DM, 26/10/2018 (Opiniao Pública) |
Entre
talentos
Uma
moça bonita apareceu na telinha do computador, propondo que eu a aceitasse
entre os meus contatos de Facebook. Fui ao perfil da moça, vi que é escritora
e, como costumo fazer, acolhi-a. Em seguida, expressei-lhe boas-vindas e ela
respondeu de um modo muito gentil, com um texto que reduzirei ao essencial:
“Olá,
poeta Luiz”, começou ela, Mariana Paiva, para continuar num tom afetivo e
receptivo, lembrando que há 22 anos (ela, na época, tinha apenas 13 anos),
trocamos prosas a partir do site Jornal da Poesia (criado e mantido pelo poeta
cearense Soares Feitosa), usando os “chats” da UOL. E continua: “você chegou a
me mandar seu livro Razões da Semente (que) guardo com carinho até hoje”. Ela
viu, entre postagens alusivas à eleição, um comentário meu – “e vim ver se era
você. É. Fiquei tão feliz!”, concluiu.
Ora,
moça, quem ficou muito feliz, mesmo, fui eu! Que alegria para um poeta
septuagenário, incrustrado no anonimato da Província Goiás, saber que bastou um
pouco de conversa – no que seria um embrião das mídias sociais – e um livro
despretensioso para que este poeta se tornasse lembrança e, como ela me diz
agora, até mesmo referência!
Mariana
Paiva, hoje, é jornalista e escritora. E foi muito além de mim: já é mestra e
conclui doutorado! Neste emaranhado de más notícias, de truculentas mensagens
desafiadoras das liberdades e quando sentimos a Nação ameaçada por xenofobia,
racismo, revogação de direitos e vantagens arduamente conquistados, agressões
contra mulheres, homossexuais, pretos e velhos e a vulgarização de conceitos
que visam à implantação do arbítrio e da extinção do Poder Judiciário, uma
jovem assim se manifesta!
Nunca
a vi pessoalmente, nunca trocamos mensagens de voz, mas se o tempo quase me fez
esquecer a menina baiana que gostava de poesia, meu livro ficou ao alcance de
suas mãos e, bem, ela disse:
–
Hoje sou escritora, tenho livros publicados e vim agradecer! Você me ajudou a
ver que era possível!
Nos
meus primeiros tempos de aspirante a escritor, contei com a simplicidade de
notáveis orientadores. Eram futuros colegas, como Anatole Ramos, Carmo
Bernardes, Yeda Schmaltz, Bariani Ortêncio, José J.Veiga e outros mais. Entres
estes, um jovem, mais moço que eu: Brasigóis Felício. Outros havia que nos
olhavam com desdém e desconfiança, como quem se nos achassem incômodos (de
alguns desses ouvi auto apresentações curiosas, como “Sou um medalhão”).
O
poeta Aidenor Aires lembra, com felicidade, que chegou um tempo em que, sem
perceber, começamos a substituir aqueles antigos amigos mestres, passando a
segurar o facho que clareia o caminho dos novos caminhantes das letras. Com a
mensagem feliz que me passou a menina que hoje já me ensina, saboreio a
sensação de ter feito algo de útil.
Giro
minha cadeira e confiro a pilha de livros de novos autores a quem tive a
alegria de abrir a primeira porta – e olhe que tais livros são apenas aqueles
em que os novos autores pediram-me um texto para apresentá-los ao seu novo
meio. São dezenas, mas de alguns mal me recordo (perdemos o contato).
Finalizo
o momento de alegria com um tom de despedida – refiro-me ao nosso irmão mais
velho Ursulino Leão, romancista inspirado e companheiro indispensável. Deixei
de citá-lo acima porque já o tive ao alcance já na maturidade da jornada.
Admirava-o à distância, lendo suas crônicas e acompanhando sua carreira
jurídica, sua vida política e sua liderança como presidente da Academia Goiana
de Letras.
Sobre
ele produzi, não há muito, crônicas de bem-contar, porque não haveria outro
modo de referir-me a ele. Nos últimos dias, entre tudo o que colheu em seus 95
anos de excelente convívio, desabrochou algum mal proveniente do cansaço do
tempo. A medicina foi até onde pôde, e o Criador apiedou-se de suas dores.
Ao
meu modo, querido confrade, tento reproduzir seus feitos de orientador de novos
autores. Assim, imagino-me lembrado entre os que citei aqui, posto que nos
ocupamos, todos, de preservar este nosso ofício de contadores dos fatos e das
emoções em sua roupagem mais refinada, isto é, dando aos textos o primor das
boas letras.
******
Luiz de
Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.
2 comentários:
Ah, como é bom saber que ainda existe gratidão!
Muito bonito ver isso, Luiz. Uma centelha ser despertada e desenvolvida, virando fogo, virando livros, virando aprender e ensinar. Agrada-me ver o reconhecimento, a gratidão. Felicito-os pelos fatos.
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