Nada mudou, ainda!
Há pouco mais de 70 anos, findou-se a Segunda Grande Guerra. E o alívio mundial ante o término do conflito foi o descortinar dos palcos para novos cenários – visuais, perceptíveis e surpreendentes. Era preciso reconstruir muitas e muitas cidades nas duas metades em que se dividiu a humanidade na estupidez das batalhas por terra, mar e ar, com as partes bélicas demonstrando sempre novidades terríveis, desde os teleguiados V2, alemães, até as bombas sobre Hiroshima e Nagasaki.
Em Caldas Novas, onde os conflitos não iam além dos fuxicos políticos e as fofocas de vizinhos, permeados com possíveis desentendimentos conjugais (num tempo em que sequer se imaginava o divórcio tupiniquim), aquele ano de 1945 foi marcado por muitos nascimentos. Dentre eles, eu mesmo.
Essas pessoas que por aí povoam de cabelos brancos, cabelos tingidos ou mesmo sem cabelos são, comigo junto, parte grande das testemunhas das transformações comportamentais, sociais e tecnológicas, ou seja, somos de um tempo em que a humanidade experimentou surpreendentes mudanças.
E como se transformou a humanidade! Falava-se, no decorrer da década de 1950, em “cérebro eletrônico” e o cinema, que se fartou de mostrar cenas daquela guerra, exibia uma imensa mochila de metal, quase sempre nas costas de um cabo de infantaria. Era o “rádio de comando”, uma vedete das modernidades. Jamais imaginaríamos que o primeiro “cérebro eletrônico”, que contam ser tão grande que ocupava um edifício de cinco andares, juntamente com o tal “rádio de comando” viriam a se misturar num minúsculo aparelhinho que carregamos no bolso – o telefone móvel, ou celular, que sucedeu ao prosaico telefone (de gancho e disco) e ao antes surpreendente PC, o computador pessoal.
A sociedade se transformou também nos costumes, e muito mais rapidamente do que em qualquer outro meio século em toda a sua existência. Quem diria que vovós octogenárias, como as de agora, poderiam contar de suas danças da acima citada década de 1950, quando o rock and roll caracterizou uma mocidade? E essas vovós, ao apreciar a liberdade das netinhas (ou bisnetas) ao anunciar “hoje vou dormir na casa do meu namorado” acolhem com ternura a decisão destes tempos.
Imenso passo, esse! Lamentavelmente, o homem mudou também para pior. Um deputado como aquele dançante que liderava a defesa de Eduardo Cunha – e que derramou para o mesmo posto em relação ao presidente Temer, descoberto em tramoias com empresários sem escrúpulos – acaba premiado com um cargo de ministro.
Mulheres também mudaram. A recém nomeada ministra do Trabalho foi, há bem pouco tempo, condenada em ação na esfera da Justiça do Trabalho. E seu suplente é um “político” que foi condenado por prática de pedofilia e exploração sexual de menores – mas foi agraciado com um habeas corpus providencial. Ou seja, também a Justiça mudou muito (e, em alguns informes, para pior).
Pelo visto, ser “do mal” é capacitação para o ministério de Temer. Lá já estavam aqueles dois denunciados ao lado dele, o presidente; por lá já passou o Geddel, e de lá saiu o antecessor da filha de Roberto Jefferson – aquele mesmo que publicou uma portaria modificando o conceito de trabalho escravo (uma decisão que agradou fortemente a “classe produtora” do campo, inclusive o ministro da Agricultura). E o governo fez vistas grossas ao que o Judiciário decidiu sobre a tal portaria, que só foi revogada após a saída de seu autor.
Enquanto o mal se espalha na cúpula dos palácios de três poderes, o rádio informa que morreu no Rio de Janeiro o jornalista Carlos Heitor Conny, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, homem perseguido pela ditadura, indiscutivelmente um crítico severo das mazelas cometidas pelos políticos, tal como, com heroísmo e forte convicção, criticou o AI-2 – o que motivou a primeira das seis prisões que sofreu durante o regime do arbítrio.
Muitas razões de tristeza nesta primeira semana do ano!
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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras
5 comentários:
Muita coisa mudou, sim! Embora incontáveis mudanças nos causem tristeza, pouquíssimas outras nos enchem de esperança. Infelizmente, as primeiras nos chegam rapidamente, enquanto que as escassas se arrastam pelo tempo e com muita sorte as alcançaremos. O paradoxo que você concebeu frutificará além de nós!
Simplesmente trágico. Há muito tempo perdemos o rumo!
Não temos muita coisa a comemorar nos últimos tempos. Realmente o "mal" parece se espalhar mesmo nos palácios dos três poderes. E o que nos resta de reserva moral e honradez, a vida nos tem ceifado.
Pra completar, chama "Sir Ney" para orientador!!!... aff
Um bom resumão do nosso mundo cruel. Concordo e aplaudo os seus pontos de vista.
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