Enquanto escrevo,
um grupo de apaixonados pela natureza cuida dos últimos detalhes para a 26ª
Caminhada Ecológica – a marca de 310 km de Goiânia a Aruanã, capitaneada pelo
professor Antônio Celso Ferreira Fonseca. São 29 caminheiros, alguns assíduos
desde a primeira ocorrência de um evento que já se tornou constante em todos os
meses de julho, referência importante do que nós, goianos, entendemos ser a
“temporada do Araguaia”.
O grande rio,
divisa natural entre Goiás e Mato Grosso e Goiás e Pará – antes da divisão
territorial de 1989 – é tão importante para nós quanto a pamonha, o pequi e o
cerrado. Essa Caminhada Ecológica é um feito sociocultural dos que marcam um
povo e um tempo. E é sempre bom e agradável conversar com pessoas que se
dedicam a causas como essa, que envolvem muitos fatores – como a prática
esportiva, o gosto turístico, a defesa de um ideal como a preservação ambiental
e, por decorrência, o sabor indescritível das descobertas de feitos e atos tão
significativos como o que ouvi do mestre Antônio Celso.
Conta-me o
professor que, numa das realizações da Caminhada, ele foi atraído pela imagem
de uma senhora à janela de uma casa, sede da Fazenda Uru, à beira do rio do
mesmo nome – divisa natural dos municípios de Itaberaí e Goiás (a antiga
capital). Parou e foi à casa, bem à margem da rodovia, e dirigiu-se àquela
senhora, que o acolheu com um belo sorriso de boas-vindas.
Era Dona Maria.
Dona Maria do Uru, como ficou conhecida. Ele se apresentou, contou da
Caminhada, foi convidado para adentrar e experimentou uma bela conversa...
Enfim, aquela visita não programada era a semente de uma amizade e de novas
marcas para os caminheiros, os “andarilhos da natureza” – como na canção de
Matão e Monteiro. Dona Maria serviu-lhe pipoca e café e acolheu o grupo que
faz, todos os anos, aquele percurso. A travessia do Uru corresponde ao período
de almoço dos atletas na quarta-feira, o segundo dia de andança.
A partir de então,
o ponto de almoço passou a ser a Fazenda de Dona Maria. Ela os recebia com
ansiosa alegria e os brindava sempre com uma farta mesa de quitandas e café,
além da pipoca – que se tornou referência e que ela, aos punhados, lançava
sobre aqueles atletas, como que os abençoando em nome de Deus.
Foram dez anos ou
mais. Nesta segunda-feira, e com um novo ponto de partida – a cidade de
Trindade –, a Caminhada tomará sua trilha e chegará ao rio Uru na manhã de quarta-feira,
onde realizará o almoço – mas agora sem a alegria marcante de Dona Maria do
Uru. Ela se despediu da vida material em abril passado. Agora, seus
beija-flores – como ela se referia aos caminhantes do Araguaia – estarão lá,
mas recebidos pelos filhos da matriarca Dona Maria do Uru.
Antônio Celso,
atento a todos os detalhes (como convém a um líder de tão legítimo evento),
recorda o detalhe de um beija-flor do último abril, no dia em que, na mesma
casa da beira do rio e da estrada, velava-se o corpo inerte de Dona Maria. A
pequenina e esperta ave entrou pela janela, a mesma onde o professor vira Dona
Maria pela primeira vez, esvoaçou por rápidos segundos sobre o corpo e
desapareceu. E ficou a sensação de que ela combinara com o pássaro aquela
visita, pois, ao lado da janela, dois dos andarilhos, com as camisetas do
evento, sentavam-se como vigilantes.
Dona Maria não é
mais presença física no Uru, mas sua alma de bondade ali aguardará sempre seus
“beija-flores caminhantes”.
Numa canção, esses atletas eram ditos "caminheiros da natureza", mas Dona Maria os chamava de "os beija-flores". (Foto: Internet) |
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6 comentários:
Que leitura deliciosa, poeta! Sei que jamais andarei por essas bandas, mas consegui viajar. Obrigada!
Sempre imaginei o quanto de coisas maravilhosas esses caminheiros encontram nesse percurso até Aruanā. Agora, caro poeta, você nos traz está belíssima história de Dona Maria do Uru. Um mimo para os curtem a natureza!
Que as bênçãos das pipocas de Dona Maria aos seus chamados "beija-flores caminheiros" se extendam a todos nós que acompanhamos com o coração o cumprimento dessa devoção ecológica!
Poeta Luiz,que texto lindo!Que Dona Maria do Uru,nunca seja esquecida pelos Beija-Flores!
Que texto maravilhoso. Obrigado!
"Dona Maria não é mais presença física no Uru", virou poesia de Luiz (de Luz)...
Chorei, e solucei com a chegada do beija-flor. Amo este projeto e de há muito o sigo. Bela crônica do amigo Luís de Aquino. Ainda hoje o Facebook me levou a uma foto de 3 anos atrás que reparti com Kamilla Porto de O Popular
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