reitora, profa. Angelita Pereira de Lima, explicou que a concessão do título in memoriam “é um pedido de desculpas a todas as mulheres que foram afetadas pela negativa ao ingresso de Leodegária na Faculdade de Direito”. Mais adiante, disse: “Infelizmente, o tempo não nos permite reparar o que foi negado a ela, mas é uma reparação histórica para as mulheres negras, para a população negra brasileira”.


Em toda a sua história (63 anos), a UFG outorgou apenas 25 títulos de Doutor Honoris Causa, sendo 21 para homens e quatro para mulheres. O de Leodegária é o primeiro na condição post mortem e também o primeiro para uma mulher negra.


Na plateia, ao lado de algumas Mulheres Coralinas, como a profa. Ebe e minha comadre Beth Moiana, vivi instantes fortes, capazes de me trazer lágrimas e causar arrepios. A pequenez dos preconceitos não permite a muitos “estudiosos” e “críticos” aceitar Leodegária, a mulher pioneira na poesia em Goiás desde a sua estreia (1906) até que uma segunda poetisa ousasse publicar poemas em livro (Regina Lacerda, em 1954). Esses críticos alegam uma estilística fulcrada no romantismo, mas ocultam saber que, na virada do Séc. XIX para o Séc. XX, o acesso a informações dos centros maravilhosos do país, especialmente o Rio de Janeiro e a capital Paulistana, com o despertar para o modernismo à luz da Belle Époque que agitava a vida naquelas fulgurantes cidades.


Houvesse atenção à tentativa feminina pela igualdade de gêneros – como a luta pelo direito ao voto – e, a esse mesmo tempo, o respeito aos brasileiros de herança genética africana, Leodegária teria ao menos o reconhecimento daquela sociedade machista e oligárquica para permitir-lhe acesso ao ensino superior. Mas o que lhe foi negado em vida coroa-se agora numa solenidade em que, tanto na mesa diretora quanto no público assistente, era notada a quase totalidade de mulheres.

E mulheres negras, também; senti que na vetusta Goiás estão as mais belas mulheres pretas deste Estado.


                                                    * * * 

Ebe Lima, L.deA. e Beth Moiana.









Luiz de Aquino, escritor,
membro da União Brasileira
de Escritores em Goiás
e da Academia
Goiana de Letras.

3 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns Luís Aquino.
Foi bom saber um pouco da história de vida da poeta Leodegaria. Uma linda homenagem.

Alice Prudente disse...

👏👏👏👏

Alice Prudente disse...

👏👏👏