Benevides de Almeida (*) |
A BOA AÇÃO DO
LANTERNINHA
Nos anos 50, o Cine Tocantins, que ficava na Praça Coronel
Joaquim Lúcio, passou a compartilhar a sala de projeção com os programas de
auditório da Rádio Difusora, que funcionava no andar de cima.
Não tinha o mesmo luxo dos Cine Eldorado, este intensamente
clareado pelas 55 sofisticadas (para a época) luminárias que destacavam o
vermelho forte do tapete que pavimentava os corredores entre as poltronas; e do
Cine Campinas. Ambos exigiam o uso do paletó dos frequentadores, como acontecia
no Cine Casablanca e no Cine Teatro Goiânia.
Em tudo, Campinas queria ser igual Goiânia, até nisso. O Cine
Campinas era o preferido pelos campineiros por causa da seleção mais apurada
dos filmes que exibia. Tinha uma clientela mais elitizada e somente depois de
alguns anos é que aboliu a obrigatoriedade do paletó, seguindo decisão
semelhante tomada pelos cines de Goiânia. Essa frescura de paletó nunca foi
exigida no Cine Tocantins, frequentado mais pelos moradores da região de
influência da Praça da Matriz e das proximidades da Joaquim Lúcio. Ele também
exibia os grandes clássicos de Hollywood. Foi lá que assisti, por exemplo, o
primeiro filme Maria Antonieta, produzido em 1938, estrelado por Tyrone Power e
Norma Shearer.
Lembram-se da figura do lanterninha, o funcionário
encarregado de encontrar poltronas vazias para os que chegavam depois que a
sessão já havia iniciado e de vigiar a conduta dos espectadores, com poder de
chamar a polícia para retirar o bagunceiro pra fora?
Pois bem, o Cine Tocantins contratou um jovem cheio de boa
vontade para esta missão. A primeira recomendação do gerente ao novo
funcionário foi: tratar o público com educação, mesmo os barulhentos e, se
possível, até mesmo resolver algum problema, como troca de lugar porque uma
madame de coque alto sentada da frente estava atrapalhando a visão ou indicar o
banheiro, os mais comuns numa sala de cinema.
O lanterninha cumpria à risca a orientação do chefe. Ele
sempre ficava junto à porta de entrada da sala de projeção, encostado na mureta
que isolava o corredor de circulação das poltronas.
Um dia, numa sessão com pouca gente, estava sendo exibido um
filme em que a atriz Ester Willians se insinuava sensualmente em algumas cenas.
O lanterninha escutou perto dele os gemidos sussurrantes de um único espectador
sentado na última fila de poltronas, justamente a que ficava encostada na
mureta onde se encontrava. Discretamente, acendeu a lanterna para baixo, e em
seguida virou o foco para a cadeira ocupada pelo rapaz solitário e deparou-se
com ele masturbando enquanto fixava os olhos para as coxas de Ester Willians de
maiô numa piscina.
O lanterninha lembrou-se da orientação do gerente: "Trate
bem o público. Ajude-o no que estiver ao seu alcance". Discretamente, ele
foi até o homem e disse que precisava falar com ele. Pego em flagrante na
prática onanista, o desconhecido acedeu sem nenhuma reação e acompanhou o
funcionário, que o levou ao banheiro masculino. Sem dizer nada, o lanterninha
baixou as calças e virou o trazeiro para o indignado sujeito. Foi quando falou:
– Use e abuse.
É claro que o cara não perdeu a oportunidade. Mandou ver.
Praticada a boa ação, o lanterninha levou o assistente de volta à mesma poltrona e lhe explicou:
Praticada a boa ação, o lanterninha levou o assistente de volta à mesma poltrona e lhe explicou:
– Não pense que sou viado. O que fiz foi apenas cumprir
uma norma da casa.
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(*) Benevides de Almeida, jornalista precoce (desde a década de 1950), repórter-referência cheio de talento e competência, além de grande ser humano, por seu caráter e qualidades excepcionais de amigo e parceiro. Enfim, alguém que qualquer de nós se orgulha de chamar de amigo.
Um comentário:
Inacreditável! Sei que foi verdade porque você é jornalista e imparcial.
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