Língua e livros
Gosto
muito de tudo o que ouço, vejo e leio sobre a nossa língua. Isso inclui,
também, os pontos de intercâmbio, a influência de outras línguas na acepção de
palavras estrangeiras, bem como o peso inevitável do falar dos imigrantes de
todo o mundo. E nós, no Brasil, que já absorvíamos palavras dos idiomas
autóctones, ganhamos ainda com os três séculos da participação africana.
Foi
dessa miscelânea que herdamos a “língua brasileira” (prefiro dizer “esta”, pois
que é a que me serve integralmente), ou Português do Brasil, com seu
vocabulário muito, muito maior do que o conteúdo geral da língua-mãe, o
Português Europeu (português, obviamente). E tenho cá comigo alguns livros
excelentes sobre a nossa língua, em escrita e fala. Dentre outros títulos,
encantei-me com Viva a Língua Brasileira,
de Sérgio Rodrigues. Este trouxe à luz um trabalho bem elaborado, de fôlego e
seriedade.
Mas
tenho também uma obra, Pequeno
Dicionário Brasileiro da Língua Morta que, para mim, não mereceu nascer. O
autor, Alberto Villas, tomou nota de expressões e palavras, com ênfase para
gírias e modismos, e cometeu alguns disparates, como citar por atuais alguns
dizeres que lá pelas décadas de ‘1950, 60 e 70 eram correntes – esqueceu-se ele
de que a moda que se repete não é só a das roupas, mas a do falar, também.
Um amontoado de equívocos |
São
da minha infância, há uns 60 anos, expressões que repetimos com facilidade –
como chamar de gata ou gato a pessoa amada. Nas leituras, encontrei “pitéu”
(décadas de 20 e 30), “chuchu”, “broto” (já estava em desuso quando a Jovem
Guarda, movimento musical de 1964 e anos seguintes, a trouxe de volta).
Engraçado (só para exemplificar): ele afirma que “emérito” era uma referência somente
em discursos para exaltar algum figurão. E realça que nenhum pé-rapado seria,
jamais, chamado de emérito. E arremata o verbete dizendo que hoje o emérito
virou senhor. Será isso mesmo?
Outra:
ele ressuscita casca-grossa, epíteto para alguém rude e mal-educado, e traduz
para o que ele diz ser expressão de hoje – “casca-grossa é um cavalo”. Ora,
qualquer pessoa grosseira, em qualquer lugar deste continente Brasil, pode
ainda ser chamado de cavalo (ou égua, já que se enfatiza tanto a questão de
gênero).
Mas
a gafe mais esdrúxula, nas 105 páginas que teimei em ler (o livro tem 302, mas
o folhear aleatório deixou claro que as mancadas se repetiam), a “cereja do
pudim” foi sobre o curso Colegial, que era dividido em dois tipos (Científico e
Clássico) e que se tornou, lá por 1971, Segundo Grau e, em 1996, Ensino Médio.
Ele
começa com o verbete “Científico”, definido como “Curso de três anos entre o
ginásio e a universidade”. Essa definição já me pareceu uma localização
geográfica. E a bobagem foi redigida assim:
“Os meninos quando terminavam o ginásio
passavam para o científico. As meninas, antes da revolução feminista, faziam o
normal ou o clássico. Era no científico que os estudantes começavam a aprender
química, física e biologia. Essas três matérias eram a cara do científico. Quem
fazia o científico queria seguir a carreira universitária, ser engenheiro,
médico, advogado. Ser doutor. (...) Hoje
o CIENTÍFICO virou ENSINO MÉDIO” (sic).
Pouco
abaixo, ele cuidou disso:
“clássico (sic)
Curso intermediário entre o ginásio e a
universidade (sic).
Acabava o ginásio existia um curso de três
anos antes de prestar o vestibular. O estudante optava pelo curso científico,
pelo normal ou pelo clássico. O clássico era um curso meio chique, meio
indefinido, meio espera-marido. Fazer o clássico era muito elegante e só. Mas
não podemos confundir com aquele que fazia curso de violão clássico. Aí é outra
história” (sic).
Ora! Para cursar Direito na universidade, o menino cursava o Clássico, não o científico.
Cuidei de transcrever esses trechos sem corrigir nada. Vê-se que o rapaz escreve, mas jamais fez o Clássico ou o Normal. Se tivesse feito um desses, pelo menos erraria menos ao escrever.
Cuidei de transcrever esses trechos sem corrigir nada. Vê-se que o rapaz escreve, mas jamais fez o Clássico ou o Normal. Se tivesse feito um desses, pelo menos erraria menos ao escrever.
E
assim é que, mesmo em Minas Gerais, se forma um jornalista nestes tempos pós-Clássico.
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Luiz de
Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.
3 comentários:
Eu seu da sua paixão pela "última Flor do Lácio, inculta e bela" e com você aprendo horrores. Língua Pátria é com você.
Excelente observação! Os cursos tinham matérias (atuais disciplinas) específicas e comuns. Entretanto, nada obstava que os candidatos aos vestibulares, que eram isolados, escolhessem sua carreira. Consultas à Tábua de Logaritmos e ao Dicionário de Latim eram permitidas por algumas universidades. Que tempo bom!������
Excelente sua crônica! Eu fiz exame de admissão para o ginásio, e fiz o curso Clássico, não para procurar marido e sim para estudar literatura. Nos nossos três anos de Clássico, tivemos viários colegas do sexo masculino que se tornaram grandes advogados e outros, como eu, mudamos para outras áreas porque tínhamos base para seguir qualquer outro curso, como medicina, engenharia, farmácia e outros.
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