Viver
em vão
Quem de nós, em sã
consciência, nunca se perguntou sobre os propósitos e a qualidade de sua vida?
Nascer e morrer, o Alfa e o Ômega – mas a questão não se dá sobre chorar ante a
vida ou causar lágrimas pelo ponto final. A dúvida está, sim, sobre a validade
geral dos feitos e das palavras.
Sei bem que
cometemos o cinismo de justificar nossas escolhas de vida sob a máscara de “uma
missão”, ou “a minha missão”. Não creio, mesmo, que a Espiritualidade Superior
nos determine “Vá, nasça e faça isso ou aquilo”. A missão é viver em carne para
nos aprimorarmos espiritualmente. A missão não é viver para constituir fortuna,
mas, caso a tenhamos, fazer dela instrumento de bem-servir ao próximo, de
crescermos em entendimento e atos.
Aprendi, muito
cedo, valores que me norteiam – e que me trazem alguns sofreres porque a
sociedade regida pelo poder e o capital é rigoroso com os que considera
faltosos. Sou faltoso porque não juntei bens de matéria. De dentre as coisas
que aprendi, cuido bem de não praticar o culto à personalidade dos que admiro –
a esses, apenas dedico a admiração por seus feitos ou pelo exemplo deixado.
E são muitos,
esses, pela minha ótica. Para não romper divisas e fronteiras, cito uns poucos
da nossa mesma lavra, como a pioneiríssima poetisa Leodegária de Jesus (e seus
estudiosos Darci França Denófrio e Basileu Toledo França), Léo Lynce, Bernardo
Elis, José J. Veiga, Eli Brasiliense, Amália Hermano, Yeda Schmaltz e Joaquim
Jayme (evitando listar nomes dentre os vivos).
Envaidece-me o
reconhecimento nas ruas e a abordagem de leitores que (como eu também costumo
fazer) comentam textos publicados, em livro ou jornais. Mas preocupa-me, porque
receio a expectativa desses leitores ante um crescimento para mim inalcançável,
mas sempre esperado.
Bom mesmo é ser
anônimo – e crítico dos famosos e dos circunstantes. Como me aconteceu em dias
finais desta semana, quando tomei a Avenida T-9, no Jardim América, rumo ao
Setor Marista. Vali-me de percorrer uns poucos metros na faixa da direita,
destinada aos ônibus, enquanto considerava a possibilidade de tomar a pista
central – o que fiz tão logo pude. No primeiro sinal fechado, emparelhou-se –
ocupando a tal pista dos ônibus, uma jovem e feia piloto de moto. Com a carinha
de ferrugem muito fechada, censurou-me – “O senhor não pode usar duas pistas,
tem que escolher uma e ficar nela. Isso é falta de respeito com os outros” – e
continuou resmungando, até que ao seu lado parou outro motoqueiro – um jovem
nitidamente mais velho que ela.
Percebi, pela
expressão do moço, que não entendia o que ela vociferava contra mim, estimulada
pelos meus talvez passivos cabelos brancos. Foi quando me dei conta de que
deveria responder, e o fiz com “muito obrigado, moça!”, que repeti ao ver que
ela não se calava. E recomendei, ainda:
– Cuida você de
permanecer na sua faixa, motoqueiros gostam muito de “costurar” no trânsito.
A moça se calou, o
sinal se abriu. Retomei o curso, cuidando de me manter no limite dos 50 km/h,
enquanto via seu vulto cada vez menor à minha vista, numa velocidade certamente
na medida dos 80 km/h...
******
Luiz de
Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.
Um comentário:
Retomar o curso é sempre a atitude mais sensata e serve tanto para o trânsito como para a vida. Tenha uma boa semana!
Postar um comentário