Leodegária de Jesus, sob o crayon do mestre Amaury Menezes. |
Leodegária de Jesus - II
Recentemente, a
professora e poetisa Darcy França Denófrio conclamou-me a insistir em divulgar
a poetisa Leodegária de Jesus, caldas-novense como eu, pioneira em Goiás no ofício dos versos e a primeira goiana a publicar livros de poesia (1906 e 1928). Lembrava-me de uma crônica... Ah!, é de fevereiro de 2013 e transcrevo-a aqui:
Cecília Meireles proclamou-se poeta, aplicando o masculino como genérico
ou comum de dois, ao versejar
Eu canto porque o instante existe
e a minha
alma está completa.
Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.
(Motivo,
o poema). Não sei se a autora de Canteiros (os dois poemas ganharam
músicas de Fagner) valeu-se apenas da liberdade poética para manter o ritmo e
valer-se da rima, ou se, ao chamar-se de poeta, levantou uma bandeira
feminista. O fato é que muitas poetisas, poetas e críticos de ambos os gêneros,
em todo o Brasil, adotaram a forma.
Leila Micolis poetizou, a respeito de si
mesma:
Poeta.
Que em poetisa
tudo mundo pisa.
Darcy França Denófrio, poetisa e pesquisadora |
Quero contar aqui de uma poetisa goiana do Século XIX, Leodegária de
Jesus. Nasceu em Caldas Novas, cerca de 100 dias antes que substituíssem o
Império por esta República confusa que temos agora. Por isso, e porque a minha
terra natal ainda não fora emancipada, não existe registro de seu nascimento
lá, e os livros da paróquia tomaram rumo incerto. Ela própria é a fonte que
afirmava ser caldas-novense, como o poeta Delermando Vieira. E a professora
Darcy França Denófrio é a maior estudiosa – portanto, autoridade indiscutível –
sobre a vida e a obra da primeira poetisa de que se tem notícias em terra
goiana.
Leodegária foi também a primeira mulher a publicar livro em Goiás – Coroa
de Lírios, em 1906 –, quanto tinha apenas 17 anos (incompletos). E ao lançar seu outro livro, 22 anos depois – Orquídeas
–, nenhuma outra mulher o fizera, também! Outra poetisa goiana surgiu em
livro somente em 1954 – Regina Lacerda, com Pitangas.
As poetisas, ou mulheres poetas, despontaram p’ra valer, em Goiás, a
partir da década de 60 do século passado, especialmente no Grupo de Escritores
Novos – Yeda Schmaltz, Edir Guerra Maragoni, Maria Helena Chein – e muitas
outras, entre elas a própria professora Darcy. E já na década seguinte o
preconceito de gêneros era um item a desconsiderar-se solenemente – afinal,
vivia-se a chamada “revolução sexual” advinda dos ventos pós-guerra na segunda
metade dos anos quarenta, o rock and roll mudava costumes, a conquista
espacial reforçava o avanço tecnológico e a pílula anticoncepcional oferecia
uma nova era.
Esses avanços, entretanto, não favoreciam a memória. As inovações –
coisas que encantam os moços – contribuem para o esquecimento dos feitos
anteriores: costumo dizer que quando jovens pensamos que Deus criou o mundo no
dia em que nascemos. Leodegária é citada na obra de Gilberto Mendonça Teles – A
Poesia em Goiás (1964). Depois, foi a vez de Basileu Toledo França (escritor, pesquisador - foi membro da Academia Goiana de Letras) publicar
Poetisa Leodegária de Jesus (1996). Esse livro coincide, em sua feitura
e publicação, com o incansável trabalho de Darcy, que me presenteou com três
obras muito especiais: um exemplar de Orquídeas (1928, já citado; a
grafia da época é Orchideas); Letras
em Revista (do ICHL/UFG, Cegraf, 1992), em que se acha um belíssimo ensaio
de sua lavra: Entre “Lyrios” e “Orchideas” o Pássaro Ferido); e sua obra
Lavra dos Goiases III – Leodegária de Jesus (Cânone Editorial, 2001).
Fica patente que, dos esforços de Darcy França Denófrio, a obra e a
memória de Leodegária – a mulher mais importante de Caldas Novas e uma das mais
expressivas figuras goianas de todos os tempos – começam a ser notadas na vida
acadêmica brasileira. É a justiça dos tempos acontecendo – mas, há que se
dizer, graças ao empenho hercúleo de uma Quixote de saia (sem desmerecer o
empenho feminista, mas sobretudo exaltando a garra e a tenacidade femininas).
* * *
Luiz de Aquino
é membro da Academia Goiana de Letras
2 comentários:
Luiz de Aquino, poeta querido, sempre incansável na luta por reverenciar as mulheres intelectuais com sua sensibilidade e sua inteligência. Em nome de Leodegária e de todas as mulheres escritoras envio-lhe meu abraço de poético e humano agradecimento.
Prezado poeta Luiz de Aquino,
Li com emoção e vivo interesse a sua crônica, curiosa em saber onde foi publicada. Não a li antes, porque estava fora de Goiânia.
A minha emoção vem do fato de que batalhei intensamente para tirar Leodegária de Jesus do limbo literário. Primeiro proferindo conferência sobre ela
no III Seminário de Literatura Goiana da UFG (sendo este fundado por mim), ocorrido em maio/junho de 1990.
Este trabalho, como você já sabe, foi escrito para comemorar o centenário da primeira mulher a publicar um livro de poemas em Goiás e que, depois, foi publicado
em Letras em Revista, de que fui colaboradora e, depois editora. O meu empenho em divulgar Leodegária de Jesus culmina com a minha obra
Lavra dos Goiases III: Leodegária de Jesus. Aí recupero as suas duas obras líricas, com a grafia da época: Corôa de Lyrios (1906) e Orchideas (1928). Acho mesmo este
o mais bonito livro da minha coleção “Lavra dos Goiases”. A edição, pela Cânone Editorial, foi realmente primorosa.
Agora, meu amigo, não vejo interesse de nossas bibliotecas por esta obra. Assim sendo, caldas-novense como Leodegária, convido-o a fazer o papel de divulgador
dessa autora goiana que continua no limbo. Tenho uma grande quantidade do volume Lavra dos Goiases, dedicado a Leodegária de Jesus, contendo, além de meu estudo,
as suas duas obras já mencionadas, que só Deus sabe como resgatei. Podemos combinar e você (não tenho saúde para isto) oferecerá os volumes pelo menos às principais bibliotecas daqui e também às instituições culturais de Caldas Novas. Para isto, terá quantos volumes precisar. Deixo-os à sua disposição. Caso ache viável, combinaremos
e você virá buscar os exemplares.
Obrigada pelos elogios a mim dispensados.
Abraço agradecido.
Darcy França Denófrio
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